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Luta contra Ditadura USP: Livro resgata resistência de 1977

O recente lançamento da obra “O Espírito de Um Tempo de Lutas”, escrita por José Ruy Gandra, historiador e ex-repórter da Folha, oferece um mergulho profundo na luta contra a Ditadura Militar na USP. O livro concentra-se na efervescência política e na angústia de uma geração de estudantes da Faculdade de Direito do Largo de […]

O recente lançamento da obra “O Espírito de Um Tempo de Lutas”, escrita por José Ruy Gandra, historiador e ex-repórter da Folha, oferece um mergulho profundo na luta contra a Ditadura Militar na USP. O livro concentra-se na efervescência política e na angústia de uma geração de estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, reconstituindo com detalhes os eventos que, a partir de agosto de 1977, marcaram um ponto crucial na resistência pela redemocratização do Brasil.

Um dos momentos mais emblemáticos descritos é o dia 8 de agosto de 1977, que se tornou um divisor de águas. Naquela ocasião, aproximadamente 2.000 jovens universitários se reuniram no Largo de São Francisco para ouvir o professor Goffredo da Silva Telles Jr. Ele proferiu a “Carta aos Brasileiros”, um manifesto veemente que alertava a sociedade sobre as violações e os abusos cometidos pelo regime militar. Este ato audacioso serviu como um poderoso catalisador, inflamando o espírito de combate à ditadura entre os alunos e consolidando ali um epicentro da luta democrática.

A escolha estratégica de Goffredo da Silva Telles Jr. como orador foi intencional. O renomado advogado era notório por sua aversão ao marxismo, tendo inclusive apoiado a Ação Integralista Brasileira em sua juventude. Sua voz, portanto, ressoava com credibilidade em diversos círculos, amplificando o impacto da mensagem da “Carta”, que foi lida três vezes, para públicos cada vez maiores. A

Luta contra Ditadura USP: Livro resgata resistência de 1977

é a espinha dorsal desta narrativa, que contextualiza a relevância da Faculdade de Direito para o cenário político da época.

José Ruy Gandra, que também foi estudante na renomada faculdade, confessa que seu entusiasmo pela pesquisa para o livro foi intensificado pela realidade política brasileira contemporânea. Segundo ele, a tolerância e o estímulo ao “golpismo” durante a administração de Bolsonaro conferiram à sua obra uma “relevância política e histórica” renovada, transcendendo a mera reconstituição de fatos passados para se tornar um espelho dos tempos atuais.

Para conceber “O Espírito de Um Tempo de Lutas”, Gandra empreendeu uma vasta pesquisa, consultando acervos de importantes periódicos nacionais, como o da Folha de S.Paulo. Além disso, ele realizou diversas entrevistas com indivíduos que foram contemporâneos daquela geração, frequentadores das históricas arcadas da faculdade entre os anos de 1976 e 1980, garantindo uma perspectiva multifacetada e imersiva sobre os eventos narrados e a atuação do movimento estudantil na época.

A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, estabelecida em 1827, ocupa um edifício em estilo neocolonial e ostenta um legado singular na formação de personalidades influentes do Brasil. Sua lista de ex-alunos notáveis inclui escritores seminais como os poetas Álvares de Azevedo, Alphonsus de Guimarães e Oswald de Andrade, além do romancista José de Alencar. O universo jurídico também foi ricamente enriquecido por figuras como Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, sem esquecer a presença de ex-chefes de estado como Michel Temer e o ícone Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Constituinte.

O que distingue o livro de Gandra não é apenas a profundidade de sua pesquisa, mas também sua vertente memorialista. O autor estava intrinsecamente presente nos acontecimentos, tendo presenciado e absorvido os momentos narrados. Essa vivência pessoal permitiu-lhe reconstruir a história com uma riqueza de detalhes e nuances, expandindo a visão além dos muros acadêmicos para abranger o panorama nacional da época.

Gandra caracteriza sua geração como um grupo intrinsecamente heterogêneo, que navegava pelas complexas contradições de seu tempo. Ele observa uma “angústia sartriana” na primeira metade da década, impulsionada pelo despertar da liberdade sexual, ainda que marcada por grande timidez. Essa angústia se transmutaria em um fervoroso enfrentamento à ditadura justamente quando a prosperidade econômica brasileira esmorecia, mergulhando o país em uma grave crise.

No primeiro capítulo da obra, essa dualidade sentimental dos jovens universitários reflete o que Gandra nomeia como “década cindida”. De um lado, o regime autoritário impunha sua mão pesada através de um aparato repressivo com censura e a drástica redução de direitos civis pelo AI-5 (Ato Institucional número 5). De outro, a máquina de propaganda do regime militar manipulava símbolos nacionais, como a vitória da seleção brasileira na Copa de 1970 e o chamado “milagre econômico”, para projetar uma imagem de sucesso e legitimar sua permanência, mascarando os conflitos internos.

A leitura da “Carta aos Brasileiros” no Largo de São Francisco gerou repercussões significativas, engajando intensamente a juventude, mas, ao mesmo tempo, provocando uma reação enérgica dos militares contra o ambiente universitário. Desde o início de 1977, os estudantes haviam organizado múltiplas passeatas, detalhadamente registradas no livro. Em agosto, em uma escalada da tensão, tropas policiais cercaram a faculdade e empregaram bombas de efeito moral lançadas de blindados, uma demonstração clara do clima de repressão contra a autonomia universitária.

Luta contra Ditadura USP: Livro resgata resistência de 1977 - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

Meses antes, os jovens haviam reafirmado a natureza do Largo de São Francisco como um “território livre” e organizado um protesto veemente contra a detenção de três estudantes e três sindicalistas. Estes ativistas foram presos por distribuir panfletos com o objetivo de engajar o operariado da região do ABC paulista, evidenciando a interligação dos movimentos sociais daquele período. Os anos de chumbo, marcados por uma intensa repressão e cerceamento de liberdades fundamentais, conforme documentado amplamente em acervos históricos como o Memorial da Ditadura, testemunharam uma crescente e corajosa reação civil.

Conforme relata “O Espírito de Um Tempo de Lutas”, o movimento estudantil da USP gradualmente fragmentou-se em subgrupos com distintas orientações ideológicas, a exemplo do Libelu, Refazendo e Caminhando, refletindo a diversidade de pensamento e as estratégias adotadas pelos estudantes na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização.

O engajamento dos universitários da USP atingiu seu auge no emblemático episódio da invasão ao campus da PUC, onde estudantes de diversas faculdades de São Paulo se congregaram para o Encontro Nacional dos Estudantes. A repressão foi severa, resultando na detenção de cerca de 900 pessoas, com muitas delas sendo encaminhadas ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um órgão de vigilância e repressão política.

José Ruy Gandra evidencia, em seu livro, o papel fundamental da visita do Papa João Paulo II ao Brasil em 1980, um evento que se mostrou determinante para o processo de abertura democrática que se seguiria, amenizando as tensões sociais e políticas.

Apesar de sua geração ser predominantemente laica, Gandra recorda que João Paulo II emergiu como um patrono e uma figura catalisadora. A percepção do Papa como uma personalidade progressista, que visitava o país em um momento crítico, trouxe um “baita alento” para todos que se sentiam sufocados pelo regime. Suas declarações públicas, nas quais atacou a pobreza, a concentração de terras e defendeu os favelados, serviram para expor a ditadura militar para o mundo, oferecendo apoio moral e inspiração para os movimentos sociais e pela democracia no país.

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Este resgate da luta contra a Ditadura Militar na USP por José Ruy Gandra não é apenas uma recordação, mas uma valiosa análise de um período de transformação e resistência. O livro lança luz sobre como a juventude e os intelectuais universitários desafiaram um regime repressivo, pavimentando o caminho para a democracia. Para compreender melhor o contexto histórico e político dessas lutas e continuar informado sobre os grandes temas do Brasil, siga explorando nossa editoria de Política.

Crédito da imagem: Gustavo Zeitel

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