Governo Lula Evita Debate Sobre Aborto Pós-Voto de Barroso

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O Governo Lula se distancia do debate sobre aborto no Brasil, uma posição estratégica adotada após o recente voto do agora ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. A manifestação de Barroso sobre a descriminalização do aborto, em um movimento surpresa antes de sua aposentadoria, reaqueceu uma discussão nacional que o governo petista demonstra cautela em abraçar publicamente.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem sinalizado repetidamente sua preocupação em evitar embates temáticos considerados controversos, os quais poderiam fortalecer a oposição política e complicar a já delicada articulação com importantes lideranças evangélicas do país. A manutenção de uma agenda governista coesa e o apaziguamento das relações com diferentes segmentos da sociedade são prioridades evidentes nesta gestão.

Esta postura governamental de moderação no tocante a pautas de costumes reflete uma análise política interna. Em eventos recentes, a exemplo de seu discurso no Congresso do PCdoB, o presidente enfatizou a dificuldade em comunicar certas posições, afirmando que “a direita conseguiu colocar na cabeça do povo que todos nós defendemos o aborto de qualquer jeito e o povo não defende”. Tais palavras sublinham o desafio de navegação que o Executivo enfrenta em temas sensíveis. A estratégia do governo se intensificou em um contexto de encontros importantes, como o realizado na quinta-feira, dia 15, quando o presidente se reuniu com bispos da Assembleia de Deus Ministério de Madureira, Manoel e Samuel Ferreira. Horas depois deste compromisso, o chefe de estado teceu comentários sobre a interrelação entre seu governo e as diversas representações religiosas, sublinhando a importância de uma comunicação eficaz para desmistificar narrativas construídas.

Governo Lula Evita Debate Sobre Aborto Pós-Voto de Barroso

Manobras Políticas e a Sucessão no STF

O cenário é complexo e também se conecta à possível indicação do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, conhecido por sua atuação como diácono na Igreja Batista, para a vaga aberta pela aposentadoria de Barroso no STF. Caso Messias, atualmente considerado um dos nomes mais promissores para o posto, seja realmente escolhido, o governo espera angariar apoio das bancadas evangélicas e líderes religiosos, consolidando alianças políticas estratégicas.

Historicamente, a administração petista já demonstrou uma clara intenção de se afastar dessas discussões. Em momentos anteriores desta gestão, o governo atuou decisivamente para frear uma deliberação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A resolução proposta visava estabelecer diretrizes específicas para o aborto legal de menores de idade, e a intervenção governamental visava evitar atritos em uma pauta delicada.

A presente conduta ecoa uma estratégia idêntica adotada em setembro de 2023. Naquela ocasião, a então ministra Rosa Weber votou em um processo semelhante sobre o aborto, um dia antes de seu próprio desligamento do tribunal. Tanto o presidente Lula quanto seus ministros evitaram manifestações públicas sobre o assunto, preferindo manter silêncio diante de um tema tão polarizador.

Ações Finais de Barroso Reacendem Divisão Parlamentar

Luís Roberto Barroso, seguindo um roteiro de seus últimos atos na Suprema Corte, utilizou-se de uma manobra similar à de Rosa Weber. No que foi seu derradeiro dia no cargo de ministro do STF, ele solicitou a abertura de uma sessão virtual extraordinária na corte. Nela, apresentou um voto extenso e minucioso, defendendo a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

A iniciativa de Barroso, mantida em sigilo até o último momento, buscava, segundo suas próprias palavras, evitar que a pauta provocasse maiores conflitos no país. Ele argumentou sobre os riscos de “uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país”, especialmente diante de tantos “temas delicados acontecendo ao mesmo tempo”. Seu movimento foi planejado em coordenação com o decano do Supremo, Gilmar Mendes, que interveio minutos após o voto de Barroso. Mendes utilizou um mecanismo regimental que permite suspender o julgamento, remetendo a ação para deliberação no plenário físico do tribunal, postergando a decisão final. Barroso se aposentou do STF no sábado, dia 18 de fevereiro.

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Imagem: www1.folha.uol.com.br

O voto de Barroso, mesmo suspenso, não passou despercebido. Ele gerou uma imediata e intensa polarização no Congresso Nacional, uma Casa legislativa predominantemente conservadora. As manifestações iniciais a respeito do julgamento no Supremo ficaram restritas a parlamentares de vertente ideológica mais definida, com a vasta maioria do Centrão, grupo crucial para a governabilidade, mantendo-se em silêncio cauteloso. A deliberação sobre o tema é um dos pontos mais debatidos no cenário jurídico e político brasileiro, envolvendo discussões sobre os limites da atuação do Judiciário em pautas tradicionalmente atribuídas ao Legislativo, conforme observado por diversos juristas e órgãos de imprensa em relação ao entendimento do Supremo sobre os aspectos penais do aborto no Brasil.

Repercussões e Vislumbres no Cenário Político-Social

As reações dos congressistas foram variadas e intensas. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) declarou que acompanhará o julgamento com atenção. Ela criticou a interferência judicial, afirmando que “a maioria do povo brasileiro é contra o aborto e não vamos deixar que autoridades que nunca receberam um voto sequer do povo instaurem uma cultura de morte no Brasil”.

No outro extremo do espectro ideológico, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) elogiou a ação de Barroso, classificando-a como histórica por seu voto pela descriminalização do aborto como um ato derradeiro no Supremo. A deputada pontuou que “o aborto é uma realidade, mas sua ilegalidade o torna acessível apenas àquelas pessoas que podem pagar caro por métodos clandestinos seguros”, defendendo “educação sexual para decidir, contraceptivos para não engravidar, aborto seguro para não morrer”.

Outras vozes do Congresso também se fizeram ouvir. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) qualificou a deliberação do Supremo como “um completo absurdo”, argumentando que a discussão sobre o aborto é uma atribuição exclusiva do Poder Legislativo, não do Judiciário. A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) ecoou esse sentimento, afirmando que “o ativismo judicial mata”. Já a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) defendeu que o debate sobre aborto não deve ser pautado por opiniões pessoais, mas sim como uma questão de saúde pública e de direitos, descrevendo o voto de Barroso como um “passo histórico rumo à garantia dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil”.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), uma das figuras mais atuantes nas discussões contra o aborto no Congresso, criticou duramente a conduta do ex-ministro Barroso. Para Girão, Barroso teria agido com uma “audácia do mal”, de forma “covarde”, ao proferir seu voto nas horas finais de sua passagem pelo Supremo. O senador enfatizou a gravidade da situação, afirmando que “são duas vidas em jogo: a da criança e a da mulher, que fica devastada com a prática do aborto de ordem emocional, psicológica, física e não estou nem falando da espiritual. É uma tragédia”.

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Este complexo embate, marcado pela postura cautelosa do Executivo e pela acalorada divergência no Legislativo e Judiciário, reforça a profundidade e a sensibilidade da questão do aborto na esfera política brasileira. A medida do governo de manter distância dessa controvérsia sublinha uma tentativa de estabilidade em meio a desafios significativos. Para aprofundar a compreensão sobre os rumos do debate político e as análises sobre o cenário legislativo no país, explore mais artigos em nossa seção de Política e acompanhe as atualizações contínuas sobre os temas mais relevantes do cenário nacional.

Crédito da imagem: Gabriela Biló – Folhapress