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Moradia Estratégica na COP30: Anacláudia Rossbach e ONU-Habitat

A discussão sobre moradia na COP30, que ocorrerá em Belém (PA), será uma questão de relevância estratégica, conforme declara Anacláudia Rossbach, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). A brasileira, à frente de uma das agências mais importantes da ONU na pauta urbana global, enfatiza o papel crucial das cidades diante […]

A discussão sobre moradia na COP30, que ocorrerá em Belém (PA), será uma questão de relevância estratégica, conforme declara Anacláudia Rossbach, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). A brasileira, à frente de uma das agências mais importantes da ONU na pauta urbana global, enfatiza o papel crucial das cidades diante dos crescentes desafios impostos pelas mudanças climáticas.

Sua perspectiva sobre a vulnerabilidade dos centros urbanos foi forjada ainda na infância. No final da década de 1970, com apenas oito anos, Rossbach presenciou uma das maiores enchentes do rio Paraguai, que submergeu Porto Murtinho, sua cidade natal, no Mato Grosso do Sul. Liderando a evacuação da comunidade, seu pai, um militar, supervisionou um momento que marcou profundamente a então criança. “Fiquei impressionada de entrar de barco na minha casa, para buscar coisas”, relembrou, destacando a perda de bens materiais e o impacto sobre pessoas de diversos segmentos sociais que, como ela, enfrentaram a necessidade de abrigos improvisados, evidenciando a fragilidade humana frente à natureza.

Moradia Estratégica na COP30: Anacláudia Rossbach e ONU-Habitat

Após uma jornada profissional dedicada integralmente aos complexos problemas habitacionais, Anacláudia Rossbach, economista por formação, alcançou há um ano o cargo de diretora-executiva da ONU-Habitat. Em sua nova função, a principal missão da executiva é instrumentalizar e preparar cidades ao redor do mundo para enfrentar e mitigar as adversidades provocadas pelas alterações climáticas. Seu profundo conhecimento da realidade urbana global a posiciona como uma voz essencial nos fóruns internacionais, como a conferência em Belém.

Durante a COP30, agendada para novembro, Rossbach apresentará o ambicioso Plano Estratégico da ONU-Habitat, com projeções e ações definidas até 2029. Este documento, fruto de extensa pesquisa e colaboração global, visa consolidar um leque de soluções para a grave crise habitacional mundial. Relatórios recentes da entidade revelam uma estatística alarmante: cerca de 2,8 bilhões de indivíduos não possuem habitação adequada, e, dentro desse grupo, aproximadamente 1,1 bilhão residem em favelas ou assentamentos informais, ressaltando a urgência das intervenções propostas pelo plano.

A importância da cúpula climática no Brasil é sublinhada pela diretora. “A COP no Brasil é muito estratégica”, ela explica, antecipando que as metrópoles exercerão um papel cada vez mais central nas discussões climáticas. A justificativa é direta: o adensamento populacional em áreas urbanas. Atualmente, mais da metade da população global reside em cidades, uma proporção que se projeta alcançar 70% até 2050, o que equivale a mais de 1 bilhão de novas pessoas buscando abrigo e sustento nos espaços urbanos. As diretrizes estratégicas da ONU-Habitat são fundamentais para navegar este cenário.

Este crescimento exponencial, observa Rossbach, concentrar-se-á predominantemente na África e no Sudeste Asiático. A partir de Nairóbi, onde o ONU-Habitat, uma das duas únicas agências das Nações Unidas sediadas no “Sul Global”, tem sua sede, a diretora-executiva testemunha em tempo real as implicações desse êxodo rural em grande escala, que muitas vezes deságua em cidades despreparadas para a chegada maciça de novos moradores.

Essa realidade global guarda semelhanças com o panorama brasileiro de décadas passadas, quando o país enfrentou desafios consideráveis para absorver e acolher novos habitantes urbanos. À época, o planejamento urbano careceu de alocação de espaços adequados e da concepção de mecanismos financeiros eficazes para a aquisição de moradias dignas, gerando passivos sociais e infraestruturais que ainda hoje são observados.

Entretanto, Rossbach ressalta que, no presente, o Brasil se tornou um modelo exemplar no que concerne ao acesso à propriedade. Iniciativas como o programa Minha Casa Minha Vida são citadas como referências. Curiosamente, a própria economista, atuando como consultora para o Banco Mundial por mais de uma década, desempenhou um papel significativo na formulação e no desenho de algumas dessas políticas públicas habitacionais que hoje servem de inspiração.

Conforme o Plano Estratégico da ONU-Habitat, a ampliação do acesso à moradia de qualidade reverberaria positivamente em diversas esferas sociais. Não apenas contribuiria para a erradicação da pobreza extrema, mas também fortaleceria a capacidade de resposta global aos complexos desafios ambientais e climáticos. Além disso, a melhoria habitacional seria vital para preparar as cidades para reagir de forma mais resiliente a futuras crises humanitárias, como desastres naturais ou pandemias. A relevância deste tema será explorada em profundidade no Fórum Urbano Mundial, a ser sediado em Baku, Azerbaijão, em maio do próximo ano, representando a maior conferência global sobre urbanização sustentável.

Para assegurar a efetividade das ações propostas pela ONU-Habitat, Anacláudia Rossbach destaca a imprescindibilidade de se dispor de dados mais precisos e abrangentes. Essa convicção decorre de sua vivência na Prefeitura de São Paulo no início dos anos 2000, período em que coordenou um mapeamento detalhado das favelas paulistanas. Tal empreitada exigiu um trabalho minucioso, contando “telhado por telhado” a partir de fotografias aéreas, demonstrando a necessidade de bases informacionais sólidas para a formulação de políticas urbanas eficazes.

À frente de uma agência de projeção internacional da ONU, Rossbach demonstra aguda consciência sobre o impacto das questões de gênero na configuração dos desafios urbanos. Em Paris, durante uma aula inaugural para estudantes da Sciences Po, uma das renomadas faculdades de ciência política do mundo, ela afirmou incisivamente: “As cidades não foram planejadas por mulheres, para mulheres e com mulheres. Isso precisa mudar”.

A diretora detalha que a dinâmica feminina na utilização do espaço urbano difere significativamente da masculina. Aspectos específicos da rotina das mulheres, como a necessidade de conciliar responsabilidades de trabalho com afazeres domésticos e cuidados familiares, demandam uma abordagem distinta no planejamento urbano, influenciando, por exemplo, o desenho dos sistemas de transporte público e a distribuição da iluminação em vias públicas. “Como mulher, não me sinto confortável em andar em cidades da América Latina à noite, sozinha. Mulheres em assentamentos precários estão numa situação ainda mais vulnerável”, complementa Rossbach, ilustrando a dimensão de gênero da segurança urbana.

Diante desse cenário, Anacláudia Rossbach argumenta veementemente que as mulheres precisam assumir uma posição ativa e influente nas esferas de decisão – precisam estar “com a caneta na mão”, como ela poeticamente coloca. Ela exemplifica essa abordagem com as “manzanas del cuidado” (quadras do cuidado) de Bogotá, Colômbia. Estes espaços comunitários, estrategicamente distribuídos pela capital colombiana, oferecem às mulheres que exercem predominantemente trabalhos domésticos e de cuidado a oportunidade de estudar, praticar exercícios físicos e até mesmo realizar a lavagem de suas roupas, tudo de forma gratuita, provendo apoio social e desenvolvimento pessoal.

A capital colombiana também é reconhecida por ter adotado e popularizado o conceito de “proximidade”, um modelo de planejamento urbano que busca ofertar todos os serviços essenciais à população em distâncias curtas e acessíveis. Embora essa ideia tenha ganhado destaque sob o rótulo de “cidade de 15 minutos”, cunhado pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, Rossbach pondera sobre a rigidez de tal terminologia.

“Não é preciso ficar preso à ‘camisa de força dos 15 minutos’”, ela adverte. Para a diretora da ONU-Habitat, a essência está em explorar o “conceito de proximidade de uma maneira ampla”. Seja por meio de deslocamentos a pé, de bicicleta ou via transporte público como ônibus, o objetivo primordial não é isolar os cidadãos, mas sim garantir a acessibilidade e a disponibilidade de uma vasta gama de serviços fundamentais para a vida urbana contemporânea, promovendo comunidades mais conectadas e resilientes.

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Os desafios da habitação urbana na COP30 em Belém e a liderança de Anacláudia Rossbach na ONU-Habitat ilustram a urgência de repensar nossas cidades para um futuro mais sustentável e equitativo. Continue acompanhando o portal Hora de Começar, editoria Cidades, para mais análises e notícias sobre planejamento urbano e desenvolvimento sustentável.

Crédito da imagem: Anacláudia Rossbach, diretora-executiva da ONU-Habitat, durante evento na sede das Nações Unidas em Nairobi, Quênia – Peter Ndolo – 28.mai.25/Divulgação/ONU-Habitat

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