Em uma decisão inovadora em 2010, Paola Antonelli, curadora de arquitetura e design do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), nos Estados Unidos, realizou uma aquisição singular para a coleção permanente da instituição. O item em questão era nada menos que o símbolo arroba (@). A curadora buscava uma exposição que evidenciasse como objetos cotidianos, tão presentes em nossas vidas que se tornam invisíveis, podem possuir uma relevância museológica.
“Eu desejava uma exibição de itens que demonstrasse que todos são capazes de ter uma exposição com o rigor de um museu dentro de sua própria gaveta”, detalhou Antonelli. Ela mencionou exemplos como os blocos Post-it, chocolates M&Ms, o clipe de papel e os utensílios de cozinha OXO Good Grips. Para ela, esses objetos estão “tão integrados às nossas rotinas e operam com tanta perfeição que nem lhes damos mais atenção”.
A Fascinante História de 3 Mil Anos do Símbolo Arroba
A iniciativa do MoMA destacou um dos símbolos de maior peso cultural e funcionalidade da era moderna. Para Antonelli, parte da missão de um museu, ao isolar tais objetos, é “criar teatralidade e distância, permitindo que as pessoas os contemplem com perspectivas renovadas”. Subitamente, o observador é “tomado pela narrativa subjacente a eles”, revelando um “universo inteiro” em sua origem. Embora pareça um elemento intrínseco à atualidade digital, a origem oculta nas curvas desse pequeno “a” adornado remonta a milênios, atravessando barreiras linguísticas e culturais em sua trajetória pela história humana.
Hoje, a arroba é essencial para a estrutura da internet, funcionando como uma espécie de “encanamento” digital. Ela serve para conectar e-mails e destacar nomes de usuário em redes sociais. Seu uso é tão onipresente que é provável que a maioria das pessoas já tenha utilizado o caractere “@” em algum momento do dia. Embora outros símbolos como “&”, “#”, “%” e “*” sejam úteis e largamente empregados, a forma como o símbolo “@” conquistou tal proeminência cultural é um ponto de grande interesse.
A complexidade por trás do simples símbolo “@” intriga pesquisadores há séculos. Keith Houston, autor de “Shady Characters: The Secret History of Punctuation” (Caracteres obscuros: a história secreta da pontuação), revela que a arroba começou como uma abreviação. O grande enigma era seu significado inicial, uma dúvida que eventualmente encontrou resposta na conexão com a antiga cerâmica. Civilizações da Antiguidade, como os gregos, desenvolveram um tipo de vaso de argila chamado ânfora. Essas peças esculturais, com pescoços longos e duas alças, eram amplamente utilizadas para armazenar vinho, grãos e azeite. A prática de armazenagem em ânforas perdurou por séculos na região do Mediterrâneo e em outros lugares.
Com o tempo, a ânfora transformou-se em uma unidade de medida padronizada. “Mercadores precisavam, com frequência, comunicar a ideia de que ‘venderei a você certa quantidade de ânforas de algo a um preço específico'”, explica Houston. Para simplificar essa comunicação, os comerciantes começaram a desenhar a letra “a” com uma cauda estendida ao redor, suprimindo o restante da palavra “ânfora” ou a preposição “at”.
Um dos registros mais antigos do uso moderno do símbolo “@” está presente em uma correspondência de Francesco Lapi, datada de 4 de maio de 1536. O comerciante escreveu uma carta de Sevilha, Espanha, para Roma, detalhando que uma ânfora de vinho era avaliada entre 70 e 80 ducados, empregando o sinal “@” para se referir à unidade de medida “ânfora”. Embora esse seja o primeiro exemplo conhecido no sentido de medida ou preço, o símbolo @ surge ainda mais cedo, em um manuscrito búlgaro de 1375, onde aparece como um mero floreio da letra inicial da palavra “amém”, sem qualquer significado aparente.
Centenas de anos após seu sucesso como abreviação de ânforas, a utilização desses recipientes caiu em desuso. Contudo, o símbolo “@” manteve sua relevância. Ele continuou a ser empregado por contadores e registradores para denotar o preço das mercadorias, demonstrando sua resiliência e adaptabilidade ao longo da história comercial. No século XIX, sua sobrevivência foi reforçada com a ascensão das máquinas de escrever, popularizadas inicialmente nos Estados Unidos.
O professor de tipografia Gerry Leonidas, da Universidade de Reading, no Reino Unido, explica que essa inclusão nas máquinas de escrever foi impulsionada, em parte, pela explosão dos catálogos de compras por correspondência nos EUA. Esse modelo de comércio gerou uma imensa demanda por administração eficiente e, consequentemente, uma nova classe de datilógrafos profissionais. “A máquina de escrever era essencialmente uma forma de minimizar os riscos causados pela má caligrafia das pessoas, aumentando a eficácia e a previsibilidade da administração de escritórios”, afirma Leonidas. Máquinas de escrever eram, por vezes, tão caras e complexas que alguns modelos sequer possuíam os algarismos “um” e “zero”, exigindo que o datilógrafo usasse as letras “O” e “I” em seu lugar. No entanto, o símbolo “@” já era considerado um item indispensável ao final do século XIX.
“E, como as máquinas de escrever estão relacionadas a processos comerciais e contábeis, o ‘@’ sobreviveu através de diversas gerações desses equipamentos, exatamente por desempenhar esse papel fundamental”, destaca o professor. Com a evolução tecnológica e a popularização dos computadores, o “@” veio incorporado aos seus teclados. Apesar de sua presença, o símbolo não era amplamente útil para o público em geral, a menos que a pessoa trabalhasse com contabilidade. Este cenário mudaria drasticamente graças a Ray Tomlinson (1941-2016), um renomado cientista da computação.
Tomlinson atuava na Arpanet, um projeto do governo norte-americano que serviu de fundação para o que viria a ser a internet. Ele percebeu a necessidade de que as pessoas pudessem se comunicar por meio de mensagens dentro da rede e, ao desenvolver o código para essa função, precisava de uma maneira de indicar a localização específica de cada usuário na vasta estrutura da Arpanet. Analisando o teclado, o símbolo “@” destacava-se como a solução perfeita. Foi assim que Tomlinson o resgatou do vocabulário comercial e o inseriu no centro do endereço digital, criando em 1971 o que é considerado o primeiro e-mail da história. Para mais detalhes sobre as contribuições de figuras como Tomlinson para a internet, consulte o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, que destaca a relevância do @ em sua coleção permanente.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
À medida que a internet transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos e passou a dominar a cultura humana nas décadas seguintes, o símbolo “@” acompanhou essa expansão global. Curiosamente, conforme o símbolo se difundia pelo mundo, ele começou a adquirir novas designações em diferentes idiomas. Na Itália, por exemplo, o “@” é conhecido como “chiocciola”, que significa “caracol”, uma clara alusão à sua forma espiralada. Em hebraico, às vezes é chamado de “strudel”, remetendo ao doce enrolado. No checo, a palavra “zavináč” é usada, referindo-se a um tipo de arenque em conserva enrolado, geralmente com um recheio saboroso.
Na Rússia, o “@” é ocasionalmente denominado “sobaka”, ou seja, “cachorro”, pela semelhança com um animal de estimação enrolado para dormir. Essa nomenclatura gerou brincadeiras bem-humoradas, onde iniciantes no russo aprendem que “escreva para mim no cachorrinho” significa, na verdade, “mande um e-mail para mim”. Em inglês, o símbolo é simplesmente chamado de “at” (em), mas por sua ligação histórica com o mundo dos negócios, às vezes é referido como “commercial at”. Já em países como a Bélgica, onde várias línguas coexistem, nomes mais antigos ainda são usados. Nick Fransen, um consultor de gerência freelancer, mencionou que, embora muitos hoje digam apenas “at”, ele próprio, conversando com uma pessoa idosa, voltou a usar “apenstaartje”, que significa “rabo de macaco”, a designação tradicional holandesa.
Em português e espanhol, o nome “arroba” para o símbolo remete a uma antiga unidade de medida de volume, similar à ânfora. No Brasil, também é uma unidade de peso que equivale a 15 kg. Contudo, em ambos os idiomas, o símbolo “@” tem sido crescentemente utilizado para indicar gênero neutro, substituindo as vogais “o” (masculino) e “a” (feminino). Assim, termos como “amig@s” são empregados para promover uma linguagem mais inclusiva.
Leonidas pondera que a ausência de um nome particular para o “@” em inglês deve-se à clareza e facilidade de sua definição inicial. No entanto, quando culturas diversas adaptam o símbolo aos seus idiomas, surge a necessidade de uma forma própria de identificá-lo. “Alguém entrega a você um computador, você olha para ele e descreve sua aparência, em vez de procurar seu nome”, exemplifica. Em grego, por exemplo, ele é poeticamente chamado de “patinho”.
Da mesma forma que Tomlinson ressignificou esse caractere curvo para a comunicação digital, o “@” continua a ser interpretado e empregado em diferentes contextos. Leonidas salienta que o símbolo possui uma característica singular: o que ocorre ao seu lado. Ao escrever um nome, usa-se letras maiúsculas e espaços entre o primeiro nome e o sobrenome. No entanto, como um identificador, o “@” “obriga o uso de caixa baixa nos nomes e a eliminação completa dos espaços”, explica ele. Essa particularidade “nos força a inventar uma palavra única e exclusiva para nós mesmos”, compelindo-nos “a pensar em como devemos apresentar nossa identidade”.
Pesquisas corroboram que a escolha de um nome de usuário pode ser um processo profundamente emocional. Não se busca apenas a singularidade, mas também que o nome “pareça correto”, que “o represente”, que “pareça bom” e que expresse aspectos da personalidade ou identidade de quem o utiliza. Nomes de usuário tornaram-se meios para expressar quem somos ou para forjar uma personalidade online, distinta de nossa identidade offline. Linguistas que estudam a cultura digital constataram que tais identificações estão tão enraizadas no nosso senso de ser que alterá-las pode ser um ato íntimo, quase tão significativo quanto mudar de nome ou de aparência no mundo físico. Assim, nos pilares da internet, o “@” tornou-se inseparável da nossa identidade digital.
Em suma, nossos sentimentos em relação ao “@” são fortes porque ele está ligado à nossa compreensão do ser humano. A exposição “Pirouette: Turning Points in Design” (Pirueta: reviravoltas no design), em cartaz no MoMA, proporciona um ambiente distinto do teclado para contemplar o sinal “@”, celebrando milhares de anos após suas raízes nas ânforas da Grécia Antiga. Paola Antonelli ressalta: “Fomos educados, até agora, para entender como filmes são feitos ou como uma música é composta. Mas não fomos treinados para fazer o mesmo com os objetos”. Sua intenção final é transmitir a mesma satisfação e o “momento eureca, a sensação de felicidade e o orgulho de pertencer ao mundo do design”, que ela experimentou ao reconhecer a profundidade e o significado existentes “naquele pequeno símbolo em forma de umbigo”.
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A história do símbolo arroba é um fascinante estudo sobre como um caractere simples pode evoluir e se adaptar através dos milênios, tornando-se um pilar da comunicação e da identidade digital. Ao entender suas origens e seu impacto cultural, ganhamos uma nova perspectiva sobre a complexidade por trás do cotidiano. Continue explorando as seções de Análises e outras categorias em nosso site para mais descobertas e aprofundamento em temas que moldam nosso mundo.
Crédito da imagem: Serenity Strull/Getty Images/BBC

