**Livro Simula Despreparo Europeu Contra Ameaça Russa**, destacando uma preocupante dissonância entre a memória histórica e a capacidade de previsão de catástrofes. A Europa, uma região profundamente marcada por episódios trágicos ao longo do século XX, exibe, paradoxalmente, uma aparente falta de imaginação para antecipar futuros desastres. Esta constatação adquire especial relevância diante da postura adotada pela Europa e pelos Estados Unidos frente às crescentes tensões geopolíticas envolvendo a Federação Russa, questionando a eficácia das abordagens de segurança e defesa vigentes.
O paradoxo entre a lembrança vívida do conflito e a incapacidade de prever e agir preventivamente foi exemplificado recentemente por incursões aéreas de caças russos no espaço aéreo da Estônia, uma nação que, embora ex-república soviética, é agora membro ativo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Tais incidentes, considerados provocativos, geraram uma resposta europeia pautada na retórica habitual, sem que ações consequentes demonstrassem uma mudança estratégica. A postura dos Estados Unidos, similarmente, manteve-se cautelosa, levantando debates sobre a profundidade do seu compromisso com a defesa de aliados fronteiriços.
Em contraste com a atual hesitação europeia, eventos passados oferecem um panorama diferente. Cerca de uma década atrás, uma aeronave russa violou o espaço aéreo turco. Após advertências formais sem resposta, o governo de Ancara optou por abater o avião, uma decisão que levou o presidente russo, Vladimir Putin, a evitar futuras violações em território turco. Essa divergência de reações suscita uma indagação fundamental: o medo europeu e norte-americano representa um caminho para a pacificação ou, ao contrário, encoraja o Kremlin a intensificar novas agressões? Esta questão complexa é meticulosamente explorada em uma obra ficcional de impacto. `
Livro Simula Despreparo Europeu Contra Ameaça Russa
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Cenário de Invasão: O Futuro Segundo Masala
A intrincada questão do `despreparo europeu` perante a `ameaça russa` é central na mais recente publicação do cientista político alemão Carlo Masala. Sua obra, intitulada “If Russia Wins: A Scenario”, da Atlantic Books, foge dos padrões tradicionais de ensaio acadêmico para se aventurar na ficção. Contudo, essa narrativa especulativa é solidamente embasada em pesquisa aprofundada, com o objetivo de desenhar um quadro detalhado das possíveis repercussões globais e regionais caso a Rússia saia vitoriosa no conflito na Ucrânia. O caráter hipotético da obra serve como um sério alerta para as fragilidades atuais no âmbito da política internacional.
O livro transporta o leitor para o ano de 2028, iniciando com descrições que parecem roteiro cinematográfico: duas brigadas russas executam uma rápida invasão, assumindo o controle da cidade de Narva e da ilha de Hiiumaa, ambos territórios na Estônia. Para que essa ousadia se concretize, Masala retrocede a narrativa para 2025. Neste ponto, a Ucrânia é compelida a um cessar-fogo com a Rússia, resultando na perda de aproximadamente 20% de seu território. O `despreparo europeu` e o esgotamento americano se fazem evidentes, com os Estados Unidos recuando no financiamento da guerra, e a Europa, apesar das declarações de intenção, mostrando-se incapaz de suprir o apoio cessado por Washington.
A suposta vitória russa na Ucrânia, conforme o cenário ficcional de Masala, fortalece Moscou significativamente e mergulha o país de Volodimir Zelenski em um período de instabilidade política e econômica profunda. Entretanto, a ilusão de paz que se segue gera um suspiro de alívio entre os europeus. Questionamentos surgem: seria mesmo imperativo o investimento em defesa num momento em que a Rússia, alegadamente, alterou até sua liderança? Este período de complacência acentua o `despreparo europeu`, ecoando lições históricas de momentos onde a vigilância foi substituída por um falso senso de segurança.
Recomposição Russa e a Paralisia da OTAN
Enquanto a Europa, em grande parte, acalmava-se, nações bálticas e a Polônia – estas sim mais expostas à `ameaça russa` – expressavam vigorosos protestos contra o “novo sonambulismo” de seus parceiros. Em contrapartida, a Rússia, estrategicamente, dedicava-se à reconstituição de suas Forças Armadas, contando com apoio substancial da China e da Índia para modernização e expansão. A tentação imperialista cresce em Moscou: o êxito na Ucrânia abre precedentes. Por que não avançar sobre a Estônia? Para o Kremlin ficcional, a reestruturação do império russo é inviável sem a inclusão das repúblicas bálticas em sua esfera de influência.
No ápice dramático do livro de Carlo Masala, o leitor é imerso nos círculos decisórios do Kremlin. Receios pontuais existem, particularmente em relação ao status da Estônia como membro da OTAN e ao Artigo 5 da Aliança Atlântica, que prevê a defesa coletiva. No entanto, o diretor dos serviços secretos russos entra em cena para racionalizar a invasão: os europeus estariam militarmente despreparados; Washington não arriscaria uma guerra de grande escala por um país pequeno; e o medo da escalada nuclear, comprovadamente eficaz na Ucrânia, funcionaria igualmente na Estônia. A tática seria inspirada na remilitarização da Renânia em 1936, quando Hitler enviou 30 mil tropas à região, desafiando o **Tratado de Versalhes** sem encontrar resistência efetiva.
Moscou, baseada nesta avaliação estratégica, leva a cabo a invasão da Estônia, usando como pretexto a “proteção” dos cidadãos de língua russa em Narva. A OTAN, surpreendentemente, permanece paralisada. Os Estados Unidos e a França, em particular, impedem qualquer resposta militar coordenada, ratificando o cenário de `despreparo europeu` frente à `ameaça russa`. A capital russa, no auge do triunfo fictício, celebra o sucesso e anuncia até a reunificação com a Belarus, antecipando um futuro de prosperidade e reafirmação geopolítica.
A Vencível Fragilidade da “Imaginação do Desastre”
A despeito de sua natureza especulativa, a narrativa de Masala convence pela sua intrínseca conexão com realidades e tendências globais. Fatores como a inércia e a “cegueira” de algumas lideranças europeias, a inclinação de figuras políticas como Donald Trump por regimes autocráticos, e a crescente fadiga da opinião pública europeia com a guerra na Ucrânia (alimentando um anseio por “paz” a qualquer custo) reforçam a plausibilidade da distopia retratada. O livro expõe o risco de se negligenciar os sinais de alerta em favor de uma conveniência imediata.
Além disso, a forma como a coerção nuclear de Moscou se solidificou na esfera narrativa global levou muitos membros da OTAN a subestimar ou, em alguns casos, esquecer sua própria capacidade de dissuasão nuclear. Tal “derrota psicológica”, conforme argumentado no livro, predispõe a uma derrota militar, esvaziando a confiança na autodefesa antes mesmo de qualquer engajamento direto. Este é um dos pontos mais críticos da avaliação que Masala faz do `despreparo europeu`.
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O falecido escritor Henry James, ao discorrer sobre a “imaginação do desastre”, referia-se à capacidade e responsabilidade do romancista de perscrutar os limites mais extremos da existência humana, mesmo em seus aspectos mais “ferozes” e “sinistros”. Neste contexto, a análise da Europa contemporânea adquire uma camada adicional: se os líderes do continente tivessem maior familiaridade com essa “imaginação”, talvez a ficção de Carlo Masala não seria apenas uma obra literária, mas um retrato jornalístico de um futuro potencialmente sombrio. Os problemas atuais, antes de serem puramente morais, manifestam-se esteticamente, sublinhando que a `ameaça russa` não reside apenas em seu poderio militar, mas na falha em antecipá-la e reagir com imaginação estratégica.
Este cenário complexo, delineado pela ficção de Masala, mas firmemente ancorado em realidades observáveis, serve como um espelho para as vulnerabilidades estratégicas da Europa. Ao abordar a possibilidade de um `despreparo europeu` diante da `ameaça russa` e as sérias implicações para a Estônia e a OTAN, a obra convida a uma reflexão profunda sobre as decisões políticas atuais e seus potenciais desdobramentos. Para continuar a explorar temas cruciais de política internacional e aprofundar seu entendimento sobre o cenário geopolítico atual, convidamos você a permanecer em nossa editoria de Política, onde análises relevantes são constantemente publicadas.
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 23 de setembro de 2025 – Angelo Abu/Folhapress
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