TÍTULO: MPMS investiga pulverização de agrotóxicos em terra indígena
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META DESCRIÇÃO: O MPMS instaurou inquérito para apurar denúncias de pulverização de agrotóxicos na Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS), após retomada por Guarani e Kaiowá.
A situação da pulverização de agrotóxicos em terras indígenas de Mato Grosso do Sul, especialmente na Terra Indígena Guyraroká, no município de Caarapó (MS), está sob intensa investigação. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) instaurou um inquérito para apurar denúncias relativas à aplicação irregular de defensivos agrícolas na região, prática que tem impactado diretamente a vida da comunidade Guarani e Kaiowá.
Esta ação do MPMS surge após a retomada de uma área de fazenda pelos povos Guarani e Kaiowá, ocorrida em 25 de setembro. A localidade, denominada Fazenda Iputiã, foi ocupada pelos indígenas com a clara reivindicação do fim imediato da pulverização de agrotóxicos nas proximidades e, paralelamente, o avanço da demarcação de suas terras, um processo que se encontra estagnado há mais de uma década.
MPMS investiga pulverização de agrotóxicos em terra indígena
Como parte integrante do processo de apuração, o MPMS remeteu ofícios a diversas instituições para solicitar verificações detalhadas. Entre os órgãos requisitados estão a Polícia Militar Ambiental (PMA), a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Todos foram incumbidos de inspecionar a possível ocorrência de ilegalidades na aplicação dos agrotóxicos na área.
Adicionalmente, a Câmara Municipal de Caarapó foi instada a fornecer informações pertinentes sobre a existência de qualquer legislação municipal específica que regulamente ou restrinja a pulverização aérea de defensivos agrícolas. A iniciativa do Ministério Público estadual enfatiza a gravidade com que as denúncias sobre o impacto dos produtos químicos na saúde e na vida das comunidades indígenas estão sendo abordadas pelas autoridades.
A dramática situação enfrentada pelos indígenas foi registrada em um vídeo na última quinta-feira, datada de 25 de setembro, feito no próprio local da retomada. Nele, uma mulher indígena compartilha um relato pungente sobre a difícil realidade dos ocupantes da fazenda. Em sua fala, posteriormente traduzida por Simão Guarani e Kaiowá, a indígena descreve a destruição de seus pertences pela queima, além de mencionar membros da comunidade que passaram mal. Ela ainda detalha que uma mulher grávida desmaiou após ser atingida por um disparo, lamentando a ausência de apoio do Serviço de Atendimento à Saúde Indígena (Sesai) na ocasião.
“É por nossa terra que estamos passando por isso. Estamos cansados de esperar, já reclamamos tanto, chegamos até na ONU e ninguém resolveu”, desabafa a indígena no vídeo, gravado em Guarani. Ela sublinha a luta incessante da comunidade pela posse de sua terra ancestral e pelo reconhecimento de seu povo, clamando publicamente pela demarcação territorial como um passo essencial para a justiça e a garantia de sua existência.
Diante da gravidade do contexto, organizações como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foram mobilizadas. Conforme dados divulgados pelo conselho, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi oficialmente acionada. Os povos indígenas depositam esperança de que a corte internacional intervenha para acelerar os trâmites judiciais referentes à demarcação da Terra Indígena Guyraroká, vendo essa intervenção como a única via capaz de assegurar, de maneira definitiva, a sobrevivência física e cultural de sua comunidade.
A reportagem original, veiculada pelo g1, informou que, até a sua última atualização, não conseguiu localizar os contatos da administração da Fazenda Iputiã. Da mesma forma, não obteve retorno da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para coletar posicionamentos oficiais acerca do caso em questão.
Histórico de conflito e busca por demarcação
O cenário de conflito fundiário e os sérios problemas decorrentes da pulverização de agrotóxicos em comunidades indígenas na região possuem um histórico longo e bastante intrincado. Em 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um influente órgão pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA), emitiu uma medida protetiva que permanece ativa até os dias atuais. Essa medida impõe ao Estado brasileiro a responsabilidade de implementar ações efetivas para resguardar o direito à vida e à integridade pessoal dos povos Guarani e Kaiowá da comunidade Guyraroká.

Imagem: g1.globo.com
Naquela época, a corte internacional havia chegado à conclusão de que os povos indígenas enfrentavam um risco iminente, decorrente de constantes ameaças, abusos e atos de violência que teriam sido perpetrados por fazendeiros, no âmbito de uma persistente controvérsia sobre a propriedade de terras.
O processo de demarcação territorial da Terra Indígena Guyraroká, uma batalha pela sobrevivência cultural, também tem sido uma saga prolongada. Documentos e relatos da Comissão Internacional apontam que, já no ano de 2009, o governo brasileiro havia reconhecido as terras onde a fazenda Iputiã está situada como de direito inalienável dos povos indígenas. Contudo, em uma decisão surpreendente no ano de 2016, essa determinação foi revertida, e, desde então, o processo de demarcação aguarda análise no Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde o ano de 1999, os Guarani e Kaiowá mantêm sua busca incansável pela retomada e demarcação de sua terra ancestral. Conforme minuciosamente documentado, entre os severos problemas enfrentados pelos indígenas, sobressai o uso indiscriminado de agrotóxicos, que são lançados não apenas sobre as plantações nas adjacências, mas que, alarmantemente, atingem casas, escolas e postos de saúde da comunidade, expondo todos a riscos gravíssimos.
Matias Benno, coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, salientou uma contradição flagrante: embora a Terra Indígena Guyraroká tenha sido oficialmente declarada e abranja uma extensão de 11 mil hectares, aproximadamente 200 indígenas vivem, atualmente, em uma área exígua de apenas 50 hectares. Esse pequeno espaço é configurado como um acampamento provisório, completamente desprovido das condições mínimas de dignidade e segurança para a população.
Um estudo alarmante, publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), conduziu uma análise detalhada da qualidade da água na área de retomada de Guyraroká. A pesquisa identificou a presença de mais de 20 diferentes substâncias agrotóxicas, as quais, segundo os resultados da publicação, “causam efeitos graves à saúde”. É importante notar que, de maneira chocante, 68% dessas substâncias são banidas em países da União Europeia, fato que sublinha a grave e preocupante realidade ambiental e sanitária enfrentada pela comunidade Guarani e Kaiowá.
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A investigação instaurada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul em relação à pulverização de agrotóxicos na Terra Indígena Guyraroká reforça a urgência em abordar as cruciais questões de demarcação territorial e saúde pública enfrentadas pelos povos Guarani e Kaiowá. Este cenário complexo, que se desenrola entre disputas históricas por terra e graves preocupações ambientais e sociais, demanda a atenção contínua e incisiva das autoridades competentes e da sociedade civil. Para aprofundar a compreensão sobre os desafios políticos e sociais que envolvem as comunidades tradicionais no Brasil, continue acompanhando nossa editoria de Política e as últimas análises e desdobramentos sobre a proteção de direitos no país.
Crédito da imagem: Divulgação/Cimi
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