O renomado escritor brasileiro Milton Hatoum expressa a percepção de que o Nobel de Literatura frequentemente encara o Brasil com indiferença ou sob uma perspectiva exotizada. Essa observação foi feita durante discussões sobre a conclusão de sua mais recente trilogia e o lançamento do livro “Dança de Enganos”. O autor, de 73 anos e natural de Manaus, reconhecido pela crítica e recentemente eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), partilha uma visão crítica sobre os critérios e o histórico de premiação da Academia Sueca.
Há quase duas décadas, Milton Hatoum tem dedicado-se à complexa trilogia “O Lugar Mais Sombrio”, cujo desfecho aguardado, “Dança de Enganos”, promete manter a ambiguidade característica de sua obra. Os leitores, familiarizados com os enigmas apresentados em “A Noite da Espera” e “Pontos de Fuga”, publicados há oito e seis anos, respectivamente, sabem que respostas lineares não são o forte do autor, que prefere manter seus enredos em um “território ambíguo, como areia movediça”.
Milton Hatoum: Nobel Enxerga Brasil com Indiferença
No novo volume, a trama foca na figura de Lina, mãe do protagonista Martim, que havia desaparecido após se separar do pai rigoroso do garoto, uma figura ligada à ditadura. Inicialmente, há uma suposição de que Lina estaria imersa em uma espécie de suspense político na clandestinidade. Contudo, Hatoum revela que esta percepção, como o título sugere, é um “engano”, subvertendo as expectativas. Sua abordagem narrativa prioriza a exploração de questões não resolvidas, técnica já evidenciada em obras como “Dois Irmãos”, onde a paternidade do narrador Nael permanece em aberto, permitindo múltiplas interpretações.
A Perspectiva Crítica de Hatoum Sobre o Prêmio Nobel
Questionado sobre as especulações de sua possível indicação ao Nobel de Literatura, Milton Hatoum reagiu, descrevendo a situação como “quase um pesadelo”. Ele ressaltou a importância de ver seus livros alcançarem jovens leitores e acadêmicos, o que considera uma recompensa mais significativa do que o reconhecimento de um prêmio internacional. Hatoum é convicto de que, um dia, um escritor brasileiro será laureado com o Nobel, mas pondera que a conquista depende de fatores como “lobby” e apoio do Ministério da Cultura. Crítico em relação ao histórico do prêmio, ele apontou falhas significativas da Academia Sueca, que “esnobou” grandes nomes da literatura mundial.
O autor lembrou casos emblemáticos de negligência histórica, como Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa, e Guimarães Rosa, cujas traduções foram, segundo Hatoum, falhas e impediram o devido reconhecimento. Ele ainda citou Clarice Lispector, o argentino Jorge Luis Borges e o cubano Alejo Carpentier como outros grandes autores injustamente preteridos. Para Hatoum, essa tendência evidencia que os avaliadores estrangeiros tendem a olhar para a produção literária brasileira, e latino-americana de forma mais ampla, “ou com indiferença ou com olhar exótico”. Essa análise crítica é amplamente discutida no cenário literário mundial, com diversos estudos e artigos explorando as controvérsias e vieses na seleção dos laureados, conforme pode ser conferido em publicações sobre o tema.
A Profundidade de “Dança de Enganos” e a Gênese da Trilogia
“O Lugar Mais Sombrio”, trilogia concebida desde 2007, mas sonhada por Hatoum desde os anos 1980 — período em que o próprio escritor se autoexilou na Europa, assim como seu protagonista —, reflete a sua convicção de que “para a literatura, você tem que esperar o tempo decantar, se transformar em imaginação”. O trabalho de lapidação em “Dança de Enganos” estendeu-se por seis anos após o lançamento do segundo volume, com o autor aprofundando personagens e ampliando a narrativa, que originalmente seria uma longa carta. Essa meticulosidade é uma marca do escritor, que se considera “lento por definição”, mas profundamente engajado em cada etapa criativa.
A personagem Lina, ao longo da obra, é descrita pelo autor como “uma mulher convencional” que experimentou as opressões de uma geração “violentada, massacrada, humilhada” em um ambiente patriarcal e opressivo. Hatoum explorou “a lenta conscientização do corpo, da liberação das imposições patriarcais” em Lina, oferecendo uma explicação complexa para seu afastamento do filho. A relação dela com o ex-marido agressivo e a própria complexidade de sua vida amorosa se entrelaçam com “uma força maior dentro dela, que a impede de fazer esse movimento em direção ao filho”, talvez intuindo uma “relação edipiana” ou um tabu primordial.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A Literatura Além do Óbvio: Filosofia e Legado de Hatoum
Milton Hatoum segue uma tradição de mestres como Machado de Assis, que propunham questionamentos insolúveis, como o famoso dilema sobre a traição de Capitu. Recentemente, Hatoum teve seu legado reforçado com sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, aclamado logo em sua primeira candidatura, honra que poucos escritores alcançam. Seu trabalho busca incentivar o leitor à reflexão, recusando-se a “entregar literatura mastigada” em uma busca por engajamento meramente comercial. Ele acredita que a literatura brasileira deve ter tanto autores populares, que formam leitores, quanto escritores que exploram o formal e estrutural da linguagem. O escritor salienta que o verdadeiro sentido literário surge da exploração interior, da “refração” que distorce a realidade, permitindo novas percepções. Sua perspectiva, aliás, ecoa a ideia de Borges sobre a imprevisibilidade do leitor futuro.
O lançamento oficial de “Dança de Enganos” está marcado para terça-feira, 21 de [Mês do ano de 2025, de acordo com o link original da folha, que indica outubro], às 19h, na Livraria da Tarde. O evento contará com a presença do autor e do editor Emilio Fraia. A obra estará disponível pelo preço de R$ 79,90 (versão impressa com 256 páginas) e R$ 34,90 (ebook), e é publicada pela Companhia das Letras.
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Milton Hatoum, com sua profunda reflexão sobre o Nobel, a estrutura de sua trilogia e a essência da criação literária, continua a desafiar e enriquecer o panorama da literatura brasileira. Para mais análises sobre obras e pensamentos de grandes autores, continue acompanhando nossa editoria de Análises.
Crédito da Imagem: Karime Xavier / Folhapress



