Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

PUBLICIDADE

Jane Goodall: Ícone da Primatologia Morre Aos 91 Anos

A lendária primatologista Jane Goodall, cuja vida foi dedicada a desvendar a intrincada existência dos grandes macacos e redefinir a compreensão humana sobre o reino animal, faleceu em outubro de 2025, aos 91 anos. Considerada uma das últimas grandes figuras autodidatas a revolucionar a ciência, a cientista britânica deixa um legado indelével que moldou a […]

A lendária primatologista Jane Goodall, cuja vida foi dedicada a desvendar a intrincada existência dos grandes macacos e redefinir a compreensão humana sobre o reino animal, faleceu em outubro de 2025, aos 91 anos. Considerada uma das últimas grandes figuras autodidatas a revolucionar a ciência, a cientista britânica deixa um legado indelével que moldou a paleoantropologia e a conservação mundial, demonstrando a profundidade da inteligência e comportamento dos chimpanzés.

Sem formação acadêmica inicial, Goodall conquistou o mundo com suas descobertas inovadoras realizadas em Gombe, Tanzânia, a partir de 1960. Seus estudos revelaram a capacidade dos grandes símios de fabricar e utilizar ferramentas, exibir personalidades distintas, caçar de maneira organizada e até mesmo engajar-se em confrontos interespecíficos – traços que antes eram considerados exclusivos da humanidade. Suas observações pioneiras desmistificaram fronteiras entre espécies, sublinhando a enorme proximidade comportamental e cognitiva entre chimpanzés e seres humanos.

Jane Goodall: Ícone da Primatologia Morre Aos 91 Anos

O impacto de Jane Goodall estendeu-se muito além de suas expedições. Ela se tornou a base para o estudo de campo contínuo mais prolongado de uma comunidade animal, com pesquisas em Gombe que persistiram ininterruptamente por décadas, chegando aos dias atuais. Como maior defensora global dos chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, a pesquisadora incansavelmente advogou pela preservação dessas espécies e pela defesa de direitos individuais análogos aos humanos. Nascida Valerie Jane Morris-Goodall em 3 de abril de 1934, no bairro londrino de Hampstead, sua paixão por animais foi alimentada desde a infância, destacando-se o presente de seu pai, Mortimer, um chimpanzé de pelúcia chamado Jubilee, e o inabalável apoio de sua mãe, Margaret, que a incentivou a perseguir seu sonho africano, mesmo diante de recursos limitados.

Em um depoimento presente no documentário “Jane: A Mãe dos Chimpanzés”, dirigido por Brett Morgen, a própria Jane Goodall revelou que as restrições financeiras familiares tornaram a universidade uma impossibilidade inicial. No entanto, sua visão de explorar o continente africano e documentar sua rica fauna impulsionou-a a trabalhar como garçonete, economizando diligentemente até conseguir comprar uma passagem para o Quênia em 1957. Essa jornada marcou o início de uma carreira que redefiniria a zoologia e a etologia.

Em solo africano, Goodall encontrou o proeminente paleoantropólogo Louis Leakey (1903-1972), que à época já era uma figura respeitada nos estudos sobre a evolução humana. Leakey buscava iniciar uma pesquisa de longo prazo sobre o comportamento de chimpanzés na África Oriental, acreditando que a espécie forneceria um modelo excepcional para decifrar as origens da linhagem humana. A profunda convicção e o entusiasmo de Goodall persuadiram Leakey a confiar-lhe essa crucial missão de campo. Ele considerou o potencial dela para um projeto tão ambicioso.

Após um período de treinamento supervisionado por renomados especialistas como o primatólogo Osman Hill e o paleoantropólogo John Napier, em Londres, Leakey garantiu o financiamento necessário para que Jane iniciasse suas observações em Gombe. Como medida de segurança e apoio prático, foi estabelecido que sua mãe permaneceria com ela no acampamento nos primeiros anos de sua pesquisa inovadora.

As etapas iniciais do projeto foram marcadas por dificuldades. Embora cativada pela biodiversidade tropical da região, Jane Goodall encontrou resistência dos chimpanzés, que permaneciam distantes e ariscos, dificultando a realização de observações detalhadas. Somente com a utilização de binóculos era possível algum acompanhamento dos animais, mas isso não permitia uma interação profunda ou a coleta de dados comportamentais mais íntimos.

O cenário começou a se transformar de forma decisiva quando a pesquisadora conquistou a confiança de um chimpanzé macho adulto, a quem carinhosamente apelidou de David Greybeard (“Barba-cinzenta”). Este indivíduo, conhecido por sua índole tranquila, tornou-se fundamental para as primeiras observações aprofundadas do grupo – a prática de batizar os animais, em vez de apenas numerá-los, era incomum à época, mas se popularizou graças à influência de Goodall. Paralelamente a essa conexão, um cacho de bananas deixado acidentalmente no acampamento atraiu os macacos para uma proximidade inédita com os humanos. A partir desse incidente, as bananas foram estrategicamente usadas para acelerar a “habituação” dos animais à presença humana. Embora eficaz, essa prática gerou críticas de outros pesquisadores, que argumentavam que a intervenção alimentar poderia distorcer o comportamento natural dos símios, gerando conflitos por monopolização. Goodall, todavia, desenvolveu métodos de distribuição paulatina para mitigar esses problemas.

Com essa aproximação, o estudo ganhou novo ímpeto. Jane passou a meticulosamente documentar comportamentos inéditos, como a engenhosa preparação de galhos sem folhas, utilizados pelos chimpanzés para “pescar” cupins em seus ninhos. Ela também observou o processo complexo de socialização dos filhotes em diversas gerações do bando e a tática coordenada de caça aos colobos, macacos menores (parentes distantes dos grandes símios), que eram subsequentemente consumidos pelos chimpanzés. A descoberta da fabricação de ferramentas, em particular, provocou assombro no meio científico, uma vez que a capacidade era então creditada como uma exclusividade humana. Diante das evidências, Louis Leakey reagiu com a famosa frase: “Agora, ou vamos ter de redefinir o que é o homem, redefinir o que é uma ferramenta ou aceitar que os chimpanzés são humanos!”. Para aprofundar a compreensão sobre os importantes elos que conectam nossa espécie aos primatas, você pode consultar o verbete sobre Louis Leakey em pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Leakey.

A riqueza dos dados coletados em Gombe possibilitou que Goodall obtivesse sua qualificação acadêmica. Ela foi aceita para iniciar um doutorado na prestigiada Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mesmo sem ter concluído uma graduação, e finalizou sua pesquisa em 1966. Para dar continuidade e expandir o trabalho de conservação, ela fundou o Instituto Jane Goodall, uma organização dedicada à pesquisa, à preservação de ecossistemas e à educação ambiental, notadamente por meio do programa “Roots & Shoots” (“Raízes e Brotos”), que busca conscientizar crianças e jovens sobre questões ecológicas.

Sua vida pessoal foi marcada por dois casamentos. O primeiro, com o fotógrafo e documentarista Hugo van Lawick, um membro da nobreza holandesa, durou dez anos e resultou no nascimento de seu único filho, também batizado Hugo e apelidado “Grub”. Após o divórcio em 1974, Jane se casou com Derek Bryceson, que à época ocupava o cargo de diretor dos parques nacionais da Tanzânia; Bryceson faleceu em 1980. Seu filho “Grub” Goodall também escolheu a África como residência, depois de completar seus estudos no Reino Unido, e presentou a primatologista com três netos.

Em uma entrevista concedida à Folha em 2023, durante sua visita a São Paulo, Jane Goodall expressou uma visão serena sobre o futuro. Ao repórter Phillippe Watanabe, ela confidenciou que sua próxima grande “aventura” seria a morte, impulsionada pelo desejo de descobrir o que sucede a ela. “Pode ser nada, e tudo bem. Mas eu acredito que há algo”, declarou na ocasião. Ela finalizou com uma reflexão poderosa sobre seu propósito: “Eu acredito que estou fazendo o que eu fui colocada neste planeta para fazer. Estou dando o meu melhor.”

No cenário literário, das diversas obras publicadas por Goodall ao longo de sua prolífica carreira, apenas “O Livro da Esperança”, coescrito com Douglas Abrams e Gail Hudson e lançado em 2023, encontra-se disponível no Brasil para os leitores que desejam aprofundar-se em suas filosofias.

Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista

O falecimento de Jane Goodall marca o fim de uma era para a ciência, mas seu trabalho e paixão continuarão a inspirar gerações. Seus estudos não só transformaram a compreensão da primatologia, como também catalisaram o movimento de conservação, deixando um chamado atemporal para proteger o planeta e suas criaturas. Para se manter atualizado sobre outras histórias inspiradoras no mundo da ciência, política e sociedade, continue acompanhando a editoria de Análises em nosso portal.

Crédito da imagem: Joel Saget /AFP

Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Leia mais

PUBLICIDADE

Plataforma de Gestão de Consentimento by Real Cookie Banner