Na quinta-feira, 2 de outubro, o presidente Vladimir Putin expressou fortes críticas aos governos europeus, rotulando suas preocupações sobre um possível ataque russo a algum país do continente como “histeria”. Putin categoricamente afirmou ser “simplesmente impossível acreditar” que a guerra Rússia Europa possa de fato ocorrer, visto que a maioria das nações europeias faz parte da OTAN, a aliança militar ocidental que opera sob o princípio da defesa mútua. Contudo, apesar de suas veementes negativas, fontes influentes na Rússia pintam um cenário radicalmente diferente para o futuro das relações entre Moscou e o Ocidente.
A retórica do líder russo aponta para uma desconexão entre as suposições do Kremlin e as preocupações crescentes na Europa. Ele rejeitou a “repetição incessante” do que descreve como um “absurdo”, um “mantra” que ecoa sem parar nos círculos políticos ocidentais, sobre a iminência de um conflito armado. Mesmo negando, Putin ressaltou que uma “resposta está pronta” caso qualquer agressão seja direcionada ao seu país, numa declaração que, por si só, carrega uma ambiguidade notável em meio às tensões geopolíticas.
Guerra Rússia Europa: Elite Russa Vê Conflito Como Inevitável
O argumento de Putin baseia-se na realidade de que 30 dos 44 estados europeus são membros ativos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar encabeçada pelos Estados Unidos que prevê a defesa coletiva. Essa dinâmica, segundo ele, torna uma guerra direta com o continente europeu uma improbabilidade lógica. No entanto, essa percepção não é unânime. Observadores próximos da elite russa, incluindo três indivíduos em Moscou e um embaixador de um país membro da OTAN, indicaram à Folha, na semana retrasada, que os “sinais internos” emanados por Putin justificam plenamente o crescente alarmismo do Ocidente. Tais visões, embora especulativas, fundamentam-se em uma leitura de eventos e discursos que transcende as declarações públicas oficiais.
Um dos membros da elite russa consultados foi enfático: o confronto com a Europa é não apenas provável, mas inevitável. Este analista acredita que Putin “só irá parar em Tallinn”, referindo-se à capital da Estônia, um dos três países bálticos que, após a desintegração da União Soviética, se juntaram à OTAN. A menção de Tallinn é particularmente relevante. Na semana anterior às conversas, caças russos protagonizaram uma incursão de 12 minutos no espaço aéreo estoniano, próximo à capital, antes de serem interceptados e escoltados. Apesar das evidências fotográficas e do monitoramento de radar que corroboram o incidente, Moscou prontamente negou qualquer violação do espaço aéreo da aliança, intensificando a desconfiança mútua.
Essa perspectiva da linha dura dentro das Forças Armadas russas, conforme relatado, teria persuadido o “natchalnik” — um termo russo para “chefe” amplamente usado nesses círculos para se referir a Putin — de que a Ucrânia será subjugada e que a OTAN demonstrará incapacidade de reagir a novas investidas. A confiança na vitória sobre a Ucrânia é apresentada como um pilar dessa crença, fortalecendo a visão de que a Rússia poderá testar os limites da aliança sem encontrar resistência decisiva.
A visão de alguns na elite russa sugere que o prazo crucial para essa escalada de conflito pode ser janeiro de 2029, período em que Donald Trump estaria prestes a concluir um potencial segundo mandato na presidência dos Estados Unidos. A lógica subjacente é que Trump, com sua política externa muitas vezes isolacionista e seu histórico de questionamento da OTAN, deixaria os membros europeus da aliança desprotegidos, retirando Washington de suas obrigações de defesa coletiva. Essa é uma especulação veementemente refutada por Putin publicamente, mas que, na Europa, alinha-se a algumas das mais alarmistas hipóteses de escalada militar.
O general Pierre Schill, comandante do Exército francês, tem reforçado a necessidade de suas tropas estarem prontas para “engajar-se em combate, mesmo hoje à noite”, ecoando um senso de urgência que permeia as discussões militares no continente. A reportagem original, publicada em julho, já destacava que a própria OTAN opera em ritmo de guerra, com os principais Estados europeus da aliança discutindo a possibilidade de um conflito direto até 2030, ou até antes. A figura de uma presidência errática de Donald Trump é vista como um fator que poderia encurtar esse prazo, aumentando a volatilidade do cenário geopolítico.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
No entanto, a complexidade da situação não pode ser subestimada, como observa o diplomata ocidental também consultado. As condições econômicas da Rússia, apesar de terem exibido resiliência notável sob o peso das sanções internacionais até o momento, podem não ter a elasticidade necessária para sustentar uma guerra de larga escala e prolongada com a Europa. A manutenção dos 20% do território ucraniano conquistado até o momento pode ser resolvida antes do eventual ocaso de um governo Trump 2.0, o que levantaria a questão crucial de “você vai lutar por Tallinn?” caso uma nova agressão à Europa fosse levada a cabo.
Diante desse quadro, uma possível agressão extra à Europa, com o objetivo de testar os limites de uma administração Trump hipotética, não está fora das considerações de setores do Kremlin. As tensões, que Putin rotulou de “histeria”, basearam-se em eventos concretos nas últimas semanas, como incursões de drones russos contra a Polônia e a Romênia, a já mencionada invasão de caças na Estônia, queixas da Dinamarca sobre intrusões navais e avistamentos de drones em seus céus, assim como na Noruega e na Alemanha. Tais incidentes são vistos como provocação e uma clara violação de soberania por muitos na União Europeia e na OTAN.
Para a OTAN, a interpretação predominante é que todos esses episódios funcionam como um “teste de estresse”. O objetivo seria avaliar a velocidade e a eficácia das defesas dos membros da aliança que, até o presente momento e mesmo com novas operações ocidentais de proteção aérea em andamento, têm mostrado uma resposta que alguns classificam como “tíbia”. O desafio é claro: mostrar unidade e prontidão contra um adversário percebido como cada vez mais audacioso, enquanto mantém a dissuasão sem iniciar um conflito em grande escala.
Um terceiro integrante da elite russa corroborou o cenário geral de escalada de tensão, mas trouxe à discussão os enormes riscos que Moscou enfrentaria. Ele enfatiza que, a menos que se deseje precipitar a Terceira Guerra Mundial, Putin tem plena consciência de que a Rússia tem muito a perder em um conflito aberto com a OTAN. Além disso, as dificuldades econômicas impostas pelas sanções e o custo de uma empreitada militar prolongada tornariam tal ação um fardo quase insustentável. No entanto, este mesmo observador conclui que, apesar dos riscos, “as cartas estão na mesa”, indicando que a possibilidade de confronto permanece uma realidade no cálculo estratégico do Kremlin.
Confira também: crédito imobiliário
Em suma, enquanto o presidente Vladimir Putin tenta diminuir as preocupações sobre a guerra Rússia Europa, negando a iminência de um conflito, setores influentes de sua elite e diplomatas ocidentais veem o cenário com crescente alarmismo. Os “sinais internos” do Kremlin e as manobras militares recentes no espaço europeu são interpretados como indicativos de que Moscou estaria disposta a testar os limites da OTAN, especialmente em um contexto de potencial afastamento dos Estados Unidos. Para aprofundar seu conhecimento sobre o complexo cenário geopolítico, explore nossa editoria de análises políticas e internacionais.
Crédito da imagem: Serguei Bobok – 1º.out.2025/AFP
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados