A renomada ativista paquistanesa e vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai lança livro revelando vida ‘imperfeita’. Aos 28 anos, Malala apresenta sua nova obra, intitulada “No meu caminho — Memórias”, que promete desvelar uma faceta menos conhecida e mais humana da jovem que se tornou um símbolo global. O livro narra a busca de Malala para experienciar uma juventude comum, longe dos holofotes do ativismo, e compartilhar aprendizados de seus próprios erros e imperfeições.
A trajetória de Malala é marcada por eventos dramáticos e conquistas extraordinárias. Aos 15 anos, em 2012, ela sofreu um atentado orquestrado pelo Talibã em um ônibus escolar no Paquistão, em retaliação ao seu incansável ativismo pela educação de meninas. Aquele incidente quase tirou sua vida e a transformou em um ícone mundial na luta por direitos. Posteriormente, aos 17 anos, ela se tornou a pessoa mais jovem a ser agraciada com o Prêmio Nobel da Paz, solidificando sua posição como uma das vozes mais influentes de sua geração. Sua vida, desde então, tem sido dedicada a viagens internacionais para promover a educação e a igualdade.
Malala Yousafzai Lança Livro Revelando Vida ‘Imperfeita’
Ser reconhecida globalmente como uma voz destemida e corajosa, que supostamente detinha todas as respostas, foi um fardo que Malala, vencedora do Prêmio Nobel da Paz mais jovem da história aos 17 anos, agora decide humanizar. Em seu novo trabalho literário, ela expõe as realidades de sua transição para a vida adulta e a descoberta de uma identidade multifacetada. A obra, “No meu caminho — Memórias”, é lançada nesta terça-feira, 21 de outubro, pela Editora Companhia das Letras, com tradução de Berilo Vargas e Lígia Azevedo. Disponível por R$ 69,90 na versão física (320 páginas) e R$ 29,90 como e-book, a publicação mergulha em detalhes que vão desde as complexas cirurgias de reabilitação em Birmingham, na Inglaterra, até as nuances de seus anos de graduação em Oxford. A própria ativista, em entrevista à Folha, afirma que esta é uma oportunidade de se reapresentar ao mundo sob uma nova luz.
Nas páginas de “No meu caminho — Memórias”, Malala revela que, por trás da imagem pública de força e perfeição, existe uma estudante universitária que enfrenta dilemas cotidianos. Ela confessa não conseguir sempre as melhores notas e ter dificuldades com a pontualidade na entrega de trabalhos acadêmicos, frequentemente distraída por uma vida social vibrante na universidade. A ativista também compartilha experiências mais introspectivas e por vezes arriscadas, como experimentar maconha em um bong, o que resultou em uma “bad trip”, ou ter uma paixão platônica por um colega que a ignorou. Ela também desfruta de jogos de pôquer e visitas a pubs, embora, em respeito à sua religião muçulmana, evite o consumo de bebidas alcoólicas.
Malala e a Reconciliação com a Imperfeição
Malala explicou à Folha, via vídeo, que seu propósito com este livro era “compartilhar minhas experiências reais como estudante universitária”. Ela afirmou ter se tornado uma ativista em idade muito jovem, o que a levou a um reconhecimento global onde era frequentemente elogiada por sua bravura e por ter, em tese, todas as respostas. Contudo, em suas memórias, ela buscava retratar uma figura mais próxima da realidade. “De certa forma, sou eu me reapresentando”, disse. A ativista desejou ter acesso a um livro semelhante antes de iniciar sua própria jornada universitária, um que a tivesse confortado ao mostrar que a perfeição não é um requisito e que está “tudo bem não ser perfeita”.
Ao ingressar na faculdade, a expectativa inicial de Malala era focar exclusivamente nos estudos. No entanto, ela gradualmente compreendeu que as conexões sociais e a participação em clubes universitários eram componentes igualmente vitais para sua experiência. Essa percepção foi especialmente significativa para ela, que havia passado os anos do ensino médio isolada e sentia imensa saudade dos amigos que deixou em seu país de origem. A oportunidade de viver esses momentos de socialização, ela notou, seria irrepetível, ao contrário de um livro didático que sempre poderia ser consultado em uma biblioteca. Essa priorização resultou em alguns “contratempos” que a autora explora abertamente em sua obra.
Desafios Pessoais e Críticas Sociais
O percurso de Malala em direção a uma vida mais prosaica não esteve isento de obstáculos e demandou notável coragem. Uma dessas situações envolveu o uso de uma calça jeans, que gerou controvérsia e uma avalanche de ataques online. Uma foto sua, vestindo jeans, jaqueta de náilon e o véu sobre a cabeça, após uma aula de remo, viralizou nas redes sociais. Centenas de usuários, em sua maioria homens paquistaneses, rotularam-na de traidora e chegaram a classificá-la como “estrela pornô” por sua escolha de vestuário.
Esse episódio com a calça jeans, inclusive, desencadeou um dos atritos com sua mãe, Toor Pekai, conforme detalhado nas memórias da ativista. “Por que usou aquelas roupas?”, teria perguntado a mãe após o incidente. “A família está telefonando! Todo mundo em casa está falando de você.” Ao se mudar para Oxford, Malala chegou a comprar secretamente, pela internet, roupas “de estudante”, visto que sua mãe insistia para que ela utilizasse exclusivamente a vestimenta tradicional paquistanesa, o shalwar kameez – um conjunto composto por calça e túnica folgada.
Outra ocasião de repercussão foi durante uma entrevista para a revista Vogue, na qual Malala expressou questionamentos sobre a instituição do casamento. “Ainda não entendo a necessidade das pessoas de se casar. Se você quer ter alguém na sua vida, por que precisa assinar papéis de casamento? Por que não pode ser apenas uma parceria?”, ponderou a ativista. As declarações provocaram uma forte reação nas redes sociais, onde Malala foi acusada de imoralidade, anti-islamismo e novamente recebeu ameaças de morte. Comentários afirmavam que ela estava “incentivando o adultério” e se apegavam à palavra “parceria”, sugerindo que a igualdade entre homens e mulheres seria “antinatural e profana”. Houve até quem expressasse o desejo de que o tiro do Talibã, em 2012, tivesse sido fatal.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Sua mãe, que se casou precocemente e não teve a oportunidade de estudar, possuía visões consideravelmente conservadoras. Ao tomar conhecimento dos comentários da filha, chorou pela casa. Quando finalmente conseguiu conversar com Malala, expressou sua decepção: “Como pôde fazer uma coisa dessas, Malala? Queria que você nunca tivesse aberto a boca”.
Perspectiva de Malala Sobre as Reações
À reportagem, a ativista reforça sua perspectiva sobre a questão: “A misoginia tem impactado a vida de mulheres e meninas por séculos, minha história não é única. Há tantas meninas por aí que tiveram seu direito à educação negado, foram impedidas de trabalhar ou que foram orientadas a se vestir de certa maneira. E, se não seguem essas regras, são punidas por isso”. Ela complementa: “Não acho que eu precise me defender para ninguém pelo que visto e pelas minhas opiniões”.
Malala expressa não temer a repercussão de seu livro. “Pode acontecer qualquer coisa. Tanto a controvérsia do jeans quanto meus comentários sobre casamento são exemplos de como, às vezes, a reação negativa é ridícula, as pessoas pegam uma coisa tão pequena e transformam em uma grande polêmica. Como se dizer simplesmente que, ‘ah, não tenho certeza sobre o casamento’, virasse uma narrativa de ‘Malala está aconselhando meninas e mulheres a não se casarem, ela é contra o casamento’. Não foi isso que eu disse”, esclarece. Ela conclui sua reflexão, adicionando um toque pessoal e surpreendente: “Todos nós queremos questionar as coisas. Mas sim, no final, eu me casei”, referindo-se à sua união com o namorado Asser.
A respeito da reação de seus pais à obra, Malala revela que eles ainda não leram o livro. A ativista conta que seu pai, o educador Zia, teve uma participação significativa na escrita de seu primeiro livro, “Eu Sou Malala”, lançado quando ela tinha apenas 15 anos. No entanto, desta vez, Malala optou por não compartilhar o texto com nenhum membro de sua família, com o objetivo de evitar qualquer tipo de interferência externa e garantir que as memórias expressassem unicamente sua própria voz e visão.
Confira também: crédito imobiliário
As memórias de Malala Yousafzai oferecem uma visão complexa e multifacetada de uma figura que desafia expectativas, mostrando que a força reside também na vulnerabilidade e na honestidade. A leitura de “No meu caminho” é um convite para o público refletir sobre a imagem pública das grandes personalidades e as batalhas invisíveis que moldam suas trajetórias. Para mais informações sobre figuras inspiradoras e debates sociais, continue acompanhando a nossa editoria de Análises.
Crédito da imagem: HANDOUT/AFP



