Em um recente desdobramento da trama de “Vale Tudo”, o personagem Afonso Roitman, interpretado pelo ator Humberto Carrão, confronta um diagnóstico de leucemia mieloide. Este tipo específico de câncer afeta o sangue e suscita discussões acerca de uma condição complexa cujos desfechos e manejos terapêuticos variam significativamente fora do universo ficcional. A profundidade do diagnóstico na vida real exige o conhecimento sobre a natureza exata da enfermidade – se é aguda ou crônica –, uma informação crucial para determinar a trajetória de tratamento e as projeções para o paciente. A doença manifesta-se no organismo humano quando células malignas originam-se na medula óssea, um tecido de consistência gelatinosa presente no interior dos ossos e vital para a formação das células sanguíneas.
A gênese da leucemia ocorre com uma mutação genética, resultando na proliferação descontrolada de células doentes. Estas células anormais suplantam as saudáveis, comprometendo as funções fisiológicas essenciais do sangue. Em termos de classificação geral, as leucemias são divididas por sua velocidade de evolução e pelos tipos de células progenitoras afetadas. A gravidade e a urgência do tratamento estão diretamente relacionadas à rapidez com que as células malignas se multiplicam, o que torna a distinção entre suas formas essencial para o plano de ação médica e para o prognóstico geral da saúde do indivíduo. É este o contexto que envolve a jornada do personagem Afonso na teledramaturgia, ecoando as realidades de inúmeros pacientes fora da tela.
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A medicina diferencia as leucemias em dois eixos principais: a temporalidade da doença e a linhagem celular atingida. A evolução rápida, característica das leucemias agudas, exige uma intervenção emergencial e um tratamento imediato e intensivo, dada a progressão abrupta e potencialmente fatal da enfermidade em um período de poucas semanas. Tais formas se originam de células muito jovens, denominadas blastos, que rapidamente invadem a medula óssea. Em contrapartida, as leucemias crônicas apresentam um curso mais lento, por vezes insidioso, sendo mais comumente identificadas em indivíduos na faixa etária mais avançada. O manejo dessas condições tende a ser menos agressivo inicialmente, beneficiando-se dos avanços terapêuticos contemporâneos que permitem um controle prolongado da doença, segundo observa Breno Gusmão, onco-hematologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do Comitê Médico da Abrale.
Para o aprofundamento do entendimento, diversos especialistas dividem ainda mais as classificações da doença, destacando que tanto as formas agudas quanto as crônicas podem ser de tipos mieloide ou linfoide. No caso das leucemias agudas, a rapidez de evolução exige um diagnóstico expedito e uma terapêutica igualmente veloz, uma vez que o quadro clínico pode agravar-se drasticamente em apenas semanas. Por outro lado, as variantes crônicas se desenvolvem a partir de células já maduras e em um ritmo bem mais brando, sendo frequentemente detectadas de maneira incidental durante exames de rotina. Nesses cenários, os pacientes podem ter a doença sob controle por um período prolongado com a utilização de medicações específicas, postergando ou mesmo evitando procedimentos mais invasivos.
A leucemia mieloide aguda é reconhecida como uma manifestação agressiva da doença. Ela afeta severamente o sistema imunológico do corpo, comprometendo suas defesas naturais e, portanto, demandando abordagens terapêuticas rigorosas, que incluem a quimioterapia intensiva, o uso de imunoterapia e, em determinadas situações, o transplante de medula óssea. Já a versão crônica da leucemia mieloide, que evolui de maneira consideravelmente mais gradual, tem se beneficiado de avanços significativos na medicina. Hoje, essa modalidade é tratada com elevada eficácia por meio de medicamentos que inibem a tirosina quinase, geralmente sem a necessidade de um transplante na vasta maioria dos pacientes, conforme esclarece Thiago Kaique, oncologista da Rede Mater Dei de Saúde. Esses tratamentos direcionados representam um grande salto no manejo da leucemia mieloide crônica, proporcionando uma melhor qualidade de vida e prolongando a sobrevida dos indivíduos afetados.
Além das classificações por tempo de evolução, outra diferenciação crucial na abordagem das leucemias é a distinção entre os tipos mieloide e linfoide, cada qual impactando células precursoras distintas. A leucemia mieloide atinge as células que deveriam originar os glóbulos vermelhos, as plaquetas e certos tipos de glóbulos brancos, desempenhando funções vitais no transporte de oxigênio, na coagulação do sangue e na imunidade geral do organismo. Esta é a variedade de leucemia diagnosticada em Afonso, ressaltando sua importância na narrativa. A leucemia linfoide, por sua vez, afeta especificamente os linfócitos, células altamente especializadas e integrantes chave do sistema imunológico, com responsabilidade primária pela defesa do corpo contra invasores e doenças. A compreensão precisa dessa classificação é fundamental, pois define não apenas o tratamento a ser seguido, mas também o prognóstico do paciente.
A complexidade de cada tipo se traduz em abordagens terapêuticas individualizadas. “As leucemias linfoides e mieloides possuem características intrínsecas que determinam as estratégias de tratamento e o risco associado de reincidência da doença”, detalha Joana Koury, médica hematologista e membro ativo do Comitê de Leucemias Agudas da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). Essa distinção sublinha a necessidade de diagnósticos precisos e de uma equipe médica multidisciplinar para planejar o caminho mais eficaz para cada paciente.
Os sintomas iniciais da leucemia, conforme dramatizado na novela, onde Afonso experimenta fadiga, palidez e sangramentos nasais, são amplamente reconhecidos pela comunidade médica como manifestações características da doença. No contexto real, tais sinais devem ser considerados alertas para a busca de avaliação médica especializada. A fadiga persistente e a palidez, por exemplo, são frequentemente atribuídas à anemia decorrente da redução na produção de glóbulos vermelhos saudáveis pela medula óssea comprometida. Essa condição básica de deficiência de oxigênio afeta a vitalidade e a disposição do paciente, impactando suas atividades cotidianas e o bem-estar geral.
O sangramento espontâneo, como episódios nasais ou na gengiva, juntamente com o surgimento inesperado de hematomas, são sintomas decorrentes da diminuição na contagem de plaquetas, que são células sanguíneas cruciais para o processo de coagulação. Uma medula óssea afetada pela leucemia torna-se incapaz de produzir quantidades suficientes dessas células essenciais, aumentando o risco de hemorragias. “Pequenos sangramentos, seja pelo nariz ou na gengiva, em conjunto com infecções recorrentes, servem como sintomas de alerta que motivam o paciente a procurar atendimento médico. A medula comprometida pela doença falha em gerar plaquetas e células de defesa, resultando em um aumento da propensão a sangramentos e infecções”, reitera Joana Koury (ABHH), destacando a gravidade desses indicadores.
Adicionalmente, outros indicadores podem acompanhar o quadro clínico, incluindo febre persistente e infecções de repetição, as quais apontam para um sistema imunológico debilitado, incapaz de combater adequadamente agentes patogênicos. Pacientes também podem experimentar perda de peso inexplicável, dores ósseas intensas e sudorese noturna excessiva. A maneira como esses sintomas se manifestam pode oferecer pistas importantes sobre a natureza da leucemia. Enquanto nas formas agudas esses sinais tendem a surgir de maneira súbita e intensa, nas crônicas, eles podem desenvolver-se de forma tão gradual que chegam a passar despercebidos por muitos meses, ou mesmo anos, retardando o diagnóstico inicial.
O processo de diagnóstico da leucemia inicia-se com exames laboratoriais básicos, sendo o hemograma, um exame de sangue completo, o principal indicador. Frequentemente, é nesse exame que se identificam as primeiras anomalias, como a presença de células jovens e imaturas, além de alterações na contagem dos diferentes tipos de células sanguíneas. Estas observações alertam os médicos para a possível presença de leucemia e a necessidade de investigações adicionais. Contudo, para uma confirmação definitiva da doença e, principalmente, para a identificação de seu subtipo exato, são requeridos exames mais aprofundados.
Entre os testes mais importantes está o mielograma, um procedimento que envolve a coleta e a análise de uma pequena amostra da medula óssea. Este exame permite uma avaliação microscópica detalhada das células sanguíneas em formação e a detecção de células leucêmicas. Além disso, a realização de testes genéticos e moleculares se faz essencial. Estes exames são capazes de identificar mutações genéticas específicas presentes nas células malignas, como a análise do cariótipo, que estuda os cromossomos das células. “O cariótipo e outras análises moleculares avançadas são cruciais, não apenas para categorizar o subtipo da doença, mas também para prever a resposta do paciente à quimioterapia e estimar o risco de recidiva”, explica Joana Koury, enfatizando a importância desses métodos para a personalização do tratamento.
Essa análise detalhada não só refina o diagnóstico, mas também tem um impacto direto no direcionamento terapêutico, possibilitando a escolha do protocolo mais adequado para cada paciente. O conhecimento das particularidades genéticas da leucemia permite aos médicos antecipar como o organismo reagirá a determinados tratamentos e, assim, otimizar as chances de sucesso, minimizando riscos e efeitos adversos. Este processo diagnóstico abrangente assegura que o tratamento subsequente seja o mais eficaz e direcionado possível, adaptando-se às características individuais de cada caso de leucemia, independentemente de ser mieloide, linfoide, aguda ou crônica.

Imagem: g1.globo.com
O plano de tratamento da leucemia é profundamente influenciado por uma série de fatores, incluindo o tipo específico da doença (mieloide ou linfoide, aguda ou crônica), o estágio de evolução e as condições gerais de saúde do paciente, como idade e a presença de outras comorbidades. Cada decisão terapêutica é meticulosamente individualizada, com o objetivo de maximizar a eficácia e minimizar os impactos negativos no organismo.
Entre as estratégias terapêuticas disponíveis, a quimioterapia padrão permanece como o pilar central para a maioria dos casos de leucemia. Este tratamento consiste na administração de medicamentos potentes, projetados para eliminar as células cancerosas ou inibir sua capacidade de se multiplicar. Embora fundamental para induzir a remissão da doença, a quimioterapia é frequentemente associada a efeitos colaterais consideráveis, que variam de náuseas e fadiga a queda de cabelo, em virtude de sua ação indiscriminada sobre células de rápido crescimento, incluindo as saudáveis.
Outra modalidade de grande avanço são as terapias-alvo. Esses medicamentos atuam de forma mais seletiva, visando mutações genéticas ou proteínas específicas que impulsionam o crescimento e a sobrevivência das células leucêmicas. Por sua natureza direcionada, as terapias-alvo tendem a provocar menos efeitos colaterais adversos do que a quimioterapia convencional. Sua eficácia é particularmente notável em perfis de pacientes que apresentam as mutações genéticas correspondentes, aumentando significativamente as chances de uma resposta positiva ao tratamento e promovendo uma melhor qualidade de vida durante o processo.
No cenário das abordagens mais inovadoras, a imunoterapia e as terapias celulares, como CAR-T e CAR-NK, despontam como promessas promissoras. Estas estratégias buscam modular e estimular o próprio sistema imunológico do paciente para que ele reconheça e combata eficientemente as células da leucemia. As tecnologias CAR-T e CAR-NK, que envolvem a modificação genética de células do paciente para aumentar sua capacidade de identificar e destruir células cancerosas, estão atualmente em fase de estudo para o tratamento de leucemias mieloides e representam uma das frentes mais vanguardistas na pesquisa onco-hematológica.
Especificamente para a leucemia mieloide crônica (LMC), os inibidores de tirosina quinase (ITKs) transformaram o prognóstico. Estes medicamentos orais atuam bloqueando uma proteína que serve como “motor” para o desenvolvimento e progressão da doença. Graças aos ITKs, muitos pacientes com LMC conseguem alcançar e manter uma qualidade de vida substancialmente melhorada, muitas vezes sem a necessidade de recorrer ao transplante de medula óssea. Nos últimos anos, observa Sabrina Brant, onco-hematologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, “tivemos avanços cruciais que viabilizam a criação de estratégias terapêuticas personalizadas. Para pacientes jovens com certas mutações específicas, as perspectivas de cura podem ser consideravelmente maiores”, demonstrando o potencial transformador dessas novas opções.
Para um grupo seleto de pacientes, especialmente aqueles com quadros mais complexos ou que não respondem satisfatoriamente a outras modalidades, o transplante de medula óssea é uma alternativa crucial. A medula óssea, situada no interior dos ossos – notavelmente na região do quadril, esterno e costelas – é uma “fábrica” essencial para a produção de todos os tipos de células sanguíneas: glóbulos vermelhos (responsáveis pelo transporte de oxigênio), glóbulos brancos (fundamentalmente envolvidos na defesa contra infecções) e plaquetas (que asseguram a coagulação e evitam hemorragias).
O procedimento de transplante é multifacetado e exige preparo cuidadoso. Inicia-se com a destruição da medula óssea doente do paciente, que é realizada através de ciclos intensos de quimioterapia ou, em alguns casos, de radioterapia de corpo inteiro. O objetivo é eliminar todas as células malignas e criar um ambiente propício para a nova medula. Após essa fase de erradicação, células-tronco saudáveis, provenientes de um doador compatível, são infundidas na corrente sanguínea do paciente. Essas células migram naturalmente para a medula óssea, onde se estabelecem e começam a produzir novas células sanguíneas funcionais.
No entanto, mesmo com doadores considerados 100% compatíveis, existe um risco intrínseco de rejeição. A complexidade do transplante de medula óssea é ampliada pela necessidade de o paciente utilizar medicamentos imunossupressores por vários meses. Esses fármacos são administrados com o propósito de prevenir a rejeição da medula doada pelo organismo do receptor. “É um equilíbrio extremamente delicado, pois precisamos evitar que o sistema imunológico do paciente ataque as novas células doadas, ao mesmo tempo em que evitamos deixar o organismo excessivamente vulnerável a infecções graves, dadas as defesas naturais enfraquecidas”, pondera Breno Gusmão, destacando os desafios do processo. As taxas de sucesso dependem de uma combinação complexa de fatores, incluindo o tipo de leucemia, o estado geral de saúde do paciente, a idade e a compatibilidade do doador. Apesar dos desafios, o transplante de medula óssea pode ser a única opção curativa para muitos pacientes com leucemias de alto risco.
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Encontrar um doador compatível, em especial entre os membros da própria família, é uma tarefa desafiadora. As estatísticas indicam que a chance de um irmão ser um doador ideal é de aproximadamente 25%, uma porcentagem relativamente baixa. Diante dessa realidade, a existência e a ampliação dos cadastros de doadores voluntários são de vital importância. Esses registros são mantidos em hemocentros espalhados por todo o país e representam a esperança de tratamento para milhares de pacientes que necessitam de um transplante e que não possuem um doador compatível em seu círculo familiar.
Com informações de G1
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