A atuação do Ministério Público do Paraná (MPPR) ganhou destaque na última quarta-feira, 24 de abril, ao protocolar uma representação fundamental junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O objetivo central da iniciativa é exigir que a ANPD realize uma minuciosa investigação sobre a legalidade do processo de privatização da Celepar, questionando se a medida proposta pelo Governo do Paraná se alinha estritamente com as normativas legais vigentes, em especial a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A Celepar, Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná, instituída em 1964, é uma entidade estratégica para o estado, empregando atualmente 980 servidores dedicados à gestão e segurança de um vasto acervo de dados dos cidadãos paranaenses. Esse banco de informações inclui registros sensíveis de diversas esferas, como históricos educacionais, prontuários médicos, dados de infrações de trânsito e comprovantes de pagamentos de impostos, o que sublinha a importância crítica de sua operação para a segurança e a privacidade da população.
MP solicita investigação sobre privatização da Celepar no PR
O processo de desestatização da companhia foi chancelado em novembro pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), com os deputados aprovando a proposta enviada pelo Poder Executivo estadual. Entretanto, o trâmite da venda da Celepar tem sido marcado pelo sigilo, aspecto que tem gerado significativa controvérsia. Membros da oposição parlamentar demandaram do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) a publicização integral do processo, pedido este que, até o momento da redação original, aguardava análise do órgão.
O documento emitido pelo Ministério Público, com a assinatura da Promotora de Justiça Cláudia Cristina Rodrigues Martins Maddalozzo, levanta sérias preocupações acerca da alteração do controle acionário da Celepar. A representação aponta que a privatização resultaria na perda do Estado do Paraná como acionista controlador, com a consequente transferência da gestão dos dados para a esfera privada. Um ponto crucial destacado pela promotora é que a Lei Geral de Proteção de Dados, conforme sua redação atual, não contempla nenhuma exceção que permita a entidades privadas gerir dados relacionados à segurança pública, defesa nacional, segurança nacional ou informações cruciais para atividades de investigação e repressão de ilícitos penais.
Diante dessas considerações, o Governo do Paraná divulgou que, para endereçar as exigências legais e evitar infringir a LGPD, a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP) manterá a operação direta sobre uma parcela desses dados essenciais. O intuito seria limitar o acesso da futura empresa privada apenas a uma fatia predefinida dos bancos de dados, mitigando os riscos associados ao tratamento de informações altamente sensíveis. Contudo, a efetividade dessa estratégia para resguardar a integralidade dos dados em todas as circunstâncias é uma das questões levantadas pela promotoria.
Além das proibições expressas da LGPD, a Promotora Maddalozzo também questionou, no documento encaminhado à ANPD, a completa ausência de um mecanismo de consentimento dos cidadãos paranaenses diante de uma alteração tão substancial na gestão de suas informações pessoais. “Não há qualquer disciplina, por exemplo, sobre a eventual necessidade de novo consentimento por parte dos titulares, diante da mudança do operador de tratamento que deixaria de ser o Estado do Paraná, ente público, e passaria a ser uma entidade privada, com interesses e responsabilidades distintas,” destaca um trecho da representação.
A promotora aprofunda o debate ao indagar a praticidade e a legalidade da coleta desse consentimento em um universo que engloba virtualmente toda a população do Paraná. Questiona-se, com base na LGPD, se seria jurídica e eticamente admissível presumir tal consentimento ou realizar a transferência dos dados sem a manifestação explícita e inequívoca de cada titular. Essa é uma ponderação fundamental, que toca no cerne dos direitos individuais de privacidade e proteção de dados em um contexto de desestatização.
A representação do Ministério Público enfatiza a urgência de uma intervenção da Autoridade Nacional de Proteção de Dados no processo. A necessidade de atuação imediata é justificada pela “omissão legislativa sobre essas questões fundamentais, aliada à ausência de posicionamento técnico da ANPD” em face de um evento de tamanha envergadura e complexidade. O MP sugere que a ANPD realize uma análise prévia aprofundada dos riscos e impactos que a operação de privatização da Celepar poderá acarretar. Alternativamente, propõe a adoção de medidas corretivas e preventivas que visem a “preservação do interesse público e à efetividade da legislação de proteção de dados”, sublinhando o papel regulador e fiscalizador da autoridade nacional em garantir os direitos dos cidadãos.
Em resposta às indagações e preocupações levantadas, o Governo do Paraná comunicou, por meio de nota oficial, estar totalmente à disposição tanto do Ministério Público quanto da Autoridade Nacional de Proteção de Dados para “esclarecer qualquer ruído” que possa surgir no processo. O executivo estadual salientou que promotores acompanham o processo de desestatização desde suas fases iniciais no estado e que, em consulta anterior, a própria ANPD já teria afirmado a inexistência de investigações pendentes relacionadas a essa tramitação específica da Celepar. Reforçando a transparência e a conformidade do processo, o governo paranaense frisou que, além do MP, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) também monitora de perto todas as etapas da privatização.
O posicionamento detalhado do governo reafirmou a adequação à LGPD, ressaltando que a lei proíbe empresas privadas de tratar a totalidade de dados pessoais voltados exclusivamente para segurança pública. Para tal, a SESP manterá a operação direta de sistemas críticos, assegurando que a Celepar, sob nova gestão, acesse apenas uma parcela predefinida e menos sensível dos dados. A desestatização é regida pela Lei nº 22.188/2024 e visa a modernização tecnológica, serviços digitais mais ágeis, econômicos e menos burocráticos. A meta é posicionar a Celepar como a “maior govtech da América Latina,” com a expectativa de um leilão na B3 ainda este ano. O governo garante que a segurança dos dados paranaenses é premissa, e que a mudança no controle acionário não altera as regras de proteção, pois o Estado permanecerá como controlador das informações, cabendo à empresa atuar como operadora, conforme a LGPD.
No início de setembro do ano anterior, um acontecimento de relevância impactou o avanço da privatização: o Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Paraná determinou a suspensão liminar do processo. Essa decisão adveio de uma representação apresentada pela Quarta Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR, a qual identificou diversas “fragilidades” que, na avaliação do órgão, “poderiam expor o Estado a riscos financeiros e de continuidade da consecução das políticas públicas” essenciais à população. A documentação do TCE também apontou uma carência de estudos e de ações mínimas para a mitigação dos riscos inerentes à eventual saída do Estado do controle da Celepar, notadamente no que diz respeito às competências, atribuições e conhecimentos técnicos considerados cruciais para o funcionamento do Governo do Paraná e que, atualmente, estão fortemente concentrados na companhia.
A análise do TCE apontou ainda a existência de riscos econômicos na privatização. Ao suspender provisoriamente o processo, o órgão estabeleceu que o Governo do Paraná elaborasse estudos aprofundados sobre os potenciais riscos e os benefícios que a desestatização poderia acarretar. Além disso, foi imposto o requisito de que toda a documentação pertinente ao processo de venda fosse encaminhada ao Tribunal com antecedência mínima de três meses antes da abertura de qualquer edital de comercialização da empresa. É importante ressaltar que a natureza da decisão foi liminar, indicando seu caráter temporário e sujeito a revisão conforme o desenvolvimento das análises e cumprimento das exigências.
A Celepar é, portanto, o epicentro de uma complexa teia de informações sensíveis, envolvendo os dados mais íntimos dos cidadãos paranaenses. O projeto de lei que outorgou a permissão para a sua privatização foi apreciado e votado em regime de urgência pelos deputados estaduais, concluindo sua tramitação legislativa em um período remarkably rápido de apenas nove dias corridos. Na ocasião em que o projeto foi enviado à Alep, os representantes da oposição solicitaram um pedido de vista – um prazo adicional para análise – e teceram fortes críticas à tramitação acelerada, alegando que o curto espaço de tempo inviabilizava um debate substancioso e aprofundado sobre um tema de tal magnitude.
Adicionalmente, o regime de sigilo que envolve o processo de venda tem sido um dos principais focos de objeção por parte do grupo de parlamentares contrários à privatização, que protocolaram formalmente um pedido de quebra de sigilo. A argumentação dos parlamentares se alinha à defesa de que somente documentos que de fato apresentem um risco concreto à segurança da população ou a sistemas estratégicos deveriam permanecer sob sigilo, ao passo que todo o processo da desestatização deveria ser de conhecimento público. Arilson Chiorato (PT), líder da oposição na Alep, sumariza a posição do grupo ao afirmar: “Estamos falando de uma empresa estratégica, que administra informações de saúde, de segurança, de educação e de servidores públicos. Nós somos contra a venda da Celepar, porque ameaça a soberania digital e o direito à privacidade da população.”
O desdobramento desse caso evidencia o embate entre os interesses de modernização da gestão pública e a salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos na era digital, reforçando a importância da vigilância de órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas para garantir a conformidade legal e a proteção de dados em processos de desestatização de empresas com relevância estratégica para a segurança digital e privacidade pública. A continuidade da fiscalização pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), como solicitado pelo MP, será crucial para determinar os rumos dessa complexa operação. Para aprofundar seu conhecimento sobre o papel da ANPD na defesa dos direitos de privacidade e como a **Lei Geral de Proteção de Dados** baliza as discussões de proteção de dados no país, você pode consultar informações detalhadas em fontes como o site oficial da própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
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A privatização da Celepar permanece como um ponto sensível no cenário político e administrativo do Paraná, com os debates sobre a legalidade, transparência e as implicações para a proteção de dados dos cidadãos em plena efervescência. Acompanhe a nossa editoria de Política para se manter atualizado sobre este e outros temas relevantes no panorama estadual e nacional.
Crédito da imagem: Foto: José Fernando Ogura/Arquivo AEN
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