Em um período de quatro anos sem muitas Ofertas Públicas Iniciais de Ações (IPOs) tradicionais na Bolsa de Valores brasileira, o IPO reverso emergiu como uma estratégia viável e cada vez mais utilizada por empresas que desejam ter seus papéis negociados no pregão. Essa abordagem alternativa envolve a aquisição ou fusão de uma empresa não listada com uma já existente na Bolsa, que então herda o registro para negociar suas ações publicamente. Esta movimentação no Mercado de Capitais reflete a busca por agilidade e inovação em um cenário que exige novas estratégias de entrada para as companhias na B3, como pontuam especialistas.
De acordo com Gustavo Rugani, sócio e chefe da área de Mercado de Capitais no escritório de advocacia Machado Meyer, essa operação consiste em uma empresa que, ao invés de realizar um IPO tradicional, une-se a outra já registrada na Bolsa, passando a usufruir de tal registro. Tal transação pode ocorrer entre companhias de setores semelhantes ou totalmente distintos, o que implica em uma potencial mudança do objeto de negócio da entidade já listada. Embora a principal finalidade seja a listagem, e não apenas uma aquisição de negócio convencional, o processo funciona como uma operação de fusão ou aquisição.
IPO Reverso: Alternativa à Listagem Cresce na B3
Rugani salienta que, embora o instrumento do IPO reverso não seja uma inovação, o seu uso para listar companhias com uma atuação significativamente diferente da original é um fenômeno mais recente no cenário brasileiro. Muitas das últimas operações observadas seguiram este modelo, que une negócios aparentemente díspares, indicando uma evolução na forma como as empresas acessam o mercado de ações. A tendência, portanto, é a exploração de nichos de mercado por meio de entidades já consolidadas na B3.
Um exemplo notável recente é a OranjeBTC, uma empresa focada em tesouraria de bitcoin e educação financeira, que garantiu sua entrada na B3 ao adquirir o tradicional cursinho pré-vestibular Intergraus. A listagem do Intergraus, anterior à sua venda pela controladora Bioma Educação, foi um requisito para a concretização da transação. Com a integração, a OranjeBTC pretende impulsionar a adoção do padrão bitcoin na América Latina, e o Intergraus torna-se uma peça fundamental na sua plataforma educacional. Contudo, a operação do cursinho pré-vestibular possui garantia até o final de 2025.
Em outro caso emblemático ocorrido no ano passado, a holding Fictor, com atuação em múltiplas frentes, e a Aqwa Capital, adquiriram a Atom Empreendimentos e Participações. Anteriormente listada e ativa como mesa proprietária para operações e treinamento de operadores no mercado, a Atom foi reconfigurada, resultando na introdução da Fictor Alimentos na B3. Essa nova entidade passará a operar no segmento de proteína animal, ilustrando uma transformação completa não só de nome, mas também do objeto social da empresa que já tinha capital aberto.
Maiara Madureira, sócia nas áreas de Companhias Abertas e Mercado de Capitais do escritório Demarest Advogados, afirma que não existem proibições específicas para que este tipo de transação ocorra. O procedimento é semelhante a uma compra e venda comum, exigindo que os acionistas das companhias envolvidas alcancem um acordo, obtenham aprovações nas instâncias internas pertinentes e sigam todas as regulamentações aplicáveis, sem limitações explícitas ao tipo de negócio envolvido.
Geralmente, as transações de IPO reverso são realizadas por meio de um acordo mútuo entre os acionistas das empresas. No entanto, é possível que tais operações derivem de aquisições hostis, onde o controle de uma empresa é tomado sem o consentimento da companhia-alvo. O exemplo da Reag Investimentos, que acessou a Bolsa comprando a Getninjas por meio de aquisições de ações no mercado e, subsequentemente, uma Oferta Pública de Aquisição (OPA), é ilustrativo. Nesse processo, a plataforma de serviços Getninjas foi sucedida por uma gestora de fundos. Todavia, conforme observa Madureira, as operações de IPO reverso mediadas por acordo são as mais comuns.
Gustavo Rugani traça uma analogia peculiar para descrever o IPO reverso que une empresas de setores totalmente distintos: o “jabuti”. No universo político, um “jabuti” refere-se à inserção de um tema alheio em um projeto de lei. Citando o adágio popular de que “jabuti não sobe em árvore; se está lá, ou foi enchente, ou mão de gente”, Rugani usa a metáfora para ilustrar como negócios não relacionados podem inesperadamente surgir juntos no cenário de listagem, graças a uma “mão” (neste caso, a operação de fusão/aquisição estratégica).

Imagem: Jonathas Costa via infomoney.com.br
Maiara Madureira, por sua vez, enxerga o IPO reverso como um “atalho” eficiente para as empresas entrarem na Bolsa. Essa percepção se deve à possibilidade de pular etapas complexas e burocráticas que são inerentes a um IPO convencional. Essa aceleração no processo de listagem representa um benefício significativo para companhias em busca de acesso mais rápido ao mercado de capitais e às suas vantagens.
A incorporadora BRZ, por exemplo, confirmou esta visão ao firmar um memorando de entendimentos para combinar seus negócios com a Fica Empreendimentos (anteriormente conhecida como CR2), uma companhia de capital aberto. Neste caso específico, ambas as empresas atuam no mesmo segmento de incorporação imobiliária. O diretor financeiro e de relações com investidores da BRZ, Fabiano Valese, mencionou que a decisão de seguir esse caminho foi motivada tanto pela agilidade no processo de listagem quanto pelo valioso banco de terrenos da Fica, avaliado em 2,9 milhões de m², localizado em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. A transação resultará no desaparecimento da marca Fica, sendo substituída pela BRZ.
Além da economia de tempo no acesso à listagem, estar no mercado aberto oferece à empresa acesso a instrumentos financeiros para captação de recursos que não estão disponíveis para companhias fechadas, como as ofertas subsequentes de ações (follow-on). Os especialistas do setor também ressaltam que as companhias listadas geralmente desfrutam de um custo de capital mais vantajoso nos mercados financeiro e de capitais em comparação com as empresas de capital fechado. Valese reforçou essa perspectiva ao afirmar que a BRZ está atenta às possibilidades do mercado para alavancar o crescimento de seus negócios. A conclusão da operação entre BRZ e Fica é aguardada para os próximos meses, solidificando ainda mais essa tendência no mercado.
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O “IPO reverso” se consolida como uma solução engenhosa e eficaz para empresas que buscam entrar na B3 em um cenário desafiador para os IPOs tradicionais, oferecendo um caminho mais rápido e flexível para acesso ao capital. Continue acompanhando nossas notícias de economia para mais análises e desenvolvimentos sobre o mercado financeiro e as estratégias empresariais no Brasil.
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