O fluxo turístico para o Japão alcançou patamares inéditos, estabelecendo um cenário onde culturas se encontram e, por vezes, se chocam. No primeiro semestre de 2025, o país foi o destino de mais de 21,5 milhões de viajantes internacionais, com expectativas de que o total anual ultrapasse 40 milhões, um número recorde. Para ilustrar a magnitude desse dado, o Brasil registrou 6,7 milhões de turistas estrangeiros em 2024. Este boom, impulsionado em parte pelo iene fraco que torna a viagem mais acessível, traz consigo a questão da gorjeta no Japão, um costume ocidental que gera perplexidade e, por vezes, fúria entre os japoneses.
Em solo nipônico, a gratificação financeira extra, amplamente disseminada em outras culturas, não é bem recebida. Este fenômeno transcende a mera recusa; ele está enraizado em códigos de conduta profundamente arraigados na sociedade. O protocolo japonês é meticuloso, abarcando desde a retirada dos sapatos ao entrar em ambientes fechados até a execução correta das reverências. As diretrizes sobre o manuseio e a entrega de dinheiro são igualmente particulares: quantias em espécie, destinadas a presentes, devem ser depositadas em envelopes especiais, e pagamentos são efetuados via bandeja, não diretamente entre as mãos. No contexto das gorjetas, a rejeição é vasta, com a população japonesa majoritariamente oposta à assimilação dessa prática.
Gorjeta no Japão: Turistas Enfrentam Dilema Cultural e Local
As diferenças culturais são a pedra angular deste embate. Andy Lunt, que auxilia na gestão do bar Shin Hinomoto, no coração de Tóquio, frequentemente se encontra na posição de explicar delicadamente aos novatos que a gorjeta é desnecessária. Cidadão britânico casado com uma japonesa cuja família administra o local desde os anos 1940, Lunt compreende o constrangimento que a situação pode gerar. “Muitas vezes, quando entrego a conta a pessoas que suspeito estarem no Japão pela primeira vez, faço questão de dizer, educadamente, que uma das coisas maravilhosas do Japão é que não é necessário dar gorjeta, o que elimina imediatamente qualquer constrangimento”, revelou. Questionado sobre os motivos, ele ressalta a tradição e o alívio que a ausência de um custo adicional representa, especialmente em tempos de aumento de preços. Contudo, Lunt adiciona um ponto crucial: ele e sua equipe acreditam que a execução adequada do trabalho não requer compensação extra. Tão forte é essa convicção que, segundo ele, se alguém deixar dinheiro na mesa, a equipe fará questão de ir atrás do cliente para devolvê-lo.
O fortalecimento do iene, que torna o Japão mais atrativo economicamente para viajantes, é um fator inegável na ascensão do turismo. Observa-se em alguns bares, cafeterias e restaurantes, a instalação esporádica de potes de gorjetas próximos ao caixa. No entanto, tal prática permanece rara e cercada de controvérsia, especialmente entre os cidadãos japoneses. A resistência é palpável, e um incidente envolvendo a rede de restaurantes Gyukatsu Motomura, especializada em costeletas de carne, exemplifica a controvérsia. Imagens de um pote de gorjetas em um de seus estabelecimentos circularam nas redes sociais no início do ano, gerando uma onda de comentários negativos. Um usuário afirmou que a cultura da gorjeta é prejudicial, levando funcionários a sentirem “direito a gorjetas” e a proferir “coisas desagradáveis sobre quem não dá gorjeta ou dá apenas uma quantia pequena”, sem, contudo, culpar seus empregadores pelas condições salariais.
A percepção de que um serviço de qualidade é um pressuposto básico e não um luxo pelo qual se deve pagar mais permeia a mentalidade dos proprietários de estabelecimentos. Mariko Shigeno, ex-proprietária do restaurante La Tour, em Kamika, província de Kanagawa, sul de Tóquio, sublinhou essa distinção cultural. “Para mim, é meu trabalho garantir que o serviço seja bom e não há necessidade de me pagar a mais por isso”, explicou ela. “Entendo que as gorjetas têm o objetivo de mostrar gratidão por um serviço excelente, mas eu já deveria estar prestando um serviço excelente.” Taku Nakamura, dono do bar de vinhos Le Pipi d’Ange, em Yokohama, compartilha da mesma visão, reforçada por suas extensas viagens pela Europa. Nakamura expressou o desejo de que a gorjeta não ganhe espaço no Japão, associando-a à ideia de uma ostentação financeira, onde “uma pessoa exibe quanto dinheiro tem para outra pessoa que trabalha em um emprego de baixo nível e subalterno”. Para ele, a maioria dos japoneses crê que se deve “ganhar dinheiro suficiente para viver sem precisar de caridade.” Em um país onde a excelência no atendimento é vista como padrão e parte inerente ao serviço, conforme detalha a organização Japan National Tourism Organization (JNTO) em seu guia cultural, a oferta de gratificação financeira adicional se desvia profundamente das normas estabelecidas.
A pergunta se esta “moda” das gorjetas irá se enraizar no Japão foi abordada por Ashley Harvey, analista de marketing de viagens com mais de 15 anos de experiência no setor de turismo local. Harvey se mostra confiante de que, apesar de alguns turistas estrangeiros manterem o hábito de dar pequenas gorjetas, o conceito não será amplamente adotado pela população japonesa. Ele relativiza a intensidade da questão, argumentando que, embora tenha havido um notável crescimento no número de visitantes, a grande maioria provém de outras partes da Ásia – como China, Coreia do Sul e Taiwan –, regiões que igualmente não possuem a cultura de dar gorjetas. Portanto, segundo ele, é uma “pequena minoria de pessoas que tenta dar gorjetas”. Sua sugestão para estabelecimentos preocupados com a questão é simples: “Acho que qualquer restaurante ou bar que sinta que isso realmente vai causar grandes problemas deveria simplesmente colocar uma placa informando que gorjetas não são necessárias”. Embora admita ter visto “alguns potes de gorjetas”, ele insiste que eles estão “longe de se tornar comuns” e, sarcasticamente, completa: “Tenho certeza de que não são os japoneses que estão colocando dinheiro lá.”
O cenário turístico japonês é dinâmico e repleto de particularidades. Compreender a aversão à gorjeta no Japão é essencial para qualquer visitante, demonstrando respeito pelos costumes locais. O sucesso em assimilar essas nuances garante uma experiência cultural mais rica para ambos, anfitriões e hóspedes, mantendo a autenticidade do Japão.
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Crédito da imagem: Freepik

Imagem: g1.globo.com
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