A megaoperação policial no Rio, que transformou os complexos do Alemão e da Penha em cenários de um dos episódios mais violentos da história recente do estado, com um registro de mais de 120 mortes, ainda é permeada por questionamentos e pontos cruciais que demandam esclarecimentos. Enquanto as forças de segurança públicas enaltecem a ofensiva como um duro golpe imposto ao Comando Vermelho, familiares das vítimas e diversas entidades de direitos humanos clamam veementemente por maior transparência e a devida responsabilização.
A ação, que se desdobrou em confrontos intensos, deixou um saldo expressivo em vidas e apreensões, mas também expôs lacunas informativas significativas, conforme destacado por declarações oficiais e relatos de moradores. Este cenário complexo tem mobilizado diversas frentes de análise, desde as autoridades estaduais até observadores independentes, na busca por uma compreensão abrangente dos eventos.
Megaoperação Policial no Rio: Saldo, Dúvidas e Consequências
Até a noite de quinta-feira, o balanço oficial da Polícia confirmava um total de 121 mortes decorrentes da megaoperação, classificando-a como a mais letal da história. Destes, quatro eram policiais e 117 foram identificados como suspeitos. Os corpos, periciados no Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, começaram a ser liberados às famílias na manhã de quinta-feira. Contudo, a confirmação plena da identidade de todos os 117 indivíduos mortos permanece em andamento, com as autoridades policiais buscando acesso a bancos de dados de outros estados, dada a possível origem externa de alguns. Detalhes sobre o vínculo específico dos mortos com a cúpula do Comando Vermelho ou com os alvos diretos dos mandados de prisão não foram pormenorizados publicamente. Antes da divulgação oficial das identidades, o governador Cláudio Castro (PL) assegurou que todos os falecidos, à exceção dos policiais, seriam criminosos, justificando a ocorrência do confronto em uma área de mata.
Volume de Armamentos Apreendidos e Lacunas na Informação
No que tange às apreensões, as forças de segurança pública registraram um volume recorde de armamentos em uma única ação, totalizando 118 armas de fogo. Este arsenal incluía 91 fuzis, 26 pistolas e um revólver. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, avaliou a operação como uma perda substancial de material bélico para a facção criminosa Comando Vermelho. No entanto, ainda não foi divulgado se foram apreendidas armas com os corpos encontrados posteriormente na área de mata, tampouco foram detalhadas quantas das 118 armas foram recolhidas durante confrontos diretos e quantas estavam em áreas isoladas ou foram abandonadas após os tiroteios, gerando pontos a serem elucidados.
Alvos, Prisões Estratégicas e Lideranças Foragidas
A megaoperação culminou na prisão de 113 pessoas, dentre as quais dez eram menores. Entre os principais alvos capturados está Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão, apontado como braço direito de Edgard Alves de Andrade, o Doca, um dos líderes do Comando Vermelho na região. Belão era procurado por seis mandados de prisão expedidos pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), por delitos como tráfico de drogas, comércio de armas e envolvimento em confrontos entre facções rivais. Também foi detido Nikolas Fernandes Soares, descrito como operador financeiro de Doca, responsável por gerenciar a contabilidade do tráfico, o abastecimento de armas e entorpecentes, a comunicação interna e o pagamento dos membros da facção. Apesar das prisões relevantes, informações detalhadas sobre a posição de liderança ou função estratégica dos demais 111 presos, incluindo os dez menores, dentro da hierarquia do Comando Vermelho não foram divulgadas. A identidade dos demais presos e o número de audiências de custódia realizadas ainda aguardam detalhamento. O principal alvo da operação, Doca ou Urso, chefe do tráfico no Alemão e Penha, segue foragido, e a polícia não informou seu possível paradeiro ou se as prisões de Belão e Nikolas forneceram pistas concretas sobre ele.
Controvérsia sobre o Uso de Câmeras Corporais
Sobre a utilização de câmeras corporais, o Secretário da Polícia Militar do Rio, Marcelo de Menezes, explicou que os equipamentos podem não ter registrado a totalidade da megaoperação, justificando tal fato pela limitada duração da bateria, de aproximadamente 12 horas. A movimentação das tropas teve início na madrugada, por volta das 3h, e o intenso cenário de confronto teria impedido a substituição das baterias, levando à interrupção das gravações em certo ponto. Menezes garantiu, contudo, que todas as premissas da ADPF das Favelas foram rigorosamente cumpridas e que as imagens captadas serão disponibilizadas aos órgãos de controle. Entretanto, pontos como o número exato de policiais equipados com câmeras corporais, a quantidade de imagens registradas, o momento preciso de interrupção dos registros e os detalhes sobre a análise e divulgação desses vídeos ainda carecem de esclarecimentos oficiais, gerando debates acerca da fiscalização e transparência.
Planejamento da Ação e a Tática do “Muro do Bope”
O planejamento da operação se estendeu por 60 dias e incorporou uma tática específica denominada “muro do Bope”, na qual batalhões convencionais ascenderam as favelas com o objetivo de direcionar os traficantes para a área de mata anexa, considerada uma rota de fuga. Nesta região, um contingente do Batalhão de Operações Especiais (Bope) aguardava, formando um paredão de contenção. O Secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Santos, defendeu a estratégia, afirmando que o propósito principal era proteger a vida dos moradores, deslocando o confronto para uma área não edificada. Santos caracterizou a alta letalidade como um resultado previsível, embora não desejado, reiterando que a polícia possui fundamentos para classificar os 115 mortos como criminosos, visto que a presença de inocentes na mata fechada seria improvável. Ainda não foram divulgadas informações precisas sobre quantos dos 117 mortos foram encurralados especificamente nessa região de mata, nem como a tática do “muro do Bope” impactou diretamente o elevado número de óbitos.
Remoção de Corpos por Familiares e Acusações de Fraude
Familiares e parentes entraram na mata e retiraram mais de 70 corpos, os quais foram levados para uma praça na Penha. As autoridades alegaram desconhecer a existência desses corpos no local da mata e justificaram que, em meio ao confronto intenso, era impraticável realizar qualquer ação que não fosse a preservação da vida dos agentes. O Secretário de Polícia Civil do Rio, Carlos Oliveira, criticou a iniciativa dos moradores, lembrando que os protocolos legais exigem a comunicação à corporação, o acionamento da Delegacia de Homicídios e a realização da perícia de local antes de qualquer remoção, o que foi inviabilizado. A 22ª Delegacia de Polícia instaurou um inquérito para apurar uma possível fraude processual na remoção dos corpos, uma vez que agentes alegam que houve a retirada de coletes e armamentos das vítimas. Ainda não há dados precisos sobre o número total de corpos encontrados na mata nem como será conduzida a identificação completa. A Defensoria Pública do Rio foi impedida de acessar a sala de perícia e necropsia no IML, o que levantou preocupações sobre a transparência e fiscalização dos procedimentos. Também não está definido quando equipes policiais e peritos retornarão ao local para procedimentos formais, nem se haverá perícia independente para apurar as causas das mortes.
Foco nos Alvos do Comando Vermelho e o Foragido Doca
A operação teve como foco principal integrantes do Comando Vermelho, resultando na expedição de 180 mandados de busca e apreensão e 100 de prisão. Foram detidos 113 suspeitos, sendo 33 deles provenientes de outros estados, o que, para Curi, representou um golpe significativo contra a facção. Entre os presos estavam Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, reconhecido como um dos chefes regionais do CV, e Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro de um líder proeminente. O principal alvo, Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca ou Urso, chefe do tráfico no Alemão e Penha, e investigado por mais de 100 homicídios, continua em fuga. O Disque Denúncia elevou a recompensa por informações sobre seu paradeiro para R$ 100 mil. Contudo, ainda não há detalhes sobre quantos dos mortos pertenciam, de fato, à cúpula da facção ou estavam entre os alvos dos mandados. O paradeiro de Doca da Penha, o traficante mais procurado da operação, não foi informado.
Denúncias de Familiares e a Busca por Respostas
Parentes reunidos à porta do IML relatam diversas denúncias graves, incluindo alegações de que indivíduos teriam tentado se render, mas foram mortos ainda assim. Há questionamentos significativos sobre a ausência de perícia adequada nos locais das mortes e sobre corpos que, segundo relatos, teriam sido encontrados com sinais de facadas e mutilações, embora esta informação ainda não tenha sido oficialmente confirmada. Em resposta à situação, a Rede de Atenção a Pessoas Atingidas pela Violência de Estado (RAAVE) instituiu uma força-tarefa no IML, providenciando suporte jurídico e psicológico e assistindo as famílias na localização de parentes – sejam mortos, presos ou desaparecidos – em colaboração com a Defensoria Pública. As alegações de mortes após tentativas de rendição e a existência de corpos com indícios de mutilação precisam ser exaustivamente investigadas e, posteriormente, confirmadas ou refutadas pelas perícias oficiais. Ademais, familiares acusam a carência de apoio nas buscas por corpos desaparecidos na mata, que estariam sendo conduzidas exclusivamente por moradores, reforçando o clima de incerteza e angústia.
Posicionamento do Governo e o Próximo Encontro com Alexandre de Moraes
O governador Cláudio Castro (PL) defendeu de forma categórica a operação, afirmando a ausência de receio em relação a qualquer órgão de controle e assegurando que o Estado não ocultou corpos. Castro anunciou que receberá o ministro Alexandre de Moraes, novo relator da ADPF 635 (a das Favelas), na próxima segunda-feira, no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), e não no Palácio Guanabara, em um gesto que sinaliza transparência. O secretário Felipe Curi, por sua vez, criticou de maneira incisiva o governo federal e a narrativa que, em sua visão, vitimiza traficantes, reforçando que a polícia é o lado heroico da questão e desafiando agências internacionais a realizarem o trabalho que as polícias do Rio executam. Resta, no entanto, aguardar qual será o posicionamento e as providências a serem adotadas pelo ministro Alexandre de Moraes diante da elevada letalidade da megaoperação, sob a luz das regras estabelecidas na ADPF 635, adicionando um elemento crucial de incerteza política e jurídica ao caso. As informações sobre operações policiais e seus impactos são frequentemente objeto de análise e debate no âmbito da segurança pública, como os dados coletados e divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, uma referência essencial para contextualizar tais discussões.
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A megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha ressalta a complexidade dos desafios de segurança pública no Rio de Janeiro, expondo tanto os resultados expressivos das ações policiais quanto as persistentes dúvidas sobre a condução das operações e a totalidade das vítimas. O cenário clama por aprofundamento das investigações e a clarificação dos pontos ainda obscuros, essenciais para a busca por justiça e transparência. Para aprofundar a compreensão dos complexos desafios da segurança urbana e do cotidiano de grandes centros metropolitanos como o Rio, explore outras notícias e análises em nossa editoria de Cidades e continue acompanhando as atualizações sobre este e outros temas relevantes.
Crédito da imagem: Marcelo Ferrelli