A constante exposição à violência, marcada pelo Impacto de Operações Policiais em Favelas Adoece Moradores de forma profunda e duradoura. Para o professor José Claudio Sousa Alves, do departamento de ciências sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), as consequências para a população desses cenários, como a Operação Contenção, configuram uma verdadeira “bomba invisível”. Ele atua como referência em violência urbana e segurança pública, abordando as complexas relações sociais afetadas pela criminalidade e ação estatal.
Recentemente, na terça-feira, 28 de outubro de 2025, os complexos do Alemão e da Penha, situados na zona norte do Rio de Janeiro, foram palco da Operação Contenção. Considerada uma das maiores e mais letais operações recentes na capital fluminense, resultou na morte de, no mínimo, 121 pessoas. O evento provocou pânico generalizado, com intensos tiroteios, o fechamento de estabelecimentos comerciais, escolas e unidades de saúde. Além disso, houve interdição de vias essenciais, alteração de rotas do transporte público e a queima de ônibus, deixando corpos estendidos em praças, expostos à vista de parentes e de toda uma comunidade consternada e em luto profundo.
Conforme destacado pelo professor Alves, os efeitos dessa violência transcenderão o período imediato da ação. As comunidades que enfrentam a recorrência desses eventos apresentam um alarmante crescimento em diagnósticos de diabetes, hipertensão, distúrbios emocionais e mentais, insônia crônica, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), problemas de visão e glaucoma. Essas condições sublinham como o corpo e a mente dos indivíduos respondem ao estresse extremo, evidenciando o quadro de vulnerabilidade sanitária das comunidades impactadas. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta a crescente complexidade do cenário da segurança pública no Brasil, impactando diretamente a vida nas comunidades.
Impacto de Operações Policiais em Favelas Adoece Moradores: Consequências na Saúde e Sociedade
Em um esforço para quantificar este cenário devastador, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) conduziu uma pesquisa abrangente. O levantamento comparou as condições de saúde entre habitantes de favelas mais atingidas por tiroteios envolvendo forças de segurança com aquelas que residem em áreas consideradas mais tranquilas, com menor índice de confrontos armados. Os resultados são contundentes, mostrando que o risco de desenvolver depressão e ansiedade em moradores de favelas intensamente expostas a confrontos é mais que o dobro. A pesquisa também apontou uma maior probabilidade de quadros de insônia (73% de aumento) e hipertensão arterial (42%). Ademais, um terço dos residentes dessas localidades relatou sintomas como sudorese, privação de sono, tremores e falta de ar durante os tiroteios, evidenciando o trauma físico e psicológico. As informações precisas indicam os reflexos crônicos dessa rotina sobre os habitantes.
A Operação Contenção motivou uma manifestação no Complexo da Penha na sexta-feira, 31 de outubro de 2025, onde a dirigente sindical Raimunda de Jesus se posicionou enfaticamente. “A forma que aconteceu aqui não acontece na Zona Sul, nas áreas mais ricas, mas lá também tem bandidos. Nós, que moramos na periferia, somos discriminados. Mas o Estado não pode nos ver como inimigos. O Estado tem que tratar e cuidar do seu povo, de toda a sua população”, desabafou. Essa fala reflete a percepção de tratamento diferenciado e a urgência de uma abordagem mais humanizada por parte das autoridades.
Liliane Santos Rodrigues, residente do Complexo do Alemão, também participou do protesto e carregava a dor recente da perda. Há apenas seis meses, seu filho, Gabriel Santos Vieira, de 17 anos, foi fatalmente atingido por cinco tiros enquanto estava na garupa de uma motocicleta por aplicativo, a caminho do trabalho, durante uma perseguição policial. Liliane expressou sua profunda empatia pelas outras mães atingidas: “Eu estou sentindo a dor dessas mães. Foi um baque muito grande ver que um rapaz foi morto no mesmo lugar em que o meu filho morreu. Tem três dias que eu não sei o que é dormir direito”, disse ela, transmitindo a intensidade do sofrimento coletivo.
A Lógica Territorial do Crime Organizado no Rio de Janeiro
Os Complexos do Alemão e da Penha são identificados pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro como a “base” do Comando Vermelho, abrigando líderes criminosos de diversos estados. Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF), explica que essas áreas são redutos de muitos chefes de quadrilhas de tráfico de drogas, aqueles que ainda estão em liberdade. “É muito comum que morem, que tenham casas dentro do Complexo da Penha, do Complexo Alemão, onde há uma contenção armada que oferece maior resistência”, afirmou Grillo. Essa presença fortalece a capacidade dos criminosos de se esconder, fugir ou alterar moradias rapidamente em caso de operações policiais.
Contudo, é crucial destacar que esses complexos não são apenas cenários de criminalidade. Mais de 110 mil pessoas residem nessas áreas e são diretamente impactadas pelas operações policiais. Grillo critica a efetividade dessas ações, pontuando que, mesmo com as 113 prisões, mortes e apreensões da Operação Contenção, a estrutura fundamental do Comando Vermelho não é afetada. “Quem serão impactados serão as famílias, as pessoas assassinadas, serão os moradores daquele território que ficaram traumatizados para sempre”, conclui a pesquisadora.
A origem do Comando Vermelho remonta ao final dos anos 1970, no sistema prisional do Rio de Janeiro. Segundo José Claudio Sousa Alves, a organização nasceu em um contexto de tratamento “absolutamente aviltante” no presídio do Caldeirão do Diabo, em Ilha Grande. O professor aponta que o grupo se organizou respondendo às condições de tortura e mortes, e deslocou suas atividades do roubo a bancos para o tráfico de drogas, um mercado muito mais vasto. Desde então, o Comando Vermelho expandiu-se e fortaleceu-se notavelmente.
Conforme uma nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Comando Vermelho figura como a segunda maior organização criminosa do país, com atuação em 24 estados brasileiros e no Distrito Federal, além de manter redes internacionais para o comércio de drogas e outras ilegalidades. Sua influência se espalhou significativamente, demonstrando um crescimento estratégico ao longo dos anos, mantendo sua relevância no cenário da segurança pública nacional e internacional.

Imagem: Tomaz Silva via agenciabrasil.ebc.com.br
Um estudo do Geni e Instituto Fogo Cruzado revelou que, de 2022 para 2023, o Comando Vermelho foi a única facção criminosa a expandir seu controle territorial no Grande Rio. Com um aumento de 8,4% em sua área de atuação, a organização superou as milícias, passando a dominar 51,9% dos territórios controlados por grupos criminosos na região. Enquanto isso, as milícias registraram uma redução de 19,3% em suas áreas, controlando 38,9% dos territórios criminosos no mesmo período. A pesquisa detalha que o Comando Vermelho recuperou 242 km² que haviam sido perdidos para as milícias em 2021, ano em que as milícias detinham 46,5% do controle, e o CV, 42,9%.
Os principais focos de crescimento da facção foram a Baixada Fluminense e o Leste Metropolitano, enquanto as milícias registraram suas maiores perdas territoriais na Baixada e na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisadora Carolina Grillo ressalta que “não à toa, o crime organizado se instala e prospera em territórios de população vulnerável. Há uma oferta quase inesgotável de mão de obra para o trabalho criminoso, devido às muito precárias oportunidades oferecidas aos jovens no Brasil hoje em dia, devido às terríveis desigualdades sociais, que são estruturais no país.”
A Evolução do Lucro e Métodos de Combate
A atuação do Comando Vermelho tem se transformado, expandindo suas fontes de receita para além da venda de drogas. José Claudio Sousa Alves aponta que essa mudança foi influenciada pelo contato com o modelo de exploração das milícias no Rio, que cobram taxas e serviços dos moradores em territórios controlados. Apesar das toneladas de drogas apreendidas na Operação Contenção – cujo total exato ainda não foi precisado – o próprio secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, admitiu que os entorpecentes representam apenas 10% a 15% do faturamento das facções. “Ela enxergou que o território é sinônimo de receita, de dinheiro, exploração econômica. Justamente explorando tudo que tem no interior dele: internet, gás, energia elétrica, água, construções irregulares, extorsão de comerciantes no interior de comunidade, de moradores e etc.”, explicou o secretário, ilustrando a multifacetada economia criminosa.
José Claudio Sousa Alves e Carolina Grillo questionam a eficácia das operações policiais como principal ferramenta no combate ao crime organizado. Para eles, o fato de o crime não perder território, mesmo com operações constantes, é prova dessa inefetividade. O estudo do Geni e Fogo Cruzado aponta que 3.603.440 moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro vivem em áreas dominadas por milícias (29,2%). O Comando Vermelho detém hegemonia em um território habitado por 2.981.982 pessoas (24,2%), seguido pelo Terceiro Comando, com 445.626 (3,6%), e Amigo dos Amigos, com 48.232 (0,4%). Quase 4,4 milhões de fluminenses residem em bairros que permanecem em disputa (36,2%).
Grillo sugere que existem “elos estratégicos” cujo combate pode ser feito de forma não violenta. Ela cita como exemplo operações que desmantelaram estruturas financeiras de grupos como o PCC (Primeiro Comando da Capital) sem o disparo de um único tiro, como a Operação Carbono Oculto. Outro exemplo mencionado foi uma ação da Polícia Federal que desarticulou, no Rio de Janeiro, uma organização especializada na fabricação, montagem e comércio ilegal de armas de fogo de uso restrito. “Tem um efeito de desarmamento do crime organizado muito maior do que essas ações centradas no confronto, que têm um impacto gigantesco para a sociedade, traumatizam as crianças, vulnerabilizam uma série de famílias que ficam impedidas de trabalhar, impedidas de levar seus filhos para escola, submetidas a traumas irreparáveis, sem que nenhum resultado positivo de libertação dessas famílias em relação ao julgo desses grupos armados possa ser desfrutado”, conclui a pesquisadora.
José Claudio Sousa Alves questiona o destino do lucro do tráfico. “Para onde vai essa grana toda do tráfico? Quem tá operando? É o pé de chinelo lá do Alemão? É o pobre vendedor no varejo? Para onde vai essa grana toda? Tá com ele mesmo? Não tá. É óbvio que não. Você tem estruturas muito mais amplas. Você tem estrutura internacional, hoje, do tráfico. Há condições de investigar. A Carbono Oculto nos mostra que isso é possível”, aponta. Além das ações investigativas, outra linha crucial é a oferta de oportunidades às populações de favelas e áreas vulneráveis, especialmente aos jovens, como alternativa ao recrutamento por facções criminosas. Alves lamenta a carência de propostas, tanto do governo atual quanto de gestões anteriores, para uma população que luta para acessar o mercado de trabalho e vive cada vez mais precarizada, muitas vezes sem salário. Carolina Grillo destaca iniciativas como o Pronasci Juventude, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que busca prevenir a criminalidade associada ao mercado ilegal de drogas, oferecendo apoio para estudos, capacitação e inserção profissional aos jovens.
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A gravidade do impacto das operações policiais e da presença de facções criminosas nas favelas do Rio de Janeiro é inegável, estendendo-se muito além dos conflitos armados e deixando marcas profundas na saúde física e mental dos moradores. As análises de especialistas indicam que estratégias mais amplas e focadas no desmantelamento financeiro do crime, além de políticas públicas de inclusão e oportunidades, podem ser mais eficazes e menos danosas à população. Acompanhe a nossa editoria de Cidades para mais informações e análises sobre os desafios e realidades urbanas.
Crédito da imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil


