A preocupação com o crescente **risco de bolha de crédito nos EUA** no mercado privado levou Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), a expressar publicamente seu receio durante a reunião anual da organização, em Washington, no dia 16 de outubro. A gestora admitiu ter noites de insônia diante da possibilidade de que as expansivas operações de crédito privado possam desestabilizar a maior economia do mundo.
O FMI acompanha de perto o cenário financeiro global, e o atual temor está concentrado nos riscos potenciais apresentados por este mercado pouco regulamentado. Segundo dados da própria organização para 2024, o setor de crédito privado norte-americano movimenta entre US$ 1,5 trilhão e US$ 2,1 trilhões, sendo que três quartos desse volume estão nos Estados Unidos, acendendo um sinal de alerta para a comunidade financeira internacional.
FMI alerta para bolha de crédito nos EUA e temores de crise
Um dos sinais vermelhos para a economia global surgiu com o colapso abrupto da First Brands Group, uma grande fabricante de autopeças. A empresa entrou com pedido de proteção contra falência no final de setembro, em um processo que levantou questionamentos sobre a transparência de seu balanço patrimonial. Bilhões de dólares em passivos da companhia não estavam apenas com bancos tradicionais, mas também eram dívidas “fora do balanço”, vinculadas ao setor de crédito privado dos EUA, caracterizado por sua menor supervisão regulatória.
A situação da First Brands Group não parece ser um incidente isolado. O caso foi precedido pela declaração de falência da financeira automotiva Tricolor, também sustentada por crédito privado, em meio a acusações de fraudes. A sequência desses eventos reforçou a suspeita de fragilidades inerentes a um segmento em rápida expansão e com baixa vigilância. “É por isso que pedimos mais atenção às instituições financeiras não bancárias”, ressaltou Georgieva a jornalistas, sublinhando a necessidade de uma supervisão mais robusta para o setor. “Essa questão me tira o sono de vez em quando”, acrescentou ela.
A diretora do FMI destacou a “mudança muito significativa” no padrão de financiamento, que historicamente se concentrava no setor bancário, mas agora se encontra disperso em uma vasta rede de instituições financeiras não bancárias. Essas entidades, por não estarem sujeitas às mesmas regulamentações rigorosas dos bancos, representam um ponto de vulnerabilidade para o sistema financeiro, ampliando o **risco de crédito** em cascata.
As duas inadimplências consecutivas na indústria automotiva serviram como um catalisador para a reavaliação dos riscos. Patrik Gupta, estrategista do Bank of America, avaliou que os episódios expuseram “potenciais falhas e desafios na avaliação de crédito”. Esta percepção levou o mercado a questionar a profundidade das análises e a celeridade com que negócios são fechados no setor de crédito privado, semeando dúvidas sobre sua estabilidade e confiabilidade. Em momentos de alta incerteza econômica, uma análise criteriosa da liquidez é fundamental, conforme apontado pelo Fundo Monetário Internacional em suas análises sobre a estabilidade financeira global, disponível no portal do FMI.
A preocupação foi intensificada com novos relatos de perdas milionárias em dois bancos regionais dos Estados Unidos, sem ligação com a indústria automotiva, mas igualmente motivadas por empréstimos concedidos a empresas que supostamente os fraudaram. O Zions Bancorporation informou uma perda esperada de US$ 60 milhões em decorrência de dois empréstimos comerciais e industriais. O Western Alliance, por sua vez, embora não tenha divulgado o montante do prejuízo, confirmou ter iniciado ações judiciais alegando fraude por parte do mutuário, admitindo um aumento nos empréstimos com **risco de calote**.
Para Leonel Mattos, analista de inteligência de mercado da StoneX, os casos “aumentaram a preocupação de investidores de que talvez o mercado de crédito americano possa estar em dificuldades, que a qualidade do crédito não esteja muito boa e que o setor financeiro, em particular os bancos, possam acumular prejuízos se tiverem dificuldades de recuperar o valor financiado às empresas do país.” A fala ecoa a apreensão sobre o efeito dominó em um sistema financeiro altamente interconectado.
A cautela do mercado foi notória em uma quinta-feira recente, com o índice de volatilidade VIX, apelidado de “índice do medo”, registrando uma alta de 22,6%, atingindo 25,3 pontos – o nível mais alto desde abril daquele ano. Em resposta, as ações de bancos regionais norte-americanos sofreram um tombo. O índice bancário regional KBW dos EUA encerrou a quinta-feira com queda de 6,3%, ditando o clima pessimista para o início do pregão no dia seguinte nos mercados globais. Instituições europeias, como Deutsche Bank e Société Générale, também apresentaram recuos superiores a 5%.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Esses incidentes reviveram na memória dos investidores a experiência recente do colapso do Silicon Valley Bank, ocorrido há dois anos, que provocou a subsequente queda do Signature Bank. Ian Lopes, economista da Valor Investimentos, contextualiza: “A preocupação com risco de crédito e inadimplência é ainda maior considerando o passado recente dos Estados Unidos, desde a crise financeira de 2008 até a quebra do Silicon Valley Bank. O sistema bancário é totalmente interligado, e acaba que temos um efeito dominó: quando um banco quebra, outro quebra em seguida. Daí o receio do mercado, dado o passado recente”.
Os temores foram também alimentados pelos comentários de Jamie Dimon, presidente-executivo do JPMorgan Chase, feitos no início da semana. Ele criticou o mercado de crédito privado, uma área observada com ceticismo pelos bancos tradicionais há algum tempo. “Quando você vê uma barata, provavelmente há mais, e, portanto, todos devem estar prevenidos”, afirmou Dimon, insinuando problemas sistêmicos não imediatamente visíveis. Sua declaração levou participantes do mercado a questionar se o influente banqueiro estava alertando sobre dificuldades maiores no setor.
Ainda assim, Georgieva, do FMI, informou que a organização permanece “muito atenta” aos sinais, mas, “até agora, não foram avistadas muitas baratas”, numa tentativa de modular a narrativa alarmista. As tensões, de fato, se dissiparam parcialmente no início da tarde da sexta-feira subsequente. Kevin Hassett, assessor econômico da Casa Branca, demonstrou otimismo, assegurando que os bancos possuem amplas reservas e que os mercados de crédito estão estáveis. Ele mencionou que autoridades do governo, incluindo o secretário do Tesouro Scott Bessent e Michelle Bowman do Federal Reserve, estavam “limpando as coisas”, sem fornecer detalhes adicionais.
Para o alívio geral, Clayton Triick, executivo da Angel Oak Capital Advisors, declarou ao Wall Street Journal que os casos de fraude parecem ser isolados, “sem necessariamente apontar para fragilidades profundas” no setor. Triick acrescentou que a falta de divulgação de dados econômicos devido ao “shutdown” governamental nos Estados Unidos amplifica a sensação de pânico entre os investidores, que ficam sem referências numéricas oficiais para orientar suas decisões.
Sinalizando esse alívio, o VIX recuou 17% naquela sexta-feira, e os principais índices acionários de Wall Street fecharam no positivo. Os bons resultados trimestrais de bancos regionais também contribuíram para mitigar as preocupações, com destaque para Truist Financial (+3,67%), Fifth Third Bancorp (+1,31%) e Regions Financial (+0,99%). Contudo, mesmo com a recuperação, State Street teve um leve declínio (-1,40%). A vigilância dos mercados, contudo, persiste.
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O cenário do **crédito privado** e os possíveis desdobramentos de uma bolha nos Estados Unidos continuam sob os holofotes. Enquanto autoridades tentam tranquilizar os investidores, a interconexão do sistema financeiro global exige atenção contínua. Para mais análises aprofundadas sobre os movimentos econômicos globais e seus impactos, continue acompanhando nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Timothy A. Clary/AFP
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