Jeremy Allaire da Circle Navega Febre das Stablecoins em meio a um cenário de desafios e uma acirrada competição no mercado cripto. O CEO de 54 anos da Circle, uma das mais influentes companhias no setor de stablecoins, tem vivenciado um período de grandes transformações. Após a valorização da empresa por meio de sua oferta pública inicial (IPO) em junho deste ano, impulsionando a recente onda de IPOs no segmento, Allaire viu sua fortuna pessoal atingir o patamar de bilionário. Contudo, apesar do sucesso aparente, a jornada de Allaire está longe de ser tranquila, com a empresa enfrentando questionamentos em múltiplas frentes.
A Circle, que desempenha um papel fundamental na economia digital por meio de sua principal stablecoin, a USDC, enfrenta um fogo cruzado constante. Em um ambiente de competição intensificada, as estratégias de Allaire são postas à prova. Uma significativa parcela da receita da companhia encontra-se ameaçada pela queda global das taxas de juros, um fator externo que impacta diretamente a rentabilidade do seu modelo de negócios baseado no investimento de reservas. Para agravar o cenário, sua principal concorrente, a Tether, que ostenta maior lucratividade e um valor de mercado superior com a USDT, sinaliza seu retorno ao mercado norte-americano, desafiando a hegemonia da Circle em seu próprio terreno de origem.
Jeremy Allaire da Circle Navega Febre das Stablecoins
A posição de Jeremy Allaire como pioneiro no campo das moedas digitais não o isenta de resistências. Bancos tradicionais veem Allaire e as stablecoins com desconfiança, temendo uma potencial migração de depósitos do sistema bancário convencional para o universo das criptomoedas, o que poderia alterar significativamente a dinâmica financeira. Surpreendentemente, até mesmo figuras influentes dentro do ecossistema cripto tradicional manifestam reservas quanto à sua abordagem. Frequentemente, Allaire é percebido como o executivo de postura formal e terno, destoando do perfil mais informal e descentralizado que domina as conferências de desenvolvedores com seus moletons e linguagens mais libertárias. A insistência de Allaire em buscar a regulamentação e colaborar com legisladores para o estabelecimento de diretrizes contraria a ideologia predominante em uma indústria que frequentemente celebra o anonimato e a subversão do sistema financeiro convencional, um caminho estrategicamente diferente da cultura Bitcoinista, segundo Cory Klippsten, presidente da plataforma Swan Bitcoin, que vê o foco de Allaire na integração cripto-fiduciária como um contraste ao objetivo de separação do dinheiro do Estado, defendido pelo Bitcoin.
Apesar das críticas e do ceticismo, Jeremy Allaire mantém-se inabalável em sua convicção de que sua metodologia e o posicionamento da Circle resultarão vitoriosos no longo prazo. A apresentação dos resultados da empresa, aguardada para esta quarta-feira (12), oferece uma nova oportunidade para o CEO de solidificar a eficácia de sua estratégia. Em uma entrevista, Allaire ressaltou a necessidade de uma convicção profunda e uma base moral sólida para persistir no que ele considera uma missão. “Você vai enfrentar retrocessos, todos vão dizer que está errado, que vai fracassar. Para mim, isso não é apenas uma ideia de negócio. Estou fazendo isso porque acredito, literalmente, que isso vai melhorar o mundo”, afirmou Allaire, enfatizando a força de sua visão pessoal.
A trajetória de Jeremy Allaire à frente da Circle, co-fundada em 2013, tem sido marcada por uma série de altos e baixos e reviravoltas estratégicas. Inicialmente, a empresa operava como uma plataforma de pagamentos focada na rede Bitcoin. Contudo, ao longo dos anos, ela passou por várias redefinições de seu foco operacional, o que incluiu momentos de quase falência. Um episódio crítico foi o congelamento de recursos durante o colapso do Silicon Valley Bank, o que forçou Allaire a tomar medidas drásticas como a venda de ativos e o corte de centenas de empregos para assegurar a continuidade das operações essenciais da USDC. “Ninguém acreditava em mim”, relembrou Allaire sobre esse período conturbado, adicionando que precisou “tirar muitos coelhos da cartola” para superar os obstáculos.
O Modelo de Negócios e os Ventos Contrários no Mercado de Stablecoins
Atualmente, os maiores desafios de Allaire não giram em torno da mera sobrevivência da Circle, mas sim da comprovação de sua capacidade de crescimento sustentável em um mercado cada vez mais apertado. Emissores de stablecoins, como a Circle, geram receita primordialmente ao investir suas reservas – em sua maioria denominadas em dólares – em ativos financeiros de curto prazo e alta liquidez, como os títulos do Tesouro americano. Com a previsão de queda das taxas de juros, a rentabilidade por dólar investido nessa estratégia tende a diminuir, mesmo que o volume bruto de receitas possa se expandir devido ao aumento do volume total de stablecoins em circulação. Um acordo de divisão de receitas entre Allaire e a Coinbase, que se tornou um pilar de sua operação, tem um impacto significativo nos lucros da Circle. No segundo trimestre, por exemplo, as taxas de distribuição pagas, majoritariamente à Coinbase, foram mais de três vezes superiores ao lucro ajustado da Circle, que atingiu US$ 126 milhões no mesmo período. Em contraste, a Tether, que não se submete ao mesmo rigor de regras e auditorias, reportou um lucro colossal de US$ 4,9 bilhões nesse intervalo.
A disparidade na lucratividade entre as duas gigantes do setor é acentuada pelo fato de a USDT da Tether ter sido lançada anos antes da USDC da Circle e de possuir uma capitalização de mercado muito maior, totalizando US$ 183 bilhões frente aos US$ 76 bilhões da sua concorrente. Isso gera um volume de receita significativamente superior para a Tether. Adicionalmente, a Tether mantém ligações com a Cantor Fitzgerald, uma empresa anteriormente liderada pelo atual secretário de Comércio, Howard Lutnick, o que indica um ambiente de interconexões políticas e financeiras no alto escalão. Um novo entrante, a World Liberty Financial, por sua vez, exibe conexões com a influente família Trump. A Tether e a World Liberty estão entre centenas de outras empresas que vislumbram uma fatia no crescente e lucrativo mercado de stablecoins, conforme observado por Allaire em uma recente teleconferência de resultados, onde descreveu o setor como um “mercado onde o vencedor leva quase tudo”. A relevância do mercado e suas ramificações para o sistema financeiro tradicional continuam sendo temas de discussão acalorada. No Brasil, por exemplo, as discussões sobre a regulamentação das moedas digitais ganham força, como observado em debates no congresso e setores da mídia. Para entender mais sobre este cenário regulatório, clique aqui e acesse uma análise sobre o tema.

Imagem: Michael Nagle via valor.globo.com
Ampliando as Fontes de Receita e o Ceticismo de Wall Street
Diante desse cenário desafiador, Jeremy Allaire tem se empenhado em diversificar as fontes de receita da Circle para além da gestão de reservas de stablecoins, buscando inovar em novos segmentos do mercado cripto. Suas iniciativas recentes incluem o desenvolvimento de uma blockchain própria, o estabelecimento de uma rede de pagamentos avançada e a criação de um fundo de mercado monetário tokenizado, cada uma projetada para capturar novas oportunidades de crescimento e resiliência. No entanto, essas ações são vistas com certo ceticismo por analistas de Wall Street, que questionam a real capacidade de diferenciação da Circle em um ecossistema já saturado. De acordo com o analista Dan Dolev, da Mizuho Securities, a Circle ainda se apresenta como “apenas mais uma stablecoin, nada de especial”. Dolev considera as ações da empresa “supervalorizadas” e adota uma postura de venda para o papel, sendo um dos quatro analistas que recomendam a alienação das ações da Circle. Em contrapartida, 11 analistas aconselham a compra e 10 recomendam a manutenção dos papéis, demonstrando uma divisão de opiniões no mercado. As ações da Circle são negociadas atualmente na faixa de US$ 104, um valor significativamente acima dos US$ 31 registrados no IPO, mas representando menos da metade do pico atingido após sua estreia no mercado. A avaliação de mercado da Circle, em US$ 24 bilhões, palidece em comparação com a avaliação de US$ 500 bilhões implícita na nova rodada de captação de recursos da Tether, ilustrando a intensa competitividade e a discrepância entre os valores de mercado das líderes do setor.
A Jornada Pessoal de Allaire e o Legado Profissional
Embora Jeremy Allaire já tenha conduzido outras duas empresas ao sucesso em aberturas de capital – a desenvolvedora de software Allaire Corp. e a plataforma de vídeo Brightcove –, a Circle certamente representará seu principal legado no universo tecnológico e financeiro. Sua profunda inclinação para a tecnologia se manifestou desde a infância, passada em Winona, Minnesota, cidade para a qual sua família se mudou quando ele tinha aproximadamente 11 anos. Allaire e seu irmão, JJ, dedicavam-se a programar códigos em linguagem de máquina em seus computadores rudimentares, criando jogos com um nível de precisão obsessivo. “Se você errasse uma letra, nada funcionava”, recorda ele. Na juventude, Allaire estava plenamente imerso na efervescência da internet, chegando a colaborar com o ativista político Noam Chomsky na digitalização de suas obras. Depois, diversas startups surgiram em sua trajetória empreendedora. Logo após deixar a Brightcove, Allaire fundou a Circle junto a seu amigo Sean Neville, com a ambição clara de revolucionar o sistema financeiro. “Queríamos, no fim das contas, criar um novo tipo de sistema financeiro”, relembra Neville.
A fortuna pessoal de Jeremy Allaire é estimada em US$ 2,1 bilhões, conforme o Bloomberg Billionaires Index, valor que advém majoritariamente de sua participação na Circle. Embora seja consideravelmente menor do que os US$ 5,6 bilhões de Paolo Ardoino, CEO da Tether, seu patrimônio é comparável ao de figuras proeminentes do cenário corporativo global, como Tim Cook da Apple e Larry Fink da BlackRock. Allaire, que declara ter sido educado sob valores progressistas devido à atuação de seus pais em assistência social e ativismo, não disfarçou o entusiasmo ao cumprimentar Donald Trump na Casa Branca. Esse encontro ocorreu durante a assinatura do GENIUS Act, a legislação que estabeleceu o marco regulatório federal para as stablecoins. “Fazer parte disso foi extraordinariamente gratificante e empolgante”, declarou Allaire. “O simples ato de assinar uma lei e poder ser um protagonista importante foi um dos momentos mais significativos da minha vida.” Apesar de seus registros públicos indicarem apoio majoritário a democratas ao longo do tempo, a Circle realizou uma doação de US$ 1 milhão para o comitê inaugural de Trump.
Novo Foco Pessoal e Visão Futura
Nos últimos anos, Jeremy Allaire iniciou uma fase de intenso foco em sua saúde e bem-estar. Essa transformação incluiu o abandono do álcool, uma dedicação a uma alimentação mais equilibrada e a garantia de um sono regular, com cerca de sete horas por noite, monitorado por um aplicativo de bem-estar. Colegas e ex-funcionários o descrevem como um líder gentil, porém altamente exigente, um chefe que mantém a calma, sem manifestar agressividade. Apesar de não prolongar seu expediente no escritório até altas horas, Allaire demonstra um alto nível de conectividade, respondendo rapidamente a mensagens a qualquer momento. Um ex-colaborador relatou ter participado de uma reunião estratégica durante uma caminhada em uma floresta, evidenciando seu estilo de liderança flexível. Com o horizonte sempre em mente, Allaire já está delineando os próximos passos. “Construir a camada monetária da internet foi a ideia 1.0”, afirmou. “Chegamos lá, isso está acontecendo. Há uma 2.0 e uma 3.0 — e estou pensando em todas elas”, revelou, apontando para uma visão contínua de inovação e evolução da Circle e do futuro do dinheiro digital.
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Em suma, a trajetória de Jeremy Allaire com a Circle e sua imersão na “febre das stablecoins” é um estudo de caso sobre inovação, resiliência e a complexa intersecção entre tecnologia disruptiva e o sistema financeiro tradicional. A batalha contra concorrentes como a Tether, os desafios econômicos e a necessidade de regulamentação contínua moldam o futuro da Circle. Para mais análises e notícias aprofundadas sobre o panorama econômico e o mercado de criptoativos, continue explorando nossa editoria de Economia no blog Hora de Começar e mantenha-se atualizado com as últimas tendências e desenvolvimentos.
Crédito da Imagem: Valor Econômico
