A potencial abolição da obrigatoriedade das autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tem gerado um intenso debate em todo o Brasil. O tema ganhou destaque após a abertura de uma consulta pública no último dia 2 de maio, buscando colher a opinião da sociedade sobre uma alteração que pode reformular o processo de formação de condutores no país. A complexidade do assunto foi amplamente explorada em um episódio recente do podcast “O Assunto”, veiculado em 3 de maio, que reuniu visões antagônicas e bem fundamentadas sobre essa proposta transformadora.
Na gravação, mediada por Natuza Nery, dois especialistas com vasta experiência no campo da segurança de trânsito apresentaram suas perspectivas detalhadas. Paulo Cesar Marques da Silva, doutor em Estudos de Transporte pela Universidade de Londres e professor da Universidade de Brasília (UnB), expôs os motivos favoráveis ao encerramento da formação obrigatória. Em contrapartida, David Duarte Lima, doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, defendeu a manutenção e aprimoramento do modelo atual, argumentando sobre os riscos de uma mudança abrupta e desestruturada.
Fim da Autoescola CNH: Entenda Prós e Contras da Medida
A discussão central gira em torno da eficácia do sistema vigente de formação de condutores no Brasil. Enquanto uns apontam que os altos índices de acidentes sugerem falhas na estrutura atual, outros enfatizam o papel fundamental das instituições de ensino na conscientização e preparação inicial dos futuros motoristas. Este panorama levanta questionamentos profundos sobre o que é essencial para formar condutores seguros e responsáveis em um dos trânsitos mais desafiadores do mundo, em busca de alternativas que possam otimizar o acesso à habilitação e, ao mesmo tempo, garantir a segurança viária.
Argumentos em favor da flexibilização do processo da CNH
Os defensores da mudança, liderados por especialistas como Paulo Cesar Marques da Silva, argumentam que o modelo atual de formação de condutores enfrenta diversas dificuldades. Um dos principais pontos levantados é a chamada “fuga do sistema”. Segundo Marques da Silva, o elevado custo e a excessiva burocracia inerente ao processo para a obtenção da carteira de motorista desestimulam uma parcela significativa da população, que acaba optando por não se habilitar formalmente. Ele avalia que essa evasão representa um risco maior para a segurança no trânsito do que uma eventual flexibilização das normas atuais para se tirar a CNH.
O alto custo financeiro imposto aos candidatos à habilitação é outro argumento robusto. Em alguns estados brasileiros, o valor total para tirar a CNH pode superar R$ 4 mil. Para muitos, este montante constitui uma barreira intransponível, impedindo o acesso à habilitação para trabalhar e sustentar suas famílias. Paulo Cesar argumenta que a desobrigação da autoescola promoveria uma “democratização na obtenção da habilitação”, permitindo que mais cidadãos fossem submetidos à avaliação do poder público no momento de conquistar a carteira. Este cenário poderia, na visão dos defensores da proposta, alargar a base de condutores oficialmente registrados, com os devidos exames práticos e teóricos garantidos pelas autoridades competentes. É possível encontrar informações detalhadas sobre os custos e procedimentos da CNH diretamente nos canais oficiais do governo, o que pode dar uma dimensão da complexidade atual.
Além disso, o professor da UnB menciona que o Brasil poderia se inspirar em “outros modelos” internacionais. Ele cita países de destaque em segurança viária, como as nações escandinavas e o Reino Unido, onde a formação em autoescolas não segue um modelo de obrigatoriedade rígida. Nessas localidades, o foco é intensificado na excelência e na exigência dos testes práticos e teóricos, acompanhados por uma fiscalização rigorosa para impedir a circulação de condutores não habilitados. A proposta sugere, assim, que a eficácia da segurança no trânsito reside mais na avaliação rigorosa e na fiscalização contínua do que na imposição de um formato de ensino específico.
Marques da Silva também enfatiza que a raiz do grande número de acidentes no Brasil está mais intrinsecamente ligada à “cultura” e ao “comportamento” dos motoristas no trânsito do que à mera formação técnica. Atitudes como direção agressiva, a ausência de cidadania e a falta de respeito entre os condutores são apontadas como causas significativas para os sinistros viários. “É um problema de educação da sociedade como um todo, que a autoescola não resolve sozinha”, afirma, colocando a questão em um espectro mais amplo que transcende o âmbito das instituições de ensino veicular.
A “qualidade do exame prático” vigente para a obtenção da CNH é outro alvo de críticas de Paulo. Ele considera o modelo brasileiro atual deficiente, principalmente para os motociclistas. O professor argumenta que os testes atuais priorizam a capacidade de manobrar a motocicleta em baixa velocidade, distanciando-se das condições “reais” de trânsito. Ele novamente faz um paralelo com o Reino Unido, onde os exames são conduzidos em vias públicas, expondo o condutor a situações autênticas do dia a dia, um método que, em sua visão, avalia de forma mais completa a real aptidão do motorista.
Os pontos de oposição ao término da obrigatoriedade das autoescolas
No polo oposto, David Duarte Lima apresenta uma série de contra-argumentos substanciais contra a abolição da obrigatoriedade das autoescolas. Sua principal preocupação é a ausência de um “plano de substituição” concreto e bem-elaborado. Utilizando a analogia de que “a gente não destrói uma casa velha antes de construir uma nova”, David alerta para o risco de desmantelar um sistema existente sem uma alternativa robusta e testada. Ele reitera a necessidade de que qualquer mudança no modelo seja feita com extrema cautela e planejamento.

Imagem: que é uma boa ideia mudar processo de o via g1.globo.com
Para o especialista, o “papel das autoescolas” é de importância inquestionável na formação dos motoristas. Essas instituições são, segundo ele, o primeiro contato formal e estruturado que o candidato a condutor tem com a legislação de trânsito, com os conceitos cruciais de direção defensiva e com o desenvolvimento das habilidades basilares para a condução veicular. David define a autoescola como uma “sala de aula que anda”, sublinhando que o instrutor desempenha um papel essencial ao “orientar a atenção do aluno, com uma didática complexa”. Assim, ele defende um reforço do sistema de ensino, em vez de seu enfraquecimento.
David reconhece, contudo, que há problemas na “qualidade das autoescolas” e na preparação de seus instrutores, admitindo que o sistema atual, de fato, muitas vezes forma motoristas com habilidades aquém do ideal. No entanto, ele vê essa falha como uma razão para “reformar e melhorar” o sistema, buscando elevar o nível de ensino e capacitação dos profissionais, em vez de abandoná-lo por completo. Em sua ótica, o desafio está em aprimorar o que já existe, garantindo um processo de aprendizado mais eficiente e rigoroso.
Ele reforça sua visão ao citar o “modelo espanhol”. David relata que a Espanha, que outrora possuía um trânsito extremamente violento, não optou por eliminar a formação obrigatória. Pelo contrário, o país investiu maciçamente no aprimoramento dessa formação. A Espanha focou em definir o perfil do condutor ideal e em capacitar os instrutores de forma qualificada, buscando apoio universitário para desenvolver materiais didáticos de alta qualidade. O resultado foi impressionante: uma redução de 80% na mortalidade no trânsito em menos de uma década, provando que o investimento em educação e treinamento robustos pode ser altamente eficaz.
Por fim, em relação ao “alto custo” para se obter a CNH, um argumento central dos defensores da mudança, David reconhece que é uma barreira para a população de baixa renda. No entanto, ele argumenta que o valor total para a carteira de motorista não é composto exclusivamente pelo treinamento em autoescolas. O processo inclui também custos como a avaliação psicológica, o exame médico e as taxas do Detran. Sendo assim, a simples eliminação da obrigatoriedade da autoescola não resolveria integralmente a questão do custo, uma vez que as outras etapas financeiramente impactantes continuariam existindo.
Confira também: crédito imobiliário
O debate sobre o fim da autoescola obrigatória para obter a CNH é multifacetado, com especialistas apresentando argumentos válidos tanto a favor quanto contra a proposta. A consulta pública aberta é um passo importante para que a sociedade brasileira possa contribuir para essa decisão, que terá impacto direto na segurança de trânsito e na vida de milhões de cidadãos. Continue acompanhando a cobertura completa em nossa editoria de Política para mais informações sobre essa e outras discussões relevantes.
Imagem de arquivo mostra carros de autoescola Foto: Reprodução/TV Globo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados