O Ministério Público (MP) denunciou um advogado por desacato após um incidente em que o profissional solicitou “decência” a um juiz durante uma audiência de instrução. O episódio ocorreu em abril, durante um processo criminal na 1ª Vara de Justiça de Igrejinha, Região Metropolitana de Porto Alegre. A denúncia foi oficializada perante a Justiça no dia 18 de outubro.
O advogado em questão é José Paulo Schneider dos Santos, que atua na defesa de Gisele Beatriz Dias, de 43 anos. Gisele é ré no processo que investiga a morte de suas filhas gêmeas, falecidas com oito dias de intervalo uma da outra, e irá a tribunal do júri.
MP denuncia advogado por desacato a juiz em Igrejinha
A tensão na audiência se intensificou quando Schneider foi repetidamente interrompido enquanto inquiria o delegado responsável pela investigação. Diante das interrupções, o advogado manifestou que o juiz Diogo Bononi Freitas não possuía “condições morais, éticas, profissionais e decência para conduzir o processo”, conforme consta na transcrição do episódio. Durante a inquirição, Schneider questionava a preocupação do delegado com as crianças e a questão psicológica de sua cliente, a mãe das gêmeas.
Em um dos momentos de discordância, o magistrado indeferiu uma pergunta, alegando que já havia sido feita. O advogado contestou, afirmando que a questão não estava repetida e que tudo estava sendo gravado. Às 11h34 daquela sessão, Schneider formalizou mais uma “arguição de suspeição”, apontando que o juiz não havia analisado um pedido seu anterior, mas respondeu a um pedido do delegado, sugerindo parcialidade e impedimento para que ele desempenhasse plenamente sua função.
O debate prosseguiu, e o advogado mencionou a comunicação de um ofício e a celeridade com que o juiz respondeu ao delegado em comparação à demora em suas solicitações. Foi nesse contexto que ele proferiu: “Tenha ao menos decência ao conduzir um processo criminal.” Em resposta, o juiz orientou que fosse constituído em ata o envio de um ofício à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a conduta do advogado. Schneider, por sua vez, solicitou que os abusos cometidos fossem oficiados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Corregedoria, acrescentando que o magistrado “não gosta de ser contrariado” e deveria “trabalhar com decência” se não quisesse ouvir objeções. Quando perguntado pelo juiz se estava sendo chamado de indecente, o advogado confirmou. Ele complementou que não responderia por injúria ou difamação e reiterou que o magistrado estava conduzindo a audiência “indecentemente”.
A sessão encerrou com o magistrado acionando a OAB para investigar o comportamento do advogado e encaminhando o caso à Polícia Civil, cuja apuração culminou na denúncia do MP. Em agosto deste ano, o Ministério Público propôs uma transação penal pelo crime de desacato, sugerindo o pagamento de R$ 4 mil para arquivamento do processo. Contudo, a proposta foi recusada pelo advogado José Paulo Schneider dos Santos. Com a recusa, o MP agora solicita a suspensão condicional do processo, que implicaria no pagamento de um salário mínimo e no comparecimento mensal do advogado ao fórum.
Advogado José Paulo Schneider se pronuncia
Por meio de nota, o advogado Schneider esclareceu sua perspectiva sobre o ocorrido. Ele afirmou que suas “condutas e ações foram realizadas durante a defesa da minha cliente e no exercício da minha profissão, não tendo qualquer conotação ou objetivo de atacar ou desacatar o magistrado”. Conforme o profissional, sua reação foi “combativa e proporcional às violações ocorridas durante todo o processo”. Ele reforçou que o pedido de decência está amparado pela legislação, que diferencia ofensas em juízo, no âmbito da discussão da causa, de injúria ou difamação, desde que feitas por advogado.

Imagem: g1.globo.com
Schneider explicou que o pedido se referia à decência processual na condução do processo, sem intenção de ofender moral ou profissionalmente o juiz, embora tenha expressado “sinceras escusas” caso o magistrado tenha se sentido ofendido. O advogado mencionou que sua defesa no caso é realizada pro bono e se trata de um cenário de alta sensibilidade e complexidade, envolvendo uma mulher acusada da morte de suas duas filhas e que, antes dos falecimentos, teria tentado suicídio. Para ele, a situação se agravou após ele ousar denunciar uma suposta tortura que sua cliente teria sofrido no dia de sua prisão, quando policiais penais não identificados teriam agredido-a e causado um ferimento em um dente. Essa denúncia, feita em audiência e à imprensa, teria transformado sua defesa em um desafio.
Além disso, o advogado apontou que o mesmo magistrado, agora visto como vítima, havia determinado, de ofício, a abertura de um processo correcional contra ele por suposta perda de prazo para apresentar resposta à acusação, o que, segundo Schneider, não ocorreu. Ele apresentou provas nos autos de que cumpriu o prazo para a defesa prévia. O profissional vê tais atos como elementos de “decência processual” e questiona a abertura de investigação disciplinar por um prazo não perdido. A transparência na conduta processual é um pilar essencial para a garantia da ampla defesa e para evitar o que se configura como abuso de poder dentro do sistema judiciário. Para mais informações sobre a ética profissional e as responsabilidades dos advogados, o site da Ordem dos Advogados do Brasil oferece detalhes.
O advogado finaliza sua nota afirmando receber essa tentativa de criminalização de sua atuação “com a serenidade de alguém que atua dentro dos limites da ética e técnica processual”, e que “jamais irá se curvar ou acovardar diante abusos de poder e de violações aos direitos fundamentais”. Para ele, uma defesa criminal eficaz não pode ser feita com medo de represálias.
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A denúncia do Ministério Público e as subsequentes manifestações do advogado José Paulo Schneider dos Santos acendem um debate importante sobre os limites da retórica em audiências, a paridade de armas no processo penal e a condução da justiça. Continue acompanhando as atualizações sobre este e outros casos relevantes em nossa editoria de Cidades.
Foto: Arquivo pessoal




