A promoção da igualdade racial em municípios brasileiros ainda enfrenta desafios consideráveis, embora todas as unidades federativas já possuam alguma estrutura para a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio das pesquisas de Informações Básicas Estaduais (Estadic) e Municipais (Munic), divulgados na última sexta-feira, 31 de outubro, de 2024, revelou que apenas 1.331 municípios, correspondendo a 24% do total, possuem uma estrutura operacional dedicada a essa política crucial.
As disparidades regionais na adoção de tais estruturas são notáveis. A Região Sul do país apresentou a menor proporção de cidades com iniciativas nesse campo, registrando apenas 15,4%. Em contraste, a Região Nordeste demonstrou o maior engajamento, com 32,2% de seus municípios implementando estruturas de apoio à igualdade racial.
Igualdade Racial: 24% dos Municípios Têm Estrutura Própria
Vânia Pacheco, gerente de Pesquisas de Indicadores Sociais do IBGE, em declaração à Agência Brasil, observou que, mesmo o número de municípios com estruturas voltadas à política de igualdade racial não sendo expressivo, o cenário indica um comprometimento crescente em estados e localidades. Há uma dedicação em estabelecer estruturas, políticas e programas focados no tema, visando integrá-lo efetivamente na gestão pública. Este avanço, embora modesto, representa um passo importante na institucionalização do assunto no âmbito nacional.
A Estrutura e a Abrangência das Políticas
A análise do IBGE aponta que, no ano de 2024, a política de igualdade racial era gerida por secretarias exclusivas em apenas três estados: Maranhão, Ceará e Bahia. Em outras unidades federativas, como Paraná, Pará e Rio Grande do Norte, a pauta era abordada por secretarias em conjunto, que integravam diversas políticas sob um mesmo guarda-chuva, a exemplo de secretarias de direitos humanos e igualdade racial. Esse modelo, embora funcional, indica a necessidade de uma maior especialização e foco para a causa.
A pesquisadora Vânia Pacheco reiterou a natureza transversal da política de igualdade racial. Ela permeia todas as outras esferas das políticas públicas existentes, incluindo educação, saúde, transporte, habitação, direitos humanos e assistência social. Em cada uma dessas áreas, a influência da política de igualdade racial se manifesta, indicando que sua integração é fundamental para um desenvolvimento social equitativo. Apesar disso, ela reconhece que ter 1.331 municípios com estrutura específica para a política de igualdade racial em 2024 ainda é um número reduzido frente ao total de cidades brasileiras.
Entretanto, Pacheco sublinhou a relativa novidade da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial como uma política pública no Brasil. Considerando essa perspectiva, a existência de 1.331 municípios com um espaço organizacional específico para o tema é vista como um indicativo positivo. Ela comparou o processo à construção da política pública de assistência social, que também levou tempo para se consolidar. Trata-se de um “trabalho de formiguinha” na edificação de uma política pública, requerendo tempo para ser plantada, organizada e plenamente desenvolvida. Vânia Pacheco acrescentou que a ausência de uma estrutura formal não significa que um município ignore o tema da igualdade racial, pois ele pode ser tratado dentro de outras áreas como assistência social, educação ou saúde, inclusive a saúde da população negra, até que as estruturas mais dedicadas se estabeleçam plenamente.
Perfil dos Gestores de Igualdade Racial
Em âmbito estadual, a pesquisa revelou dados sobre a composição racial e de gênero dos gestores da igualdade racial. A maioria desses gestores era composta por pessoas brancas em 11 unidades da Federação, pretas em nove estados e pardas em cinco. Além disso, em 20 dos estados, a maioria dos gestores eram do sexo feminino. Um dado notável é que apenas um gestor se declarou quilombola, no estado do Maranhão, demonstrando a sub-representação dessas comunidades em posições de liderança.
Nos 1.331 municípios que reportaram possuir um órgão gestor da igualdade racial, o perfil de gênero também foi predominantemente feminino, com 982 gestoras (73,8%) em contraste com 348 homens (26,1%). Em termos de pertencimento étnico-racial, 102 gestores municipais se declararam quilombolas ou pertencentes a povos ou comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, sendo 60 deles concentrados na Região Nordeste. Segundo Vânia Pacheco, a maior inclusão de gestores negros, indígenas, quilombolas, ciganos ou de comunidades tradicionais é um processo que demanda tempo e esforço para ser plenamente concretizado.
Órgãos Gestores e Planos Municipais
A pesquisa Estadic demonstra que em todas as 27 unidades federativas, o órgão responsável pela Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial desenvolvia programas e ações tanto para a população negra quanto para povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro. Contudo, em alguns estados, grupos como ciganos, indígenas e outros povos e comunidades tradicionais não foram igualmente contemplados por essas iniciativas. No que se refere aos municípios, 1.061 (79,7%) dos que declararam possuir estrutura para a política de igualdade racial realmente dispunham de um órgão gestor.
O desenvolvimento de um Plano Municipal de Igualdade Racial, fundamental para a implementação estratégica das ações, era uma realidade em apenas 133 municipalidades, correspondendo a 2,4% do total. As disparidades regionais persistiam neste quesito, com a menor proporção de planos encontrada no Sul (1,6%) e a maior no Nordeste (2,9%). Esse cenário, de acordo com Vânia Pacheco, ainda reflete o estágio inicial da política de igualdade racial no país.
A análise dos fundos de igualdade racial revelou que, no ano anterior, apenas Rio Grande do Norte e Paraná possuíam tais fundos, sendo os recursos orçamentários oriundos dos próprios estados. Em seis outras unidades federativas, as verbas com essa finalidade procediam da União ou de entidades privadas. Entre os 149 municípios que contavam com fundos de igualdade racial, o Conselho Municipal de Igualdade Racial gerenciava o orçamento em 102 localidades, enquanto em 97 os recursos eram próprios do município. Em 79 dessas cidades, os fundos recebiam aporte orçamentário tanto próprio quanto de outras fontes.
Canais de Denúncia de Violações
Em 2024, entre os 24 estados que possuíam estrutura para acolher, registrar e acompanhar denúncias de violações de direitos étnico-raciais, os mais frequentemente citados foram as ouvidorias de direitos humanos e os conselhos ou comissões de cidadania, indicados por 14 unidades federativas. No entanto, Acre, Tocantins e Sergipe reportaram não ter nenhuma estrutura para receber essa modalidade de denúncia. Este dado realça uma lacuna na proteção e garantia dos direitos dessas populações em algumas regiões.
Analisando os municípios, 1.775 (32% do total) declararam possuir um órgão responsável por receber, registrar e acompanhar denúncias de violações étnico-raciais. Dentre esses, o serviço de assistência social foi o mais mencionado, em 1.458 cidades, seguido por conselhos, comitês e comissões de cidadania, citados por 291 municípios. A maioria dessas 1.775 cidades, equivalente a 35,3%, estava situada na Região Centro-Oeste, seguida pela Nordeste (33,7%) e Sudeste (32,7%). A gerente Vânia Pacheco esclareceu que muitos desses canais, embora não sejam exclusivos para igualdade racial, recebem diversas denúncias de direitos humanos. Com o crescimento da política de igualdade racial e a crescente conscientização de que racismo é crime, torna-se natural que um número maior de municípios passe a registrar e acompanhar tais denúncias.
Iniciativas e Reserva de Vagas em Concursos Públicos
Foram investigados 19 programas ou políticas voltadas à igualdade racial nos estados e municípios. Enquanto Rondônia não havia implementado nenhuma dessas políticas ou programas, os estados da Bahia e Espírito Santo desenvolveram a totalidade das iniciativas enumeradas. O número de municipalidades que não possuía nenhum programa de igualdade racial surpreendeu os pesquisadores, totalizando 3.591 cidades. Vânia Pacheco explicou que a existência de programas estaduais não garante a implementação automática em todos os municípios, que muitas vezes priorizam outras agendas em suas gestões locais.
As pesquisas também abordaram a reserva de vagas em concursos públicos. De 2.483 municípios que realizaram concursos nos últimos 24 meses para a administração direta, apenas 686 (27,6%) previram cotas para negros, quilombolas, indígenas e ciganos. Em 569 municipalidades, a reserva de vagas era destinada exclusivamente a pessoas negras. Para quilombolas, 48 municípios tinham cotas; para indígenas, 105; e para ciganos, 11. Em nível estadual, oito estados não implementaram reserva de vagas para essas populações em seus concursos, enquanto 14 fizeram. Apesar de o número ainda ser considerado pequeno, Pacheco ressaltou que “já é um sinal de que alguns municípios já estão tratando como política, já têm estrutura, pensam na questão das reservas de vagas, assim como estados”, evidenciando uma construção gradual da inclusão.
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Em síntese, a implementação da política de promoção da igualdade racial no Brasil, especialmente no nível municipal, demonstra ser um processo em constante evolução, marcado por avanços notáveis e desafios persistentes, conforme as últimas informações do IBGE. A presença crescente de estruturas e a conscientização sobre o tema refletem um esforço contínuo na busca por uma sociedade mais justa e inclusiva. Para aprofundar seu conhecimento sobre o cenário político e as discussões relevantes para o país, continue acompanhando nossas análises sobre políticas sociais e de direitos humanos.
Crédito da imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil


