Aos 28 anos, Mia Badgyal: A Trajetória da Igreja ao Pop Underground Paulistano narra a complexa jornada de uma artista multifacetada, cuja formação musical teve início nas congregações evangélicas da Zona Leste de São Paulo. Contrapondo-se à rota mais comum, a travesti Mia desponta como um dos nomes ascendentes na cena pop da capital paulista, trilhando um caminho inverso ao buscar consolidar sua identidade sonora no universo da música eletrônica underground.
Desde a infância, o envolvimento com a música foi intrínseco à vida de Mia. As igrejas pentecostais não eram apenas locais de culto, mas também verdadeiras plataformas culturais nas periferias, oferecendo acesso a atividades como canto, teatro e dança. A artista relembra, em entrevista, que a instituição religiosa proporcionou seu primeiro contato formal com as artes. Ela chegou a se apresentar em diversas igrejas da região, o que, para muitos talentos de origem humilde, servia como o único palco disponível. “É nesse espaço que as pessoas se detêm e prestam atenção. Apesar dos desafios, a igreja frequentemente impulsiona talentos nas artes, e eu fui muito apoiada neste aspecto”, afirma Mia, enfatizando o papel vital da igreja em seu desenvolvimento inicial, onde grandes divas da música brasileira também deram seus primeiros passos.
Mia Badgyal: A Trajetória da Igreja ao Pop Underground Paulistano
A fase religiosa, no entanto, culminou em um afastamento durante a adolescência, quando Mia Badgyal iniciou um processo de autodescoberta e rompeu com os preceitos do ambiente eclesiástico. Essa ruptura, em um primeiro momento, também a distanciou da música. “Ao me descobrir na adolescência, decidi quebrar esse laço com a igreja e seguir minha vida. Para mim, naquela época, a música estava totalmente atrelada ao contexto religioso, era onde eu cantava, então a deixei de lado”, explica a artista. Esse período de distanciamento, contudo, não representou um fim para sua paixão. Em vez disso, foi uma pausa necessária que permitiu que sua expressão artística se manifestasse em novas formas e direções, libertas das amarras de sua origem religiosa. O projeto “Novas Frequências”, do G1 SP, busca dar voz a talentos emergentes como Mia, que remodelam o panorama musical da metrópole. É notável como a busca pela autonomia pessoal e artística frequentemente define as trajetórias de figuras marcantes na cultura. Um novo cenário do pop brasileiro, por exemplo, destaca como a diversidade e os sons autorais estão ganhando visibilidade, ecoando a jornada de Mia.
A redescoberta da música fora do contexto religioso levou Mia Badgyal a colaborações significativas. Sua carreira inclui parcerias com nomes expressivos como Jup do Bairro, Cyberkills e Irmãs de Pau, solidificando sua presença na cena musical alternativa. Um marco em sua trajetória foi a oportunidade de fazer a abertura do show solo de Charli XCX em São Paulo, um feito que a projetou para um público mais amplo e validou seu potencial no cenário pop. Ao longo dos anos recentes, a artista lançou dois álbuns que marcam fases distintas de sua produção criativa: “Emergência” (2023) e “Mucho Sexy” (2024). O primeiro, concebido inteiramente durante o período de isolamento da pandemia, apresenta uma sonoridade mais experimental e com fortes influências latinas, em particular do reggaeton.
Em contraste, o álbum “Mucho Sexy” (2024) reflete uma imersão completa nas experiências da vida noturna e nas pistas de dança, onde o gênero eletrônico assume o protagonismo. Mia descreve o processo criativo desses trabalhos: “O ‘Emergência’ foi um álbum que fiz praticamente todo em casa, sem viver a noite. Já o ‘Mucho Sexy’ nasceu das inúmeras festas que comecei a frequentar, dos eventos onde a própria música me transportou. Quis produzir exatamente o tipo de som que eu mesma adoro escutar. Este trabalho é perceptivelmente mais amadurecido e refinado”. A evolução de seu som evidencia uma artista em constante experimentação, buscando novas texturas e ritmos que representem sua vivência.
O produtor Fuso, colaborador essencial no mais recente trabalho de Mia, “Mucho Sexy”, compartilha detalhes sobre a concepção sonora do projeto. A inspiração para o álbum bebeu em fontes notáveis, como “Funk Generation”, e em projetos visionários como “Motomami”, da renomada artista espanhola Rosalía. A proposta central era a criação de um “universo sonoro” particular dentro do disco, que fosse caracterizado pela repetição de timbres específicos, letras que dialogam entre si e uma estética que mescla a essência minimalista do funk com elementos complexos do eletrônico. Fuso explica o processo de imersão: “Construímos um verdadeiro caldeirão de demos e ideias. É possível perceber letras que retornam em diferentes faixas e segmentos instrumentais que reaparecem. Essa visão de construir um cosmos musical próprio, repleto de referências internas, foi fortemente inspirada na abordagem de Rosalía, onde cada elemento se conecta e fortalece a narrativa artística”.
O Pop no Underground Paulistano com Mia Badgyal
Com “Mucho Sexy”, a intenção de Mia Badgyal é mais ambiciosa: permear o pop na cultura underground. Suas composições são marcadas por letras envolventes, refrões cativantes e uma batida potente, projetadas para ressoar e impulsionar as pistas de dança. A artista expressa o dilema inerente a essa proposta artística: sua música se mostra “muito pop para ser plenamente underground, e ao mesmo tempo, muito underground para ser facilmente categorizada como pop”. No entanto, essa dualidade é encarada como uma força. Mia acredita firmemente que seu som está alcançando os ouvidos e os espaços onde deveria estar, demonstrando a potência de uma produção diferenciada e um tanto arrojada. “Minha música possui uma produção peculiar, um pouco mais audaciosa. Por carregar essa vibe pop — com construção, métrica e refrões característicos do gênero —, mas ao mesmo tempo incorporando timbres mais ‘tortos’, digamos, um tanto distintos, creio que não causará um choque tão grande para quem não está totalmente familiarizado com essas sutilezas do underground”, avalia a cantora.
A perspectiva do produtor Fuso corrobora a eficácia dessa estratégia de mesclar linguagens. Ele aponta que a maneira como o álbum pop é estruturado, com uma batida que tende ao experimentalismo, facilita a livre circulação da música entre diferentes esferas. “Conseguimos manter essa essência experimental nos timbres e arranjos, sem abandonar as construções que definem o pop. Isso permite que a música transite harmoniosamente por esses dois mundos aparentemente distintos, criando pontes entre o público tradicional do pop e o da cena underground”, analisa Fuso. Tal abordagem não apenas diversifica o alcance da artista, mas também contribui para uma fusão interessante de gêneros na música paulistana.
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A jornada de Mia Badgyal exemplifica a riqueza e a capacidade de reinvenção da música brasileira, transpondo barreiras e unindo universos. Seu percurso, desde as primeiras canções em templos religiosos até o estrelato em clubes underground, ilustra a força da arte em adaptar-se e inovar, consolidando-a como uma voz única no cenário pop e eletrônico de São Paulo. Para ficar por dentro das últimas notícias sobre o cenário artístico e musical brasileiro e descobrir mais talentos emergentes, continue navegando em nossa editoria de Celebridade e explore as diversas narrativas que moldam a cultura do país.
Crédito da imagem: Divulgação/ Mateus Aguiar.


