A **absolvição de Francisco Mairlon Barros Aguiar** marca uma reviravolta judicial impactante no cenário jurídico brasileiro. Após quase 15 anos de encarceramento, o homem condenado pelo tristemente célebre Crime da 113 Sul foi libertado nesta quarta-feira (15). A decisão unânime, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira (14), anulou a condenação original e extinguiu o processo, restaurando sua liberdade e declarando-o livre de quaisquer acusações relacionadas ao triplo homicídio que chocou Brasília em 2009.
Mairlon deixou o Complexo Penitenciário da Papuda, onde cumpria a pena, às 0h20 desta quarta, reencontrando sua família e sendo acompanhado por seus advogados. Em sua primeira manifestação pública à TV Globo após a soltura, ele expressou profunda gratidão. “O dia mais feliz da minha vida está sendo hoje. Muita gratidão a todas as pessoas que não desistiram de mim, à ONG Innocence, que insistiu. Família, amigos, não sei nem o que falar”, declarou. Ele também destacou a intensidade do momento: “É um momento de êxtase que ninguém pode imaginar. Fora os obstáculos, as adversidades que eu tive que passar aqui dentro, ser bastante resiliente com as coisas que aconteceram.”
Francisco Mairlon É Solto Após 15 Anos Preso Pelo Crime da 113 Sul
A determinação do STJ de que Mairlon teve uma condenação injusta fundamentou-se na fragilidade dos elementos de prova utilizados para sua sentença. Os cinco ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça convergiram, em deliberação unânime, para o entendimento de que a condenação baseou-se exclusivamente em depoimentos precários, colhidos na fase de inquérito policial e jamais confirmados em juízo sob a devida apreciação de um magistrado. Tal fundamentação levou à anulação da pena e ao trancamento definitivo do caso em relação ao réu.
Anulação da Condenação pelo STJ
A decisão do STJ reverteu uma situação que se estendeu por quase uma década e meia. Francisco Mairlon Barros Aguiar foi inicialmente detido em novembro de 2010 pela Polícia Civil de Brasília, aproximadamente um ano e três meses após o crime ter ocorrido. À época, Mairlon tinha 22 anos e residia em Pedregal, no município de Novo Gama (GO). Em 2013, o Tribunal do Júri o condenou a 55 anos de prisão, pena que foi subsequentemente reduzida para 47 anos em segunda instância. A absolvição de Mairlon representa um marco na luta contra erros judiciais e é um exemplo da relevância da revisão de processos quando novas evidências ou falhas processuais são identificadas. Para mais detalhes sobre as instâncias de revisão judicial no Brasil, pode-se consultar informações em fontes como o site oficial do Superior Tribunal de Justiça.
Contexto do Triplo Homicídio de 2009
O Crime da 113 Sul, também conhecido como Caso Villela, teve lugar em 28 de agosto de 2009. Na ocasião, foram brutalmente assassinados a facadas no apartamento da família, na Quadra 113 Sul de Brasília: José Guilherme Villela, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); sua esposa, Maria Villela; e a empregada do casal, Francisca Nascimento da Silva. Dólares e joias foram subtraídos do imóvel na noite da tragédia. A complexidade do caso e a repercussão midiática transformaram-no em um dos crimes mais enigmáticos e chocantes da história recente da capital federal, ganhando até mesmo uma série documental no Globoplay.
A Revisitação do Caso e a Luta por Justiça
A narrativa completa da investigação do Crime da 113 Sul foi abordada na série documental Original Globoplay “Crime da 113 Sul”, lançada na plataforma. Em abril de 2024, a equipe do documentário entrevistou Mairlon no Complexo da Papuda, enquanto ele ainda cumpria a pena. Naquele momento, Francisco Mairlon Barros Aguiar deixou claro seu anseio por justiça, afirmando que só aceitaria a liberdade se sua inocência fosse comprovada, recusando a ideia de sair por cumprimento de tempo de pena. “Eu só aceito sair daqui inocentado”, declarou. A família de Mairlon sempre defendeu veementemente sua inocência. Os irmãos, motivados a ajudar, chegaram a cursar Direito. Posteriormente, a família uniu-se à ONG Innocence Project, uma organização internacional dedicada a revisar e reverter possíveis erros judiciais, para impulsionar a anulação do processo.
O caso se notabilizou pelas inúmeras reviravoltas e particularidades incomuns que permearam a investigação. Entre elas, destacam-se a disputa de jurisdição entre três delegacias distintas, o envolvimento de uma vidente que forneceu denúncias falsas e teve sua farsa desmascarada, a descoberta de um “dossiê” manuscrito escondido em uma fossa sanitária no interior de Minas Gerais, e a aparição de uma testemunha-chave — um preso que alegou ter descoberto os executores dentro da cela e posteriormente delatou-os à polícia.
Os Acusados e as Mudanças nas Versões
Mais de um ano após o crime, em setembro de 2010, em resposta à intensa pressão social por uma resolução, a Polícia Civil indiciou Adriana Villela, filha do casal assassinado e arquiteta, como a suposta mandante. A tese policial indicava que Adriana teria orquestrado os assassinatos com o intuito de herdar os bens da família. Essa conclusão inicial foi sustentada por depoimentos de funcionários que apontavam uma relação conflituosa entre Adriana e sua mãe, uma carta revelando brigas por questões financeiras e o que foram classificadas como “evidências comportamentais”. Curiosamente, na fase do indiciamento de Adriana, os executores diretos ainda não haviam sido identificados.
Em novembro de 2010, as investigações avançaram com a identificação do ex-porteiro do edifício da Asa Sul, Leonardo Campos Alves. Ele havia trabalhado no condomínio por 14 anos e sido demitido seis meses antes do Crime da 113 Sul. Após a demissão, Leonardo se mudou para Montalvânia, no norte de Minas Gerais. Detido nessa localidade, ele inicialmente confessou a autoria do crime. Em sua primeira versão, alegou ter viajado para Brasília em 28 de agosto de 2009 com a intenção de roubar os Villela, agindo ao lado de seu sobrinho, Paulo Cardoso Santana, que também era de Montalvânia. Conforme essa declaração, Leonardo e Paulo seriam os únicos responsáveis pelos assassinatos a facadas e pelo furto dos dólares e joias.
Entretanto, a narrativa tomou outro rumo. Após uma alteração de delegacia na condução do inquérito e em seu quinto depoimento, Leonardo Campos Alves revisou sua versão dos fatos. Ele passou a alegar ter sido contratado por Adriana Villela, que supostamente lhe teria entregado os US$ 27 mil e as joias, com a instrução de simular um assalto e eliminar os pais. A morte da empregada, Francisca, seria para não deixar testemunhas. Nesta nova e decisiva versão, Leonardo afirmou que não subiu ao apartamento. Em vez disso, disse que Paulo, seu sobrinho, e um amigo, a quem identificou como “Mairton”, teriam sido os responsáveis pelas facadas e pela execução. A polícia logo identificou “Mairton” como Francisco Mairlon.

Imagem: g1.globo.com
O Envolvimento de Mairlon e Sua Defesa
Francisco Mairlon havia sido vizinho de Leonardo e Paulo em Pedregal em 2008 e no início de 2009, antes de Leonardo ser desligado do prédio da 113 Sul e mudar-se para Minas Gerais. Filho de ascendência cearense, Mairlon auxiliava no comércio familiar com entregas de gás, era proprietário de uma mercearia em Pedregal e estava recém-casado. Sua esposa estava no oitavo mês de gestação quando ele foi preso, o que adiciona um trágico elemento à sua história. Mairlon viu o filho recém-nascido pela primeira vez durante uma visita na Papuda, levado por sua mãe.
Conduzido à delegacia da antiga Coordenação de Investigação de Crimes contra a Vida (Corvida), Mairlon prestou vários depoimentos ao longo de um dia inteiro. Inicialmente, ele negou qualquer envolvimento com o crime. Contudo, após uma série de interrogatórios e um confronto “informal” com Leonardo, conforme registrado em vídeos da delegacia, Mairlon confessou ter comparecido à quadra dos Villela, mas sustentou que não adentrou o apartamento, tendo ficado de vigia. Sua versão, no entanto, divergia das demais.
Mairlon posteriormente declarou que só admitiu à polícia ter ido ao local junto com Paulo e Leonardo por sentir-se coagido, temendo que os policiais pudessem ameaçar sua esposa grávida. Ao longo de todo o processo judicial, ele consistentemente negou envolvimento no Crime da 113 Sul. Um ponto crucial destacado pela ONG Innocence Project no recurso ao STJ foi a inexistência de provas materiais que vinculassem Mairlon ao endereço dos Villela. Em contrapartida, provas materiais foram encontradas no caso de Leonardo e Paulo, incluindo a localização de duas lojas em Montes Claros (MG), próximo a Montalvânia, onde Leonardo comercializou joias e dólares pertencentes à família Villela.
Para o Innocence Project, a inclusão de Mairlon na narrativa de Leonardo foi uma estratégia para atenuar a própria pena de Leonardo, ao afirmar que não subiu ao apartamento e ficou apenas na vigilância externa. Por outro lado, a polícia e o Ministério Público mantiveram a posição de que Mairlon havia confessado sua participação nos assassinatos em dois depoimentos na fase policial.
A Votação Unânime e as Críticas ao Processo Investigatório
A Sexta Turma do STJ votou unanimemente para anular a condenação e, subsequentemente, a ação penal de Francisco Mairlon. O ministro Sebastião Reis Junior, relator do caso, destacou que a condução dos depoimentos que incriminavam Mairlon feriu direitos fundamentais como a ampla defesa e o contraditório. “Existindo depoimentos incriminando o recorrente bem como depoimentos judiciais inocentando-o, caberia ao magistrado singular, na ocasião de proferir a decisão de pronúncia, confrontar os elementos de informação”, disse. O ministro criticou a admissibilidade de uma condenação baseada apenas em elementos informativos da fase extrajudicial, “dissonantes da prova produzida em juízo”, especialmente por um tribunal leigo.
Após a análise dos vídeos dos depoimentos colhidos na antiga Corvida, o ministro Rogério Schietti apontou que foram utilizados “expedientes que fogem de qualquer conceito de civilidade”. Ele ressaltou a forma como os procedimentos se davam na delegacia, sem a presença de advogados, após “horas exaustivas de depoimento”, suprimindo direitos dos investigados e “o resultado é o incremento enorme do risco de condenações injustas”. Schietti ainda sugeriu a necessidade de uma provocação, talvez pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para revisar as técnicas de investigação e coleta de depoimentos, propondo um novo protocolo que “dê confiabilidade a essa prova”.
O ministro Carlos Pires Brandão classificou o caso como “quase uma tragédia para os profissionais do direito”. Ele expressou surpresa pela “utilização de elementos meramente informativos, levantados na fase administrativa, serem transformados em provas sem qualquer cotejamento com os demais elementos”. O ministro Og Fernandes também se manifestou, afirmando que os vídeos demonstravam uma “coação moral”, aplicada “em regra, a pessoas de pouca estrutura intelectual, que são coagidas a assumir tal ou qual versão porque isso encerra, bem ou mal, a atividade policial”. Ele concluiu: “Todos aqui temos um único desejo, a verdade. Seja o Judiciário, seja a defensoria, seja o Ministério Público. E parece que essa verdade assim obtida, pelo que vi e pelo que ouvi, é falsa. Não convence”. O ministro Antônio Saldanha Palheiro acompanhou o entendimento dos demais, consolidando a decisão unânime.
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A libertação e a subsequente absolvição de Francisco Mairlon, após quase quinze anos na Papuda, marcam um capítulo crucial na história do Crime da 113 Sul e da justiça brasileira, reiterando a importância de um processo judicial rigoroso e justo, fundamentado em provas sólidas e em respeito irrestrito aos direitos do acusado. Continue acompanhando as atualizações sobre este e outros casos relevantes na nossa editoria de Cidades e Política para se manter informado.
Crédito da Imagem: Globoplay/Reprodução
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