Em 2 de abril, a administração do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, introduziu um conjunto de medidas tarifárias que foram popularmente nomeadas de “Dia da Libertação”. Estas ações, divulgadas com gráficos que visavam demonstrar o suposto tratamento injusto à América, enviaram uma mensagem inequívoca de que a era do livre comércio internacional, conforme outrora concebida, chegava ao fim. Apesar da percepção inicial de catástrofe iminente, as análises pós-seis meses indicam que a Guerra Comercial de Trump em 2025 não provocou o colapso do comércio global. Ao contrário das projeções mais pessimistas, a economia internacional demonstrou uma surpreendente capacidade de resiliência e adaptação, reconfigurando rotas comerciais e fortalecendo laços entre outros parceiros globais.
Inicialmente, as reações foram de alarme generalizado. Mercados financeiros sofreram abalos, nações aliadas dos EUA expressaram profunda indignação e economistas prognosticaram cenários de crise aguda. Torsten Slok, uma figura proeminente da Apollo, uma gestora de mercados privados de grande porte, chegou a estimar em 90% a probabilidade de uma recessão nos Estados Unidos, desencadeada diretamente pelo impacto das tarifas impostas. Em alguns setores da economia americana, os efeitos foram de fato sentidos de maneira palpável, traduzindo-se em dores concretas para produtores e consumidores.
Guerra Comercial de Trump: Impactos Menos Severos Que o Previsto
No segundo trimestre de 2025, por exemplo, os preços de bens duráveis, que englobam categorias como eletrodomésticos e veículos, registraram um aumento anualizado superior a 3%, o que representou o ritmo mais acelerado desde o início da década de 1990, desconsiderando-se o período da pandemia de Covid-19. Itens como brinquedos, amplamente importados da China, viram seus custos ascenderem em quase 5%, um incremento igualmente incomum. No cálculo total, estimativas indicam que as tarifas adicionaram aproximadamente 0,3 pontos percentuais à taxa de inflação. Além disso, houve um enfraquecimento do emprego em setores mais expostos a essas barreiras comerciais, como manufatura e varejo, com empresários apontando os custos mais elevados e a incerteza regulatória como fatores limitantes. A confiança do consumidor, em setembro, estava um quinto abaixo do patamar observado um ano antes, sugerindo que, em um cenário sem tais medidas protecionistas, a situação econômica dos EUA poderia ser consideravelmente mais favorável.
Contudo, passado um semestre desde a imposição das medidas, o prognóstico de um ajuste de contas desastroso não se concretizou. Longe de uma inflação descontrolada, a economia dos EUA exibiu um crescimento anualizado de 3,8% no segundo trimestre, com projeções da filial de Atlanta do Federal Reserve indicando um resultado similar para o terceiro trimestre. O consumo manteve-se aquecido, empresas continuaram investindo e o mercado de ações permaneceu em trajetória ascendente. O quadro otimista não se restringiu apenas aos EUA; as perspectivas econômicas globais também melhoraram. Em setembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elevou sua previsão de crescimento mundial para 3,2%, uma alta em relação aos 2,9% estimados três meses antes.
Vários fatores contribuíram para este cenário surpreendente. Uma das razões cruciais é que as tarifas foram aplicadas com menos rigidez do que o inicialmente anunciado. Em abril, estimava-se que a alíquota média de impostos americanos sobre importações estaria próxima de 30%; modelos posteriores ajustaram esse valor para cerca de 18%. As ameaças de tarifas de 145% à China se converteram, em setembro, em taxas que correspondiam a apenas um terço desse valor. Da mesma forma, as tarifas para a Coreia do Sul, prometidas em 25%, foram reduzidas para 15%. Até mesmo o Lesoto, uma nação pobre e sem litoral, cuja economia de exportação foca predominantemente em vestuário para os EUA, enfrentou uma tarifa de 50% que nunca chegou a ser efetivamente implementada.
Adicionalmente, os atrasos na execução das tarifas suavizaram significativamente o impacto. Decisões pendentes da Suprema Corte em relação à legalidade das tarifas de Trump levaram as empresas a aguardar maior clareza regulatória antes de repassar os custos elevados aos consumidores. Isso gerou um tempo de respiro para que as cadeias de suprimentos e os mercados pudessem se adaptar de forma gradual, em vez de enfrentar um choque abrupto. A cautela corporativa em absorver ou adiar o repasse de custos demonstrou ser um amortecedor vital.
Exceções substanciais e brechas nas regulamentações diminuíram ainda mais o alcance das medidas. Aproximadamente metade das importações americanas foi isenta das tarifas de Trump, com categorias como smartphones e computadores sendo poupadas por completo. No caso do Brasil, a taxa nominal de 50% incluía cerca de 700 isenções, o que na prática reduzia a alíquota para aproximadamente 30%. O Canadá, que teoricamente enfrentava uma tarifa de 35%, na realidade viu essa taxa cair para cerca de 6%, segundo o Scotiabank, um credor local, graças principalmente às mercadorias qualificadas pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA).
Mesmo as taxas aplicadas a setores específicos apresentavam várias exceções. As novas tarifas sobre produtos farmacêuticos, anunciadas em 100% e com previsão de entrada em vigor em 1º de outubro, excluíram medicamentos genéricos (que correspondem a 90% do mercado de remédios nos EUA) e empresas de marcas que apresentassem planos de investimento no país. No dia previsto para a implementação, Trump suspendeu completamente as medidas, abrindo caminho para negociações. Tais lacunas e flexibilizações ressaltam a diferença notável entre as tarifas estabelecidas “no papel” e a sua aplicação prática.
O Budget Lab de Yale estima que a taxa tarifária implícita dos EUA, derivada dos dados alfandegários, corresponde a aproximadamente metade do que seria esperado dada a política atual. Parte dessa disparidade pode ser atribuída à “antecipação” de importações; empresas correram para estocar bens durante o verão, elevando os níveis de importação a patamares quase recordes, visto que as tarifas raramente se aplicam a mercadorias já em trânsito. Este fenômeno permitiu um fluxo contínuo de produtos no mercado, minimizando interrupções imediatas e a pressão sobre os preços.
Um dos elementos mais decisivos para a menor intensidade dos efeitos da guerra comercial foi, paradoxalmente, a ausência de retaliações massivas e coordenadas. Modelos econômicos usualmente pressupunham respostas retaliatórias equivalentes por parte dos parceiros comerciais, mas, em vez disso, a maioria deles adotou uma postura mais defensiva. Poucos países são grandes o suficiente para causar danos significativos aos EUA individualmente, e faltou coordenação para uma resposta unificada. Uma possível explicação para isso reside no fato de que os Estados Unidos importam relativamente menos do que no passado. No início do século XXI, o país era responsável por um quinto das importações globais; atualmente, essa proporção é mais próxima de um oitavo. O Brasil, por exemplo, direciona apenas 13% de suas exportações para os EUA, uma queda considerável em relação aos 26% registrados no início dos anos 2000. Mesmo em regiões com dependência ainda significativa, como o Sudeste Asiático, os incentivos para retaliar eram baixos, pois muitos países enfrentam tarifas de cerca de 20%, assegurando que poucos percam competitividade em relação aos seus vizinhos diretos.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Em vez de confrontar diretamente, muitos países optaram por uma estratégia de diversificação de suas relações comerciais. A China, alvo principal das tarifas de Trump, viu suas exportações para os EUA diminuírem acentuadamente, mas seu comércio geral permaneceu robusto. De junho a agosto, o valor total de seus embarques internacionais cresceu 6% em comparação ao ano anterior, impulsionado por um aumento de um quinto nas vendas para o Sudeste Asiático e de quase um décimo para a Europa. Produtos têxteis, por exemplo, inundaram os mercados europeus, com um aumento de cerca de 20% nas importações de roupas e tecidos chineses no primeiro semestre de 2025. Da mesma forma, uma vasta quantidade de eletrônicos encontrou caminho para o Sudeste Asiático.
As tarifas de Trump também tiveram o efeito secundário de aproximar outras nações. O Canadá, por exemplo, aprofundou seus laços comerciais com o México, enquanto ambos se preparam para renegociar o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) com os EUA no próximo ano. Em 23 de setembro, a União Europeia (UE) assinou um acordo de longo prazo com a Indonésia, eliminando altas tarifas sobre bens industriais, e está próxima de concluir um pacto similar com a Índia. Paralelamente, muitos países estão fortalecendo suas relações com a China. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) atualizou seu acordo comercial com a superpotência, e o investimento chinês no Brasil cresceu mais de 60% no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Diante desse complexo cenário, a questão que se impõe é: o que, de fato, os Estados Unidos ganharam com esta estratégia? As receitas tarifárias aumentaram em US$ 19 bilhões por mês em comparação ao ano passado. Embora este valor ajude a compensar parte do custo dos recentes cortes de impostos promovidos por Trump, os EUA ainda enfrentam um substancial déficit orçamentário. Além disso, Trump planeja usar grande parte dessa receita extra para compensar setores prejudicados, como os agricultores, o que na prática transforma as tarifas em um imposto regressivo. Adicionalmente, o déficit comercial americano continua a se expandir, o investimento esperado não se materializou plenamente e o prometido renascimento da manufatura ainda se mostra como uma miragem distante.
Até o momento, as empresas americanas têm absorvido a maior parte do custo das tarifas, amparadas por robustas margens de lucro e pela capacidade de estocar produtos importados antes da entrada em vigor das taxas. No entanto, à medida que esses amortecedores diminuem, é provável que os preços comecem a subir de forma mais acentuada. O Budget Lab de Yale estima que as tarifas podem reduzir a renda familiar em cerca de US$ 2.400 por ano. Como a implementação escalonada de Trump distribui os aumentos por diversos trimestres, o que poderia ter sido um choque pontual corre o risco de se transformar em uma inflação persistentemente mais elevada. Com as expectativas de inflação de curto prazo já em alta, essa situação poderia levar o Federal Reserve a manter as taxas de juros mais elevadas do que o desejável, prejudicando a demanda ao longo do tempo e influenciando as decisões econômicas futuras.
A maneira como outras nações navegarão pelas tarifas americanas e pelo excesso industrial da China definirá os rumos da próxima fase do comércio global. Alguns já estão começando a erguer suas próprias barreiras protecionistas. O México planeja introduzir uma tarifa de 50% sobre veículos chineses. A União Europeia se prepara para se juntar aos EUA e ao Canadá na contenção do aço chinês barato, considerando a redução das cotas de importação e o aumento das tarifas. No Sudeste Asiático, a vasta entrada de produtos chineses está levando os governos locais a ponderar novas salvaguardas comerciais, indicando que a dinâmica do comércio internacional continua em fluxo, moldada pelas tensões e adaptações entre as grandes potências e os mercados emergentes.
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A análise da Guerra Comercial de Trump em 2025 revela um cenário econômico global mais adaptável do que o previsto inicialmente. Embora os Estados Unidos tenham sentido o impacto de custos elevados e um aumento na inflação, o colapso do comércio mundial foi evitado por uma série de fatores, incluindo a aplicação mais branda das tarifas e a estratégia de diversificação de mercados adotada por outras nações. Para acompanhar as últimas novidades sobre economia, política e as relações comerciais que moldam nosso mundo, continue explorando nossa editoria e fique por dentro dos desdobramentos mais relevantes.
Crédito da imagem: Jim Watson/AFP
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