A Justiça determina retorno de Henrique Velozo à PM de SP em decisão provisória, após um pedido da defesa do ex-policial militar, réu no caso do homicídio do campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo, ocorrido em agosto de 2022. O ex-tenente, que havia sido demitido da corporação, terá seus vencimentos restituídos enquanto aguarda o desfecho do julgamento pela Justiça Militar.
A determinação partiu do desembargador Ricardo Dip, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que, por meio de uma decisão liminar, suspendeu os efeitos do decreto emitido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Tal decreto havia formalizado a demissão de Velozo das fileiras da Polícia Militar do estado. Adicionalmente, a decisão obriga o governo paulista e a própria Polícia Militar a retomar o pagamento do salário de V$ 14,6 mil, valor que Velozo recebia antes da cassação de sua patente pela Justiça Militar paulista. A justificativa para a liminar baseia-se na importância de aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Conselho de Justificação antes da aplicação definitiva de penalidades como a demissão e a suspensão dos vencimentos, conforme o próprio desembargador pontuou. Ricardo Dip argumentou que cessar o salário do acusado enquanto ele permanece detido e à espera de uma decisão final pode comprometer os princípios constitucionais da presunção de inocência e da irredutibilidade dos vencimentos.
Justiça determina retorno de Henrique Velozo à PM de SP
Esta medida surge no contexto de um longo processo judicial que envolve Henrique Velozo, detido no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte de São Paulo, desde o dia do crime. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o Palácio dos Bandeirantes, questionados sobre a liminar, não haviam se manifestado publicamente até a última atualização da notícia. A reintegração do ex-PM levanta discussões sobre a independência entre as instâncias penal, cível e administrativa, uma vez que o processo criminal ainda não foi concluído.
A demissão de Velozo havia sido efetivada em 22 de setembro, com a publicação no Diário Oficial de São Paulo da decisão do governador. Essa ação cumpria uma determinação prévia do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM), que em junho já havia deliberado pela perda de posto e patente do então tenente. A efetivação da demissão ocorreu mais de três anos após o crime trágico que chocou o país, em agosto de 2022, quando Henrique Velozo disparou contra a cabeça de Leandro Lo durante uma confusão em um show de pagode no Clube Sírio, localizado na Zona Sul da capital paulista. Com a demissão anterior, Velozo deixaria de receber o salário garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto os procedimentos administrativos tramitavam na Justiça Militar e na PM.
O advogado Cláudio Dalledone Jr., que representa Henrique Velozo, expressou otimismo quanto ao futuro de seu cliente. Em comunicado, Dalledone afirmou que Velozo será absolvido das acusações e, consequentemente, voltará às atividades da Polícia Militar do Estado de São Paulo, enfatizando a confiança da defesa na reversão completa do quadro judicial. Essa declaração ocorre em meio a um processo de julgamento criminal marcado por adiamentos e tensões no plenário.
Apesar de estar fora da corporação à época da demissão, o ex-policial militar ainda não teve seu destino criminal selado. O julgamento que deliberará sobre sua pena pelo assassinato foi adiado pela segunda vez em 5 de agosto, no Tribunal Criminal da Barra Funda. O motivo do cancelamento foi um embate acalorado entre os advogados de defesa e os promotores do caso. Após a saída dos jurados do plenário 6, o juiz responsável pelo caso dissolveu o júri e agendou novas datas: 12, 13 e 14 de novembro deste ano, com início às 10h, reiterando a complexidade e a controvérsia que cercam o processo.
A confusão que resultou no adiamento teve início quando o advogado Cláudio Dalledone insinuou, durante a audição de uma testemunha, que Leandro Lo estaria fumando algo com cheiro de maconha na balada onde o crime ocorreu. O promotor João Calsavara prontamente interveio, rebatendo a alegação. A testemunha em questão, o delegado João Eduardo da Silva, responsável pela condução do inquérito de homicídio, declarou em juízo que não foram apresentadas provas ou laudos que comprovassem o consumo da substância pelo lutador na noite do assassinato. O juiz advertiu ambas as partes, ressaltando que aquele não era o momento para debates, mas sim para o depoimento da primeira testemunha.
Ainda durante o depoimento do delegado, Cláudio Dalledone exibiu fotos de amigos de Leandro Lo que estavam no local do incidente, sugerindo que eles seriam “fortes e grandes”, o que, em sua narrativa, justificaria uma suposta ação em legítima defesa por parte de Henrique Velozo ao se sentir intimidado e sacar a arma. O magistrado, novamente, advertiu Dalledone, alegando que ele direcionava perguntas à testemunha que não tinha subsídio para respondê-las, já que não foi responsável pela produção de laudos técnicos do crime. Com várias perguntas da defesa indeferidas, Dalledone chegou a ameaçar deixar o plenário, argumentando sentir-se desrespeitado pelo promotor, culminando na fala: “Estou saindo do plenário. (…) Pede para o promotor de Justiça respeitar advogado”, proferida a um dos assistentes da acusação.
Após o delegado deixar o plenário, o juiz convocou uma reunião privada com o promotor e a defesa. No retorno, anunciou que as condições para prosseguir o julgamento estavam ausentes e que uma nova data seria definida. A tensão no ambiente judicial foi tamanha que um dos advogados de defesa chegou a desferir a frase: “Seus cabelos brancos não fazem jus ao seu comportamento”, direcionada ao promotor João Calsavara. Em meio a esse cenário conturbado, a família de Leandro Lo reagiu com profunda indignação. Fátima Lo, mãe do lutador, expressou sua dor ao g1, afirmando: “Só adiou o sofrimento. Fizeram circo”. Ela se emocionou ao sair do plenário, lamentando: “Me deu uma coisa ruim quando o vi, ele tem um semblante horrível: o assassino”. A mãe de Leandro Lo criticou a defesa do policial por mais uma vez tumultuar o júri, postergando a expectativa por justiça. “Quero justiça, porque está lá provado tudo o que aconteceu, mas o advogado de defesa tumultuou [o julgamento] e acabou adiando. Só adiou o meu sofrimento… está acabando comigo, isso. Porque eu estava na esperança que dia 7, três anos após a morte dele, que ele [Henrique Velozo] iria começar a pagar, cumprir a pena dele. E não foi assim. Mas a justiça ainda vai vir”, comentou a mãe.
Antes do turbulento embate judicial, o delegado do caso havia detalhado, em juízo, a sequência dos fatos pós-crime. Conforme seu depoimento, após cometer o assassinato no show, Velozo se dirigiu a uma casa noturna de prostituição e permaneceu com uma garota de programa em um motel anexo ao estabelecimento até as 16h daquele dia, sendo que o crime ocorreu às 2h da mesma data. Em seu testemunho aos jurados, João Eduardo da Silva também narrou a existência de marcas nas pálpebras de Leandro Lo, similares a chutes, que teriam sido desferidos pelo PM na cabeça do lutador após o disparo fatal.

Imagem: g1.globo.com
Previamente ao último adiamento, tanto a promotoria quanto a defesa haviam planejado apresentar aos jurados vídeos produzidos com tecnologias avançadas. A acusação utilizaria um vídeo de Inteligência Artificial (IA), enquanto a defesa, uma animação gráfica, cada um expondo sua versão dos acontecimentos da noite fatídica. Essas peças audiovisuais seriam anexadas ao processo, e onze testemunhas estavam arroladas para depor. O próprio réu seria interrogado antes de os jurados decidirem pela condenação ou absolvição, com a sentença proferida pelo juiz Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri. Henrique Velozo permanece sob prisão preventiva, sendo julgado por homicídio doloso triplamente qualificado por motivo torpe, perigo comum (expor outras pessoas a risco) e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Para o promotor João Carlos Calsavara, representante do Ministério Público (MP), a expectativa é de uma condenação a pelo menos 20 anos de prisão, devido às qualificadoras do crime. “Vou pedir a condenação com todas as qualificadoras possíveis”, declarou Calsavara ao g1, qualificando o ato como “um crime abjeto, covarde, cruel, onde a vítima foi sempre provocada. A vítima nem sabia que o acusado estava dentro daquele local e armado”. A defesa de Henrique, por outro lado, mantém que o PM agiu em legítima defesa. Velozo, à paisana e de folga, alega ter disparado para se defender de Leandro Lo, com o disparo atingindo a cabeça do lutador de 33 anos, que, embora socorrido, faleceu posteriormente. O policial fugiu após o crime, mas foi preso na sequência. Para mais detalhes sobre as implicações de liminares na esfera jurídica, consulte informações sobre decisões judiciais.
A acusação, por meio dos advogados assistentes da família de Leandro Lo, produziu um vídeo em inteligência artificial (IA) simulando a cena do crime. A representação visual exibe o PM, em roupas civis, discutindo com Leandro. Em seguida, o lutador imobiliza Henrique com um golpe de luta. Após se desvencilhar, o policial saca a arma e dispara contra Leandro. O vídeo mostra ainda o PM se aproximando da vítima já caída para chutar sua cabeça, e em seguida fugir, escondendo-se em uma casa de prostituição, onde permaneceu bebendo até sua rendição à polícia. Essa gravação com IA foi divulgada por familiares de Leandro nas redes sociais. É importante salientar que, apesar de o Clube Sírio possuir câmeras de segurança, nenhuma delas capturou o momento do crime. Um laudo da perícia conta com fotos da reconstituição do caso, elaborada com base nos depoimentos de testemunhas (o réu não participou dela), e um croqui em 3D da balada.
Em contraste, a defesa do réu também desenvolveu sua própria animação gráfica. Esse material, igualmente publicado em redes sociais por seus advogados, apresenta Leandro Lo provocando e agredindo Henrique dentro do local. Na sequência da animação, o lutador agride o PM, o que resulta na queda de Henrique ao chão. A narrativa defendida no vídeo, corroborada pelo próprio policial, sugere que o lutador teria aplicado um golpe conhecido como “baiana” e, em seguida, um “mata-leão” que fez o tenente perder a consciência. Henrique relata que, ao se levantar, pediu que Leandro parasse, mas o lutador teria avançado novamente em sua direção. Nesse instante, o policial teria sacado a arma em tom de advertência. Conforme a versão da defesa, um dos cinco amigos do lutador teria tentado retirar a arma da mão do agente, e neste movimento, o disparo ocorreu, atingindo fatalmente Leandro. Essa animação tem sido publicamente divulgada pelos advogados de defesa, com o objetivo de apresentar sua perspectiva do ocorrido.
O advogado Claudio Dalledone, responsável pela defesa de Henrique Velozo, reiterou ao g1 a intenção de utilizar a animação em computação gráfica e “quaisquer outros recursos tecnológicos que possibilitem elucidar o caso aos jurados” durante o julgamento. Ele argumentou que, nos três anos de tramitação do processo, apenas a versão da família do lutador ganhou destaque público. “Nós temos provas robustas no processo de que o meu cliente foi provocado e que Leandro Lo sempre arrumava confusões em boates e casas noturnas”, afirmou. “O julgamento será a oportunidade de nós mostrarmos que a verdade é que o tenente Velozo foi atacado primeiro, imobilizado e chegou a perder a consciência com o mata-leão que foi aplicado no meio da festa, como mostra a animação digital que nós preparamos para usar no julgamento.” O advogado concluiu que seu cliente agiu em legítima defesa e que a verdade será restabelecida. Dalledone também planeja apresentar vídeos que demonstram Leandro Lo em brigas anteriores fora de torneios de jiu-jítsu, para reforçar seu argumento sobre o comportamento do lutador. No julgamento, o promotor João Calsavara terá o apoio dos advogados Adriano Salles Vanni, Julia Mariz, Cecilia Souza, William Carmona e Roselle Adriane Soglio, contratados pela família de Leandro como assistentes de acusação.
A cronologia do caso também aponta que o julgamento do PM que matou Leandro Lo, inicialmente agendado para maio de 2025, foi adiado. A defesa do policial obteve uma liminar alegando cerceamento de defesa, o que levou à postergação do júri. Anteriormente, em junho do ano em curso, o Tribunal de Justiça Militar (TJM) havia decidido que Henrique Velozo deveria ser despojado de seu posto e patente de tenente. À época, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) havia comunicado a intenção de acatar a decisão. Entretanto, procurada recentemente, a pasta informou que, até aquele momento, não havia ocorrido publicação oficial referente à perda de posto e patente de Velozo. Conforme a defesa, ele ainda mantinha o recebimento de salário, no valor de R$ 10 mil, pela corporação, justificando que o processo em curso na Justiça Militar ainda não havia sido finalizado.
Leandro Pereira do Nascimento Lo, conhecido como Leandro Lo, foi uma figura proeminente no cenário mundial do jiu-jítsu, com um legado de oito títulos mundiais. Sua primeira grande conquista na categoria peso-leve ocorreu em 2012, enquanto seu último título foi em 2022, na categoria meio-pesado, poucos meses antes de sua trágica morte. Em suas próprias palavras, publicadas em redes sociais dois meses antes do ocorrido, Lo descrevia esses dois títulos como as realizações mais significativas de sua carreira. “O primeiro [título] é a sensação de conseguir ser campeão mundial, esse foi eu ainda consigo ser campeão mundial, as duas melhores sensações da minha vida. Obrigado todos que estão sempre comigo na alegria na tristeza!”, postou ele em uma recordação dos aniversários de suas vitórias mundiais, expressando gratidão e emoção pela trajetória que construiu no esporte.
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A decisão da Justiça de São Paulo de reintegrar Henrique Velozo à Polícia Militar até a conclusão do julgamento militar adiciona um novo capítulo a este caso de grande repercussão, que continua a gerar debates e emoções. Acompanhe a nossa editoria de Política para se manter informado sobre este e outros desdobramentos jurídicos e de segurança pública em São Paulo e no Brasil.
Foto: Reprodução/Instagram
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