Mulheres que enfrentam o câncer de mama no Brasil em muitos casos precisam lutar não apenas contra a doença, mas também contra o abandono de seus parceiros. Uma pesquisa realizada em 2024 pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), em colaboração com o Datafolha e a AstraZeneca, revelou que uma em cada dez mulheres diagnosticadas com câncer de mama é deixada por seu companheiro após a confirmação da patologia.
O levantamento analisou as respostas de 240 pacientes de diversas metrópoles brasileiras, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e Goiânia, oferecendo um panorama preocupante sobre o suporte social durante o tratamento oncológico. As histórias de Janaína Almeida e Fernanda da Silva, ambas marcadas por essa dolorosa realidade, exemplificam a resiliência e a busca por um novo recomeço.
Mulheres Superam Abandono Após Câncer de Mama no Brasil
A palestrante, influenciadora e escritora Janaína Almeida, hoje com 37 anos, relata uma vivência chocante em 2019, quando uma suspeita de câncer de mama a levou a um processo de exames. Casada na época com um médico e mãe de um filho, ela se viu em meio a comentários insensíveis do então ex-sogro, que questionou os custos dos procedimentos diagnósticos com a frase: “Essa menina vai custar quanto para a gente? Quanto vai sair essa brincadeira?”. O diagnóstico de carcinoma invasivo na mama esquerda se confirmou pouco tempo depois, e, em um giro dramático de eventos, Janaína conta que foi abandonada pelo marido.
Moradora de Londrina, Paraná, Janaína havia tido um check-up perfeito em janeiro de 2019, sendo incentivada a planejar o segundo filho. No entanto, um mês depois, sintomas como náuseas a alertaram. Uma intuição a fez procurar as guias de exames de mama e transvaginal guardadas no porta-luvas. Ao realizar a ultrassonografia, a expressão da médica revelou a gravidade da situação: um tumor “horrível” e com características malignas.
O então marido, também médico, minimizou a descoberta por telefone, dizendo: “Pare de procurar doença. Pode sair daí. Eu rasgo o meu CRM e deixo de ser médico. Você não tem doença nenhuma.” Apesar da relutância inicial, a confirmação do câncer dias depois fez com que ele acionasse um colega para obter uma segunda opinião, que ressaltou a urgência. Janaína, com a roupa do corpo e duas malas – dela e do filho – partiu para São Paulo, onde foi acolhida na casa dos pais. Os exames e a consulta com o oncologista, realizados em São Paulo, tiveram de ser custeados pela família, dado que seu plano de saúde só operava em Londrina, somando aproximadamente R$ 10 mil em despesas numa única semana.
A gravidade do tumor foi revelada: um tipo agressivo com alto potencial de metástase. Neste momento crítico, Janaína percebeu o distanciamento do parceiro. Apesar de seus apelos por apoio (“Câncer não passa, não. O que aconteceu? Preciso de você”), ele repetia que a relação “não iria dar certo”. Com o resultado do subtipo do tumor em mãos em uma quinta-feira, seu marido a deixou no sábado seguinte, não retornando mais. Ela conta que teve de manter a força por sua família, que estava em choque, e por seu filho, de quatro para cinco anos.
Janaína obteve uma resposta positiva ao tratamento e atualmente está em remissão. Grande parte de sua recuperação e superação é atribuída ao reencontro com um namorado de juventude, com quem teve um “milagrinho”: engravidou após 16 sessões de quimioterapia e mesmo com a recomendação de mastectomia bilateral preventiva. Aos 35 anos, devido à descoberta de uma mutação genética associada a diversos tipos de câncer, ela passou por uma ooferectomia preventiva, entrando na menopausa precoce. Seu filho “milagrinho” completou quatro anos.
História semelhante é a da professora Fernanda da Silva (nome fictício), de 35 anos, residente em Estrela, Rio Grande do Sul. Em 2019, ao ser diagnosticada com câncer na mama direita, a doença já estava em estágio avançado. Fernanda convivia com seu parceiro há cinco anos e era mãe de uma filha de dois anos. Ele demonstrou relutância em faltar ao trabalho para acompanhá-la ao oncologista, que detalhou o plano de tratamento e a quimioterapia. Após a primeira sessão de quimioterapia, que durou um dia inteiro, o companheiro declarou que não conseguiria lidar com a situação e a deixou.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Amparada por amigas, que se tornaram sua rede de apoio e “nova família”, Fernanda saiu de casa com sua filha. Hoje, ela tem um novo companheiro. Seu tratamento, que incluiu quimioterapia, radioterapia e cirurgia, segue em andamento, dada a descoberta tardia da doença.
Impacto Psicológico do Abandono no Câncer de Mama
Os relatos de Janaína e Fernanda destacam um aspecto pouco discutido, mas crucial na jornada de mulheres com câncer de mama: o impacto do abandono por parceiros. A psiquiatra Lorena Caleffi, membro do Conselho Científico da Femama, enfatiza os efeitos negativos do estresse no funcionamento metabólico dos pacientes.
O abandono não apenas agrava o estado de saúde, mas também piora o prognóstico e a resposta ao tratamento, podendo intensificar os efeitos colaterais. Além dos impactos físicos, as consequências emocionais são severas, gerando tristeza profunda, desespero e desamparo. “Quem vai me levar ao hospital, ajudar a ir às consultas e se responsabilizar por mim numa internação, se for necessário? Sempre precisa ter um caminhar junto”, salienta Caleffi, sobre a necessidade de suporte contínuo. As pacientes frequentemente enfrentam crises de depressão, ansiedade e insônia, além de uma acentuada redução da autoestima. Esses fatores, de acordo com a psiquiatra, podem minar o ânimo das pacientes e levá-las a interromper o tratamento.
“Para que eu vou fazer todo esse tratamento se eu sou uma pessoa com quem não vale a pena ficar junto? Estou doente, com câncer, vou ficar mutilada [se houver indicação cirúrgica] e quem está ao meu lado, que deveria me admirar e apoiar, acha que não vale a pena. A paciente pode ter este tipo de questionamento”, explica Caleffi, destacando o questionamento interno que pode surgir. Para combater esse cenário, a médica reforça a importância da proatividade dos entes queridos. Gestos simples como levar um lanche ou oferecer companhia são mais eficazes do que frases genéricas de apoio. Ela alerta ainda para a necessidade de identificar sintomas de depressão, que é uma condição que precisa de tratamento específico, e não uma reação “normal” ao diagnóstico de câncer. Conversar abertamente pode abrir a porta para a busca de ajuda profissional. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) oferece informações valiosas sobre o apoio psicológico durante o tratamento, reiterando que cuidar da saúde mental é parte essencial da recuperação de mulheres abandonadas no tratamento de câncer de mama. Você pode encontrar mais informações sobre suporte e programas em Inca – Câncer de Mama.
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A superação do abandono de parceiros no diagnóstico de câncer de mama, evidenciada pelas histórias de Janaína e Fernanda, reforça a capacidade humana de resiliência e a vital importância de redes de apoio fortes. A jornada de recuperação é multifacetada e abrange o tratamento médico, o bem-estar psicológico e a reconstrução das relações sociais. Para mais notícias e análises sobre questões sociais e de saúde, continue acompanhando a editoria de Cidades em nosso portal.
Crédito da imagem: Marlene Bergamo/Folhapress


