O cenário jurídico internacional e, em especial, o brasileiro, lamenta a perda de um de seus mais influentes pensadores: o jurista alemão Peter Häberle, falecido na última segunda-feira, dia 6 de maio, aos 91 anos. Häberle deixou um legado de profundo impacto na doutrina constitucional, sendo uma referência notável para o direito nacional, em grande parte difundido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Considerado um pensador revolucionário na área do direito constitucional, Peter Häberle propôs uma nova abordagem para a interpretação da Carta Magna. Sua teoria desafia a visão tradicional e restritiva, que se limita ao texto escrito, e advoga por uma compreensão ampliada que incorpora ativamente a participação da sociedade no processo interpretativo.
Morre Jurista Alemão Peter Häberle, Influente no Direito Brasileiro
Em linha com sua filosofia, o professor Häberle defendia que aqueles que vivenciam a Constituição são, de fato, seus autênticos intérpretes, conforme relatado por Gilmar Mendes à Folha de S.Paulo. O ministro do STF caracterizou o falecido como um “jurista de alcance universal” cuja influência marcou profundamente o desenvolvimento do processo constitucional no Brasil. Esta perspectiva de uma Constituição viva e dialogada, em constante construção pela comunidade, redefiniu paradigmas e impulsionou o avanço de discussões jurídicas contemporâneas.
Nascido em 1934, Peter Häberle construiu sua formação acadêmica em renomadas instituições na Alemanha, como as universidades de Tübingen, Bonn e Freiburg, e também em Montpellier, na França. Sua trajetória culminou em 1961 com a defesa de seu doutorado, cuja dissertação gerou significativa repercussão nos círculos do direito constitucional, solidificando sua posição como uma mente à frente de seu tempo.
As inovações teóricas e a clareza de suas posições angariaram-lhe reconhecimento global, com especial aceitação na América Latina. Diversas de suas obras foram traduzidas para 18 idiomas, permitindo que sua visão alcançasse um público vasto e diversificado. Entre os trabalhos que ganharam projeção no Brasil está “Hermenêutica Constitucional: a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição”, vertida para o português pelo próprio Gilmar Mendes na década de 1990.
Por meio de suas redes sociais, o ministro Gilmar Mendes prestou uma homenagem emotiva, reiterando o impacto duradouro da obra de Häberle. “O legado de Peter Häberle transcende fronteiras e gerações. Sua reflexão humanista e plural seguirá iluminando o caminho daqueles que veem na Constituição não um texto fechado, mas uma obra viva, comprometida com a dignidade humana, a paz e a cooperação entre os povos”, escreveu Mendes.
O advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ingo Sarlet, complementa a visão sobre o legado de Häberle, ressaltando sua contribuição para a concepção de uma nova dimensão para os direitos fundamentais. Esta dimensão está diretamente ligada à ideia de uma cidadania processual ativa e, em sentido mais amplo, de uma comunidade genuinamente aberta dos intérpretes constitucionais, que inclui não apenas os membros do Judiciário, mas toda a sociedade civil.
Sarlet enfatiza que a interpretação da Constituição não é um monopólio exclusivo dos juízes. Na realidade, ele descreve esse processo como uma dinâmica coletiva, que envolve a participação ativa de múltiplos atores sociais e diversos setores da sociedade. Para ele, essa “ideia de um constitucionalismo”, que enxerga a Constituição como um “processo cultural”, possui uma importância imensa, por fundamentar uma perspectiva multidimensional da própria dignidade da pessoa humana.
A influência concreta do pensamento de Peter Häberle no Brasil pode ser observada em diversas práticas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal. Destacam-se, por exemplo, a crescente frequência das audiências públicas promovidas pela Corte e a consolidação do conceito de amicus curiae, que permite a terceiros interessados ingressar nos processos para fornecer subsídios informativos e especializados aos julgamentos. Essas iniciativas são manifestações diretas da “sociedade aberta dos intérpretes” idealizada por Häberle, que amplia o diálogo e a pluralidade no sistema de justiça.
Paulo Sávio Maia, coordenador-executivo do Centro Hans Kelsen do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e membro do Centro de Estudos Constitucionais do STF, reforça que, sob a lente de Häberle, é possível conceber que elementos como hinos, bandeiras e até mesmo preâmbulos constitucionais podem ser compreendidos como fontes válidas de normatividade jurídica.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
“É preciso olhar para dentro, não para a física ou para o céu. É preciso olhar aqui para a terra e ver que essa Constituição é um produto cultural de uma República que se organiza democraticamente e que tem como protagonistas os cidadãos”, afirmou Maia, salientando a importância de reconhecer a Constituição como um documento que emana e representa o povo.
Maia acrescenta que a teoria de Häberle oferece uma valiosa ferramenta no combate ao populismo. Ao defender que os cidadãos devem ser os verdadeiros protagonistas do texto constitucional, o pensamento do jurista aponta para a inclusão, permitindo que a população se veja e se sinta representada na Constituição. Esta conexão gera um senso de pertencimento e impede que discursos simplistas e excludentes ganhem tração.
“A Constituição é plural e precisa ser plural, uma Constituição democrática. E ser plural significa que ela precisa continuar democrática. Para isso, os cidadãos precisam se enxergar nela”, contextualiza Maia, reafirmando que a pluralidade é essencial para a vitalidade democrática e para a perenidade dos ideais republicanos.
Paulo Sávio Maia, que foi o organizador de uma obra sobre as teses de Häberle, observa que nações onde a população se sentiu negligenciada, com sua dignidade ferida e com acesso limitado a serviços essenciais, se mostraram mais suscetíveis a apelos nacionalistas, a mensagens excludentes e a discursos carregados de ódio. O papel da Constituição, sob a ótica häberleana, é o de um instrumento de inclusão e de garantia de participação.
Uma Constituição aberta, de acordo com essa visão, concebe os cidadãos como ponto de partida, meio e finalidade do país, como os próprios criadores e destinatários dessa lei maior, impondo a obrigação de considerá-los adequadamente em todo o processo. Maia conclui que a população torna-se imune ao canto sedutor e perigoso do populismo quando efetivamente se sente parte e protagonista desse tecido constitucional.
Confira também: crédito imobiliário
A partida de Peter Häberle deixa uma lacuna no pensamento jurídico global, mas seu vasto e humanista legado continua a inspirar. Seu olhar para a Constituição como uma obra em constante evolução e diálogo com a sociedade fortalece as bases democráticas e convida à participação ativa. Para se aprofundar em mais análises e notícias relevantes do cenário político e jurídico, continue acompanhando nossa editoria de Política e as últimas discussões que moldam o Brasil.
Crédito da imagem: Gilmar Mendes no X
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados