O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, realizada nesta data, teceu uma enfática defesa do multilateralismo. Sua fala, carregada de críticas diretas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, abordou diversas questões globais urgentes. Entre os tópicos centrais, o líder brasileiro classificou as ações de Israel na Faixa de Gaza como “genocídio” e salientou a importância da tributação para super-ricos e da regulamentação das plataformas digitais.
No evento que reúne líderes de todo o mundo, a manifestação do presidente brasileiro posicionou o país em destaque no cenário diplomático, reiterando princípios como a soberania nacional e a defesa de direitos fundamentais. A ocasião marcou o retorno de uma abordagem mais alinhada às instituições internacionais e aos consensos globais, contrastando com períodos de menor engajamento multilateral.
Lula na ONU defende multilateralismo e pautas cruciais
A presença de Lula na tribuna da Organização das Nações Unidas deveria, por essência, simbolizar uma celebração dos ideais de paz e prosperidade que impulsionaram a criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, o chefe de Estado brasileiro sublinhou que os pilares fundamentais da instituição, forjados em São Francisco, encontram-se atualmente em uma ameaça sem precedentes na história. Para Lula, o multilateralismo enfrenta uma nova e grave encruzilhada, colocando em xeque a própria autoridade da Organização.
Ele destacou uma ordem internacional marcada por uma “desordem” crescente, na qual concessões à política do poder têm se consolidado. O presidente alertou para a recorrência de atentados à soberania dos países, imposição de sanções arbitrárias e intervenções unilaterais, que, em suas palavras, estão se tornando uma norma. Lula traçou um paralelo inequívoco entre a crise do sistema multilateral e o enfraquecimento das democracias ao redor do globo. Segundo ele, o autoritarismo se fortalece e ganha terreno sempre que a sociedade internacional falha em defender a paz, a soberania e o direito internacional, resultando em consequências trágicas.
Defesa da Democracia e Enfrentamento do Extremismo
O discurso de Lula ressaltou que, em diversas partes do mundo, forças antidemocráticas têm investido para subjugar instituições e sufocar as liberdades. Tais grupos, disse ele, “cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícias físicas e digitais e cerceiam a imprensa”. Em um trecho de seu pronunciamento, o presidente brasileiro mencionou o ataque sem precedentes que o Brasil sofreu, ao qual, segundo ele, o país resistiu, optando pela defesa de sua democracia, que foi reconquistada há quarenta anos após um longo período de regimes ditatoriais.
O presidente criticou categoricamente as “medidas unilaterais e arbitrárias” direcionadas às instituições e à economia brasileira, enfatizando que “a agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável”. Ele alertou que essa intromissão em assuntos internos do Brasil tem sido impulsionada por uma extrema direita subserviente e saudosista de hegemonias passadas, que, caracterizadas como “falsos patriotas”, promovem publicamente ações contrárias aos interesses nacionais. Para Lula, a pacificação de uma nação não se constrói com impunidade. Como exemplo, citou a inédita condenação de um ex-chefe de Estado brasileiro por atentar contra o Estado Democrático de Direito, um processo que durou 525 anos para ocorrer e que garantiu amplo direito de defesa ao acusado. Esta condenação, diante do cenário internacional, foi um recado claro a candidatos a autocratas: a democracia e a soberania do Brasil são inegociáveis.
Combate à Fome e Redução de Desigualdades
Lula defendeu que a solidez de uma democracia transcende o mero ritual eleitoral, exigindo a redução das desigualdades sociais e a garantia de direitos fundamentais como alimentação, segurança, trabalho, moradia, educação e saúde. A democracia falha, em suas palavras, quando mulheres recebem menos que homens ou são vítimas de feminicídio, e quando se fecha a portas para migrantes. A pobreza, salientou, é um inimigo tão potente da democracia quanto o extremismo.
O presidente expressou orgulho ao citar a confirmação da FAO de que o Brasil, em 2025, novamente saiu do Mapa da Fome. Contudo, alertou que globalmente ainda existem 670 milhões de pessoas em estado de fome e aproximadamente 2,3 bilhões enfrentando insegurança alimentar. “A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza”, afirmou, referindo-se à Aliança Global lançada no G20, que já conta com apoio de 103 nações.
O chefe de Estado cobrou uma revisão nas prioridades da comunidade internacional: redução dos gastos militares para ampliar a ajuda ao desenvolvimento, alívio da dívida externa de países mais pobres (especialmente africanos) e a definição de padrões mínimos de tributação global, assegurando que os “super-ricos” contribuam com mais impostos do que os trabalhadores.
Regulação de Plataformas Digitais e Inteligência Artificial
A democracia, segundo o presidente, também se mede pela capacidade de proteger famílias e crianças. As plataformas digitais, apesar de aproximarem as pessoas de forma inédita, têm sido empregadas para disseminar intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. “A internet não pode ser uma ‘terra sem lei'”, disse Lula, enfatizando que é dever do poder público proteger os vulneráveis. Para ele, regular não é cercear a liberdade de expressão, mas garantir que condutas ilegais no mundo real sejam tratadas da mesma forma no ambiente virtual.
O presidente apontou que os ataques à regulação digital frequentemente buscam encobrir interesses obscuros e acobertar crimes como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia. Lula mencionou que o Congresso Nacional brasileiro avançou rapidamente no tema e que, na semana anterior ao seu discurso, ele havia promulgado uma das leis mais modernas do mundo para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. Além disso, foram encaminhados projetos de lei para fomentar a concorrência em mercados digitais e incentivar a instalação de datacenters sustentáveis no Brasil. Quanto à mitigação dos riscos da inteligência artificial, o governo aposta em uma governança multilateral, seguindo o Pacto Digital Global aprovado na ONU no ano anterior.

Imagem: noticias.uol.com.br
Conflitos Regionais e o Cenário Global
Na América Latina e Caribe, Lula observou uma crescente polarização e instabilidade, destacando a importância de manter a região como uma zona de paz, livre de armas de destruição em massa, conflitos étnicos ou religiosos. Manifestou preocupação com a equiparação entre criminalidade e terrorismo, afirmando que a melhor maneira de combater o tráfico de drogas é por meio da cooperação na repressão à lavagem de dinheiro e à limitação do comércio de armas. Utilizar força letal em situações fora de conflitos armados, ele alertou, equivale a “executar pessoas sem julgamento”. A via do diálogo, segundo ele, não deve ser fechada em relação à Venezuela, e o Haiti merece um futuro sem violência. O presidente também classificou como “inadmissível” que Cuba ainda esteja listada como um país que patrocina o terrorismo.
Referindo-se ao conflito na Ucrânia, o presidente reiterou que não haverá solução militar, expressando esperança em uma saída negociada após um recente encontro no Alasca. Ele frisou a necessidade de construir caminhos para uma solução realista que leve em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes envolvidas. A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos da Paz, formado por China e Brasil, foram apontados como esforços que podem contribuir para o diálogo.
Lula destacou a situação na Palestina como o uso “desproporcional e ilegal da força”. Embora reconhecesse que os ataques terroristas do Hamas são “indefensáveis sob qualquer ângulo”, ele afirmou que “nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”. Ele lamentou o número de inocentes, incluindo mulheres e crianças, soterrados sob escombros, e disse que o Direito Internacional Humanitário e a “superioridade ética do Ocidente” estão ali sepultados. Para o presidente, esse massacre não ocorreria sem a cumplicidade de quem poderia evitá-lo. Lula expressou sua admiração por judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem à “punição coletiva”, e alertou que o povo palestino corre risco de desaparecer, enfatizando que só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional. Essa solução, defendida por mais de 150 membros da ONU, é “obstruída por um único veto”. Para aprofundar-se nos debates e ações relacionadas aos conflitos globais, é essencial consultar fontes confiáveis como a página oficial das Nações Unidas sobre o tema.
Emergência Climática e Reestruturações
O ano de 2024 foi apontado como o mais quente já registrado, e Lula afirmou que “bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática”. Ele previu que a COP30, sediada em Belém, será a “COP da verdade”, um momento decisivo para os líderes mundiais demonstrarem seu compromisso com o planeta. O presidente alertou que, sem um panorama completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), a humanidade caminhará “de olhos vendados para o abismo”. O Brasil, segundo ele, comprometeu-se a reduzir suas emissões entre 59% e 67%, abrangendo todos os gases de efeito estufa e setores da economia.
O chefe de Estado destacou que nações em desenvolvimento enfrentam as mudanças climáticas enquanto lidam com outros desafios, enquanto países ricos usufruíram de padrões de vida construídos ao custo de duzentos anos de emissões. Para ele, a exigência por mais ambição e maior acesso a recursos e tecnologias “não é uma questão de caridade, mas de justiça”. Lula frisou que a busca por minerais críticos, essenciais para a transição energética, não deve repetir a lógica predatória dos séculos passados. Em Belém, a realidade da Amazônia será apresentada ao mundo, com o Brasil tendo reduzido o desmatamento na região pela metade nos últimos dois anos. Erradicar o desmatamento, explicou, exige condições de vida digna para seus milhões de habitantes. O Brasil pretende lançar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, para remunerar países que mantêm suas florestas em pé, marcando um momento de passar da negociação para a implementação de ações concretas.
O presidente concluiu esta seção sublinhando a dívida do mundo com o regime da Convenção do Clima, e a necessidade de trazer o combate às mudanças climáticas para o cerne da ONU, com a criação de um Conselho vinculado à Assembleia Geral, que tenha força e legitimidade para monitorar compromissos. Esta, ele disse, seria uma etapa fundamental para uma reforma mais ampla da Organização, incluindo um Conselho de Segurança com mais membros em ambas as categorias.
Apelos Finais e Legado
Lula mencionou a lamentável perda de figuras como Pepe Mujica e Papa Francisco neste ano, personalidades que, em suas palavras, encarnaram os melhores valores humanistas e cujas vidas se entrelaçaram com as oito décadas da ONU. Ele acredita que, se ainda estivessem vivos, ambos usariam a tribuna para lembrar que “o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis” e que “os únicos derrotados são os que cruzam os braços, resignados”. O futuro que o Brasil almeja, segundo ele, não comporta a repetição de rivalidades ideológicas ou esferas de influência, reforçando que a confrontação não é inevitável. Lula destacou que o século 21 será cada vez mais multipolar, e para ser pacífico, deve ser multilateral. O Brasil atribui importância crescente à União Europeia, União Africana, ASEAN, CELAC, BRICS e G20, pois “a voz do Sul Global deve ser ouvida”.
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Em suma, o discurso do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU reafirmou o compromisso do Brasil com a diplomacia multilateral, a defesa da democracia e dos direitos humanos, e a urgência em abordar questões como a crise humanitária em Gaza, a taxação dos super-ricos e a regulamentação das redes digitais. Essas posições ecoam a necessidade de cooperação internacional para enfrentar os desafios globais do século XXI. Para continuar acompanhando as análises sobre política nacional e internacional, acesse nossa editoria de Política.
Crédito: Agência Brasil
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