Um estudo inovador, realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP), destaca que o isolamento social está intrinsecamente ligado ao agravamento da dor crônica em mulheres. A pesquisa, desenvolvida na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, lançou luz sobre as distintas formas como camundongos machos e fêmeas percebem tanto a dor prolongada quanto o distanciamento social, com implicações significativas para a compreensão e o tratamento da dor no sexo feminino.
Concebida durante o período da pandemia de Covid-19, a investigação é resultado de um esforço dedicado de pesquisadores que buscam preencher lacunas históricas na medicina. A doutoranda Ana Cláudia Braga Dias é a idealizadora da pesquisa, enquanto a Dra. Daniela Baptista de Souza atuou como orientadora do trabalho, evidenciando a colaboração acadêmica no desenvolvimento científico.
Isolamento Social Agrava Dor Crônica em Mulheres, Diz Estudo
A Dra. Daniela Baptista de Souza enfatiza que grande parte dos medicamentos hoje disponíveis para o tratamento da dor crônica frequentemente não apresenta eficácia adequada em mulheres. Esta deficiência é atribuída, em parte, a uma aversão prévia ao uso de fêmeas em pesquisas de neurociência, que perdurou até alguns anos atrás. Acreditava-se, erroneamente, que as variações hormonais inerentes ao ciclo feminino poderiam introduzir interferências nos resultados analíticos, uma premissa que limitou o avanço da medicina personalizada por gênero.
“Do ponto de vista biológico, já foi demonstrado, por exemplo, em modelos experimentais, que as fêmeas tendem a exibir respostas mais intensas a estímulos dolorosos do que os machos”, esclarece a pesquisadora. Essa constatação sublinha a necessidade imperativa de fomentar protocolos experimentais que não se restrinjam a apenas um gênero, mas que considerem ambos os sexos para uma compreensão mais completa da fisiologia da dor.
Segundo Ana Cláudia Braga Dias, os resultados obtidos com este estudo representam um marco potencial para o desenvolvimento de terapias mais direcionadas e eficientes para o público feminino. Um dos exemplos mais evidentes da relevância desta descoberta reside no tratamento da fibromialgia, uma síndrome dolorosa crônica que acomete mulheres em uma proporção até sete vezes maior do que homens. A escassez de medicamentos específicos para dor crônica, com a maioria testada exclusivamente em modelos masculinos, ressalta a importância e o potencial de impacto desta pesquisa para a saúde da mulher.
Os achados da pesquisa alinham-se à crescente compreensão de que a dor crônica, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS), é um fenômeno complexo, influenciado por fatores biológicos, psicológicos e sociais. A interconexão entre o estado social e a percepção da dor crônica nas mulheres foi um dos focos da investigação na Unesp, que também observou uma diminuição na concentração de ocitocina, um hormônio frequentemente associado ao bem-estar e às interações sociais, em camundongas submetidas ao isolamento.
Compreendendo a Metodologia Detalhada da Pesquisa
A fase inicial da investigação concentrou-se na avaliação dos impactos do isolamento em camundongos. Para tanto, os animais foram meticulosamente divididos em quatro grupos distintos, possibilitando uma análise comparativa dos efeitos. Dentre esses grupos, alguns animais foram mantidos em isolamento social, enquanto outros permaneceram em um ambiente socialmente enriquecido. Adicionalmente, dentro de cada uma dessas condições, uma parte dos camundongos foi submetida a uma cirurgia que provocava uma lesão em um nervo, enquanto a outra parcela passou por um procedimento mais simples, que não causava qualquer tipo de dano neural.
A percepção da dor foi mensurada utilizando dois parâmetros essenciais: um sensorial e outro emocional. No aspecto sensorial, os pesquisadores aplicaram estímulos leves nas patas dos animais, permitindo mensurar a pressão exata que desencadeava uma reação de desconforto. No critério emocional, a equipe realizou uma análise detalhada da expressão facial dos camundongos, um indicador comportamental de sofrimento. A avaliação abrangente garantiu que as respostas dos animais à dor fossem observadas sob múltiplas perspectivas.
Os resultados confirmaram as expectativas de que os animais submetidos à cirurgia, que resultou em lesão nervosa, se tornaram mais sensíveis à dor. Contudo, um achado particularmente relevante e inesperado capturou a atenção da equipe: o isolamento social amplificou a sensibilidade à dor em camundongos, tanto machos quanto fêmeas, que não haviam sofrido qualquer lesão física. Este dado sugere uma correlação direta entre o estado social e a modulação da percepção da dor, mesmo na ausência de um dano tecidual direto.
Em um aprofundamento desta descoberta, a Dra. Daniela Baptista de Souza revelou que “nesses testes, houve uma piora das expressões nas fêmeas isoladas, demonstrando que o isolamento social tem o potencial de aprofundar o sofrimento nestas fêmeas de forma mais acentuada do que nos machos”. Além disso, a pesquisa registrou que as fêmeas mantidas isoladas levaram um tempo consideravelmente maior para se recuperar do procedimento mais simples, superando as previsões iniciais. Esse retardo na recuperação é um indicativo adicional dos efeitos negativos profundos que o isolamento pode provocar no bem-estar fisiológico feminino. As conclusões foram oficialmente publicadas na renomada revista científica *European Journal of Pain*, neste mês de setembro.
Queda da Ocitocina e o Impacto no Bem-estar Feminino
Em uma etapa posterior do estudo, o grupo de pesquisadores confirmou a diminuição notável dos índices de ocitocina nas fêmeas expostas ao isolamento. A ocitocina, conhecida popularmente como “hormônio do amor” ou do bem-estar, quando em declínio, gerou consequências diretas e preocupantes: uma acentuada diminuição do bem-estar geral das fêmeas, acompanhada por um aumento significativo nos níveis de ansiedade e estresse. Este mesmo padrão, crucialmente, não foi observado nos camundongos machos, sublinhando uma resposta específica do gênero feminino ao isolamento.

Imagem: g1.globo.com
“Constatamos que as fêmeas isoladas, independentemente de terem passado ou não pela lesão crônica, apresentaram uma diminuição na expressão dos receptores da ocitocina”, detalha Ana Cláudia. Para as fêmeas, essa alteração na expressão dos receptores hormonais parece ser um fator determinante na modulação de sua resposta ao ambiente e à dor. Diferentemente, nos machos, essas variações na expressão dos receptores de ocitocina não foram evidentes.
As conclusões acerca da ocitocina foram alcançadas após uma série de testes que avaliaram diversas características dos camundongos, incluindo a manifestação de falta de interesse e o grau de estresse durante a realização de atividades cotidianas. O estudo, ao abordar essa distinção de gênero, também desafia a crença popular de que as mulheres seriam intrinsecamente mais “tolerantes” à dor.
“O que observamos, talvez, não seja especificamente uma maior tolerância da mulher à dor, mas sim a capacidade evolutiva que as mulheres desenvolveram para reconhecer esse estímulo de maneira mais apurada do que os homens”, pondera Daniela Baptista de Souza. Ela complementa que “as mulheres estão mais suscetíveis a ter respostas mais exacerbadas à dor quando experimentam uma vida social empobrecida e se encontram em isolamento social”. Esta perspectiva reformula o entendimento da resiliência feminina à dor, ligando-a fortemente ao contexto social e emocional.
Relevância Humana: Da Bancada à Clínica
Atualmente, o foco da pesquisa migrou para uma fase de translação, buscando validar se as dinâmicas e efeitos observados em camundongos podem ser replicados e se manifestam de maneira similar em seres humanos. Os experimentos estão sendo conduzidos ativamente pela pesquisadora Daniela Souza, em colaboração com diversos parceiros na renomada Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Este trabalho crucial está sendo viabilizado por meio da doação de tecidos humanos, especificamente de pacientes que sofriam de dor crônica, o que permite uma análise mais direta e relevante para a saúde humana. A equipe tem a expectativa de que os resultados destes testes adicionais e de sua aplicação em modelos humanos sejam publicados nos próximos meses, representando um avanço significativo na área da dor.
“Hoje não estamos mais no auge da pandemia, mas muitas pessoas ainda permanecem em um estado de reclusão. Considero que é um alerta importante para todos nós refletirmos sobre essa questão […] e sobre o quanto isso pode diferir entre as mulheres, em particular”, adverte a Dra. Daniela. O estudo da Unesp acontece com o apoio financeiro obtido pela orientadora por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em um financiamento concedido em 2023. “É de extrema importância estudar como este sistema funciona e identificar alvos terapêuticos que sejam seguros tanto para mulheres quanto para homens. Valorizamos muito o estudo das fêmeas, pois, por um longo período, elas foram sistematicamente negligenciadas na pesquisa médica”, conclui Ana Cláudia.
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A investigação da Unesp oferece uma nova e fundamental perspectiva sobre a inter-relação entre o isolamento social e o agravamento da dor crônica em mulheres, um conhecimento vital para o aprimoramento de abordagens terapêuticas. Este artigo visa manter você atualizado sobre os avanços científicos mais importantes. Para mais informações sobre ciência, saúde e qualidade de vida em suas cidades, continue acompanhando as notícias em Nosso Site.
Crédito da imagem: Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara


