Imigrantes Brasileiros no Japão Inquietos com Sanae Takaichi

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Imigrantes Brasileiros no Japão Inquietos com Sanae Takaichi

Imigrantes Brasileiros no Japão Inquietos com Sanae Takaichi

A potencial ascensão de Sanae Takaichi ao cargo de primeira-ministra do Japão está causando grande preocupação entre a comunidade de imigrantes brasileiros no Japão. Eleita presidente do Partido Liberal Democrático (PLD) em 4 de outubro, Takaichi pode se tornar a primeira mulher a liderar o país, mas sua plataforma nacionalista e conservadora tem gerado receio, especialmente no que tange a políticas de imigração. O voto parlamentar para eleger o sucessor do atual premiê, Shigeru Ishiba, estava agendado para 21 de outubro, em um cenário político considerado volátil.

O processo eleitoral no Parlamento japonês exige que os candidatos alcancem um mínimo de 233 votos na Câmara dos Deputados e 125 no Senado para vencer em primeiro turno. Caso nenhum concorrente obtenha a maioria, um segundo turno entre os dois mais votados define o próximo primeiro-ministro. Após a escolha parlamentar, o Imperador Naruhito realiza o endosso, geralmente uma etapa formal. A ex-ministra da Segurança Econômica, Sanae Takaichi, iniciou sua campanha com uma base parlamentar relativamente fragilizada, contando com os 196 assentos do PLD na Câmara dos Deputados. Sem o suporte integral do aliado Komeito, que detém 24 cadeiras, a meta de 233 votos seria um desafio significativo para ela.

Imigrantes Brasileiros no Japão Inquietos com Sanae Takaichi

Contrariamente à situação do partido governista, a oposição também enfrentava um cenário de desunião. O Partido Democrático Constitucional (PDC), maior sigla oposicionista com 148 cadeiras, não conseguiu formar uma candidatura unificada com outras forças políticas. Essa fragmentação da oposição, conforme avaliado pelo cientista político Masaya Hiyazaki, diretor da Escola Política Cidadã de Yamanashi, tende a beneficiar a manutenção do PLD no poder, apesar da reconhecida volatilidade do cenário político atual. Hiyazaki indicou que, embora uma alternância de poder pudesse ser uma possibilidade real, a divisão entre os partidos de oposição a dificultava.

Uma reviravolta nos acontecimentos de 20 de outubro trouxe um novo ímpeto à candidatura de Takaichi. O Partido da Inovação (Ishin), detentor de 35 assentos no Parlamento, decidiu formalizar sua integração à coalizão do PLD, um fato amplamente divulgado pela agência de notícias Reuters. Com este novo arranjo, a provável futura chefe de governo acumulou 228 assentos, aproximando-se consideravelmente dos 233 votos necessários para garantir a maioria. Analistas políticos sugeriram que, diante desse cenário favorável, Sanae Takaichi conseguiria superar a pequena diferença restante para a maioria com relativa facilidade, pavimentando ainda mais seu caminho para o comando do país.

Plataforma Conservadora e o Debate sobre a Imigração

A ascensão de Takaichi é marcada por um perfil nacionalista e ultraconservador, que se alinha a um período de crescente presença de turistas e residentes estrangeiros no Japão. Consequentemente, o tema da imigração ganhou centralidade no debate político nacional. A futura premiê inseriu a questão migratória como um dos pilares de sua agenda, propondo a criação de um centro de comando dedicado às pautas de estrangeiros, a ser liderado diretamente pela própria chefia do governo. Durante sua campanha eleitoral pelo PLD, Sanae Takaichi chegou a levantar alegações, baseadas em relatos não verificados, de que turistas estariam agredindo cervos no Parque de Nara, animais reverenciados na cultura japonesa. Essas declarações suscitaram críticas de políticos da oposição, que a acusaram de fomentar a xenofobia no país.

Em entrevista concedida ao jornal Asahi Shimbun, às vésperas da votação que a elegeria líder do PLD, Takaichi justificou sua proposta de maior controle sobre estrangeiros como uma resposta legítima às preocupações da população japonesa em relação à segurança pública e à preservação da cultura local. Ela enfatizou que sua abordagem não visava a xenofobia ou a exclusão, mas sim a busca por soluções para a genuína angústia percebida na sociedade japonesa sobre esses temas. Contudo, essa narrativa é vista com cautela por especialistas e a comunidade internacional.

O professor Daisuke Onuki, da Faculdade de Estudos Globais da Universidade de Tokai, analisa que ideais populistas têm ganhado significativa força no Japão, frequentemente impulsionados por políticos de direita que adotam posturas restritivas à imigração. Para Onuki, por trás do crescente receio em relação aos estrangeiros, existe um problema estrutural mais profundo: o enfraquecimento econômico do Japão, particularmente a desvalorização da moeda local e o avanço da inflação. Ele argumenta que essa problemática atual pode ser vista como uma consequência das políticas econômicas conhecidas como Abenomics, implementadas em 2013 pelo falecido premiê Shinzo Abe, que, apesar de tentarem impulsionar a economia, não resolveram as desigualdades de renda. A estagnação de salários ao longo de três décadas deixou muitos japoneses em situações econômicas difíceis, alimentando um sentimento de insegurança sobre o futuro. Nesse contexto, os estrangeiros tornaram-se um alvo mais acessível para críticas, impulsionando a aceitação da retórica de “prioridade para os japoneses” em parcelas da sociedade. Atualmente, a política do país reflete essa tendência, com diversos partidos defendendo e implementando medidas que visam limitar os direitos dos estrangeiros residentes no país, corroborando a avaliação de Onuki.

Crescimento da População Estrangeira e Relatos de Discriminação

Os dados divulgados pela Agência de Imigração em junho de 2025 revelam um cenário de crescente diversidade no Japão. O número de estrangeiros, incluindo tanto aqueles com vistos temporários quanto permanentes, atingiu 3,96 milhões de indivíduos, representando um aumento de 5% em relação ao ano anterior e ultrapassando 3% da população total do país. Neste ranking, o Brasil ocupa atualmente a sétima posição, com uma comunidade de aproximadamente 211 mil residentes. A liderança é da população chinesa, que soma cerca de 900 mil, seguida pelos vietnamitas (660 mil), coreanos (409 mil), filipinos (349 mil), nepaleses (273 mil) e indonésios (230 mil), destacando a multiculturalidade crescente do país.

Apesar dessa notável diversidade e contribuição à sociedade japonesa, muitos estrangeiros ainda relatam experiências de discriminação no cotidiano. O caso de Sakai, um engenheiro de automação industrial brasileiro com nove anos de residência no Japão, é ilustrativo. Mesmo sendo filho de um cidadão japonês, dominando o idioma e empregado em uma multinacional europeia, ele enfrentou dificuldades para alugar um imóvel. Sakai precisou lidar com cinco recusas antes de finalmente conseguir uma moradia. Em sua perspectiva, se a mentalidade etnocêntrica persistir, o progresso do Japão será limitado. O receio de futuras discriminações o leva a preferir manter sua identidade completa em anonimato.

A disseminação de desinformação tem sido outro fator agravante. Nas redes sociais, têm se multiplicado mensagens infundadas, alegando que estrangeiros cometeriam mais crimes, desfrutariam de privilégios indevidos ou que não cumpririam suas obrigações fiscais. Esses relatos falsos alimentam um sentimento anti-imigração em parcela da população, contribuindo para um ambiente hostil para quem vive ou chega ao país.

A Ascensão do Nacionalismo: ‘Japan First’

O debate migratório foi intensificado recentemente pela surpreendente ascensão do partido ultranacionalista Sanseito, que adotou o slogan “Japan First” (“Japão Em Primeiro Lugar”). A expressão, remanescente do bordão “America First” usado por Donald Trump nos Estados Unidos, foi central na campanha do partido em julho, que garantiu 14 das 125 cadeiras disputadas nas eleições para a Câmara Alta, expandindo sua bancada de um para quinze parlamentares. A sigla tem atraído especialmente eleitores jovens e conservadores descontentes com o Partido Liberal Democrático (PLD), propagando um discurso abertamente anti-imigração.

Diante desse cenário, em julho, o Movimento Brasileiros Emigrados (MBE), em colaboração com 1.159 outras organizações, publicou uma “declaração de emergência contra o incitamento à xenofobia”. Miguel Kamiunten, um dos cofundadores do MBE, relembrou a adesão do Japão, em 1995, à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Ele alerta para o fato de que, quase trinta anos depois, o discurso de ódio e os movimentos xenofóbicos não só persistem, mas continuam a se expandir, principalmente através das redes sociais, contrastando com os compromissos internacionais do país.

Apesar da crescente retórica anti-imigrante, as necessidades do mercado de trabalho japonês apresentam um contraste significativo. Com uma população que envelhece rapidamente e uma escassez notável de mão de obra em setores essenciais da economia, o governo do Japão projeta atrair aproximadamente 820 mil trabalhadores estrangeiros nos próximos cinco anos. Essa estratégia se apoia no visto de habilidades específicas, criado em 2019, que visa suprir a demanda por profissionais em áreas críticas. Atualmente, mais de 300 mil imigrantes, majoritariamente oriundos do Sudeste Asiático, já fazem uso dessa modalidade de visto, ressaltando a dependência do país da força de trabalho externa.

Em um claro contraponto às políticas mais restritivas, governadores e prefeitos de regiões com considerável presença estrangeira têm se manifestado veementemente contra o endurecimento das normas migratórias. Suas preocupações giram em torno dos potenciais riscos econômicos que tais medidas poderiam acarretar para suas localidades. Entretanto, essas vozes enfrentam considerável resistência de parte da população, que se mostra cada vez mais suscetível e influenciada por discursos de cunho nacionalista. Para compreender mais profundamente a complexa relação entre política e demografia, consultar análises internacionais sobre o Japão pode ser muito útil, como as disponíveis no Council on Foreign Relations.

Especialistas argumentam que, sob a perspectiva da revitalização regional, é imprescindível que o Japão promova de maneira estratégica a aceitação de trabalhadores estrangeiros. Tal iniciativa seria crucial para frear a contínua queda populacional em diversas regiões e, consequentemente, possibilitar a reconstrução e sustentabilidade das comunidades locais. O cientista político Masaya Hiyazaki reforça essa visão, afirmando que a contínua diminuição da população japonesa inviabilizará a manutenção do país sem a atração estratégica de estrangeiros e a promoção de uma convivência mútua harmoniosa. Ele destaca a importância de evitar que a sociedade japonesa se incline imprudentemente para um caminho xenofóbico.

A preocupação com a disseminação do discurso nacionalista, como o propagado pelo slogan “Japan First”, não se restringe apenas ao cenário adulto; organizações educacionais também monitoram seus impactos sobre crianças e jovens. Atsushi Funachi, membro da Associação Nacional de Pesquisa em Educação de Estrangeiros Residentes no Japão, aponta a necessidade de maior vigilância nas escolas. Ele alerta que, quando slogans nacionalistas são naturalizados por adultos, as crianças tendem a reproduzi-los, o que pode resultar em atos de bullying contra alunos de outras nacionalidades, conforme já há diversos relatos. Esta conjuntura política e social no Japão levanta questionamentos profundos sobre o futuro da convivência e do desenvolvimento no país.

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Em resumo, a ascensão política de Sanae Takaichi, marcada por propostas sobre imigração, coloca em destaque as tensões e os desafios que o Japão enfrenta com sua crescente população estrangeira, gerando inquietude particular na comunidade de imigrantes brasileiros. Este cenário de debates acalorados entre nacionalismo e necessidades de mão de obra, reforça a complexidade do momento político japonês. Para continuar acompanhando as notícias sobre política internacional e seus impactos globais, acesse a editoria de Política do Hora de Começar.

Crédito da imagem: Franck Robichon – 2.out.25/AFP

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