O Governo de São Paulo anunciou, na última segunda-feira (29), a implementação do Programa Estadual de Restauração e Conservação Ecológica. A medida tem como objetivo principal possibilitar que o setor privado invista financeiramente em áreas protegidas, as conhecidas unidades de conservação (UCs) paulistas, abrindo uma nova via para a geração de ativos ambientais no estado.
A iniciativa desenhada pela gestão Tarcísio de Freitas, filiado ao Republicanos, prevê a contratação de empresas por meio de licitação. Essas organizações deverão desenvolver projetos específicos de recuperação ou manutenção em territórios estaduais sob proteção legal, como os parques e florestas estaduais. A compensação por essas ações virá por meio da cedência do direito de emissão de créditos de carbono ou de biodiversidade, inserindo São Paulo em um cenário mais robusto de valorização ambiental e econômica.
Governo SP lança programa de créditos de carbono em UCs
O modelo operacional baseia-se no princípio de pagamento por serviços ambientais. Este arcabouço legal já possui a documentação necessária disponibilizada para consulta pública, um processo que se estenderá até o final de outubro, garantindo a transparência e a participação social na formatação final do programa. Esta fase de consulta é fundamental para ajustar os detalhes e garantir que a proposta esteja alinhada às expectativas e necessidades do ecossistema paulista.
A previsão é que o primeiro edital decorrente deste programa seja divulgado já em novembro. As ações prioritárias focam em aproximadamente 38 mil hectares dentro das UCs que apresentam necessidade de restauração ambiental. Os contratos de longo prazo serão um diferencial, com duração estabelecida entre 40 e 100 anos, buscando assegurar a sustentabilidade e a efetividade das intervenções ao longo das décadas.
Natália Resende, que ocupa o cargo de secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, ilustrou a aplicabilidade prática do programa. Segundo ela, uma empresa selecionada poderá, por exemplo, recuperar extensas áreas degradadas em um parque estadual. Uma vez restauradas, essas áreas seriam capazes de gerar créditos de carbono, que posteriormente seriam certificados e transacionados no mercado voluntário de carbono, incentivando diretamente a conservação através de mecanismos de mercado.
Adicionalmente, o plano do governo de São Paulo contempla a possibilidade de projetos dedicados unicamente à preservação das florestas existentes em unidades de conservação, que também poderiam se qualificar para a geração de créditos. Isso amplia o escopo de atuação e potencial de financiamento para diferentes tipos de intervenções ambientais.
Entretanto, nem todos os especialistas veem essa abordagem sem ressalvas. Shigueo Watanabe Jr., pesquisador associado ao Instituto Climainfo, expressou uma visão crítica, sugerindo que, em muitos casos, essa iniciativa configuraria um pagamento para o cumprimento de obrigações legais já existentes. Conforme sua análise, a conservação em UCs é, por princípio, um requisito mandatário e, portanto, projetos voltados a essas áreas podem não ser “adicionais” – uma característica crucial para a credibilidade dos créditos de carbono.
Para que esses projetos gerassem créditos considerados adicionais, na perspectiva de Watanabe Jr., seria necessário que existissem ameaças iminentes e concretas de desmatamento na região em questão. Ele pondera que, embora seja viável a geração de créditos para a restauração de vegetação nativa, o mesmo não se aplicaria para a mera conservação de florestas já existentes e protegidas.
Em resposta aos questionamentos, a secretária Natália Resende sublinha que a essência do programa é estabelecer parcerias com o setor privado como forma de catalisar e estimular a preservação ambiental. A justificativa governamental aponta para a dificuldade inerente ao poder público de conduzir a restauração ambiental em larga escala ao longo do tempo. O programa surge como uma estratégia para superar essas barreiras e otimizar os esforços de recuperação de áreas degradadas.
Créditos de carbono são, por definição, títulos que representam a remoção ou a redução de uma tonelada equivalente de dióxido de carbono da atmosfera. O modelo proposto pelo governo paulista para o seu programa de geração de créditos de carbono em UCs opera com base em pagamento por resultados. Isso significa que os repasses financeiros estão diretamente condicionados à comprovação efetiva de sequestro de carbono, proteção de mananciais, salvaguarda da biodiversidade ou regeneração de solos, vinculando o investimento a impactos ambientais mensuráveis e verificáveis.
Uma flexibilidade notável na minuta do modelo de contrato, que pode ser ajustada após o período de consulta pública, é a ausência de exigência para a submissão a uma certificadora específica. De acordo com o documento, ficará a critério da empresa contratada – denominada “provedor” – escolher a metodologia de certificação que melhor se adequar aos créditos de carbono, de biodiversidade e outros ativos ambientais gerados. Essa adaptabilidade visa facilitar a adesão do setor privado ao programa, respeitando suas escolhas operacionais, desde que os objetivos de restauração sejam plenamente atendidos.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Resende reforça que, para o governo, o fundamental é a efetiva restauração da área. Há também a perspectiva de expansão da geração de créditos de carbono para propriedades do setor agropecuário no futuro, o que sugere um plano mais abrangente de descarbonização e incentivo ambiental para diversas cadeias produtivas no estado.
Todos os projetos que forem aprovados deverão obrigatoriamente seguir o plano de manejo da unidade de conservação específica onde serão desenvolvidos. Estes planos, documentos técnicos e legais, definem com clareza quais atividades são permitidas e as condições para sua execução em cada segmento da área protegida, garantindo que as ações propostas estejam em conformidade com os objetivos de proteção e uso sustentável do local.
O termo de referência dos projetos, que igualmente pode passar por alterações, exige um monitoramento contínuo de distúrbios ambientais, como desmatamentos ilegais, focos de incêndio, invasões de terra, extrações irregulares de recursos e a presença de espécies exóticas invasoras. Qualquer identificação de anomalia deverá ser imediatamente reportada às autoridades estaduais, estabelecendo um mecanismo de vigilância ativa.
Ademais, o programa prevê a entrega de relatórios quinquenais – a cada cinco anos – que terão a finalidade de acompanhar e detalhar a evolução do índice de cobertura vegetal na área abrangida pelo contrato, assegurando que o processo de restauração esteja progredindo conforme o planejado e que os resultados sejam auditáveis ao longo do tempo. Para entender mais sobre a importância dos créditos de carbono no contexto da conservação, vale a pena consultar a página do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), um órgão do governo federal brasileiro dedicado à preservação ambiental, disponível em https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/creditos-de-carbono-e-psa.
Rodrigo Levkovicz, diretor-executivo da Fundação Florestal, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação estaduais, ressaltou a conexão direta entre a restauração das florestas públicas e a qualidade da água. Ele apontou que uma significativa porção da captação de água da Sabesp – cerca de 60% – provém de unidades de conservação ou suas zonas de amortecimento, reforçando o impacto positivo do programa na segurança hídrica do estado de São Paulo.
No mesmo dia do anúncio do programa de créditos de carbono, o Governo de São Paulo também informou ajustes salariais para os servidores da Fundação Florestal. Os reajustes variam de 53% a 99% e abrangem diversas categorias profissionais essenciais para a gestão ambiental, como gestores de unidades de conservação, guardas-parques, agentes e técnicos ambientais, além de analistas. Esta medida visa valorizar os profissionais que atuam diretamente na proteção do patrimônio natural paulista.
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O Programa Estadual de Restauração e Conservação Ecológica representa um esforço ambicioso do Governo de São Paulo para impulsionar a proteção e a recuperação ambiental através do envolvimento do setor privado. Ao criar um mercado para créditos de carbono e biodiversidade em unidades de conservação, a gestão busca novas formas de financiar e assegurar o futuro dos recursos naturais paulistas. Para acompanhar outras novidades sobre políticas públicas e o meio ambiente no Brasil, explore a editoria de Política do nosso portal.
Crédito da imagem: Divulgação/Semil
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