Em um gesto de esperança e luto, a Paróquia Bom Jesus da Penha, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, acolheu fiéis em 2 de novembro de 2025 para um momento de profunda reflexão. Em plena data de Finados, as preces transcenderam a memória dos entes queridos para incluir as famílias afetadas pela Operação Contenção, que resultou em 121 mortes na última terça-feira, dia 28 de outubro, e foi classificada como uma das mais letais da história do Rio de Janeiro.
As missas na Penha tornaram-se um refúgio para aqueles que buscam conforto em um período de intensa dor e incerteza. O Padre Marcos Vinícius Aleixo, que conduziu as celebrações neste domingo, testemunhou o sofrimento da comunidade e reforçou o acolhimento oferecido pela igreja. “Todos que vêm, sejam mães, familiares, amigos, nesse momento de dor, nós temos acolhido, rezado e intercedido por essas pessoas”, relatou o padre, refletindo o apoio espiritual às vítimas dos conflitos nas favelas vizinhas.
Fiéis na Penha Rezam por Paz Após Conflitos na Zona Norte do RJ
A tensão é palpável no bairro. De acordo com o Padre Marcos Vinícius Aleixo, a insegurança se instaurou de tal forma que a própria frequência às missas foi impactada. “As pessoas estão com medo, e até mesmo a frequência nas missas diminuiu”, explicou. Ele destacou que muitos evitam sair de casa, com receio de frequentar atividades cotidianas, inclusive os serviços religiosos na Paróquia Bom Jesus da Penha, temendo a violência que permeia a região.
O Impacto Psicológico dos Conflitos na Comunidade
O som constante de tiros e outros ruídos relacionados à violência gera sequelas profundas nos moradores. O líder religioso salientou o impacto psicológico que esses eventos provocam, mencionando traumas, crises de ansiedade e um medo constante. “O tiro, o barulho, isso tudo traz traumas, traz crise de ansiedade, traz medo às pessoas que lá dentro moram, que são pessoas de bem e que estão ali lutando para viver, muitas vezes, porque não tem outra oportunidade de sair dali, mas são pessoas de bem, são pessoas que honestamente trabalham e têm a sua vivência diária”, frisou o Padre Marcos Vinícius, pouco antes de sua despedida da paróquia. A igreja se encontra a apenas um quilômetro da Praça São Lucas, local onde corpos foram reunidos após serem retirados de uma área de mata entre os complexos do Alemão e da Penha, evidenciando a proximidade da fé com a realidade dura dos enfrentamentos.
A “Operação Contenção” e suas Repercussões
A “Operação Contenção”, que foi o catalisador de tanta dor na região, teve um saldo de 121 vidas perdidas, sendo quatro policiais e 117 civis, conforme dados da Secretaria de Pública do Rio de Janeiro. A ação cumpriu 20 dos 100 mandados de prisão emitidos pela justiça e envolveu ainda 180 mandados de busca e apreensão. Além disso, 93 pessoas foram presas em flagrante. O principal objetivo da operação era combater o Comando Vermelho, grupo que, segundo as autoridades, detém o controle territorial nas comunidades afetadas.
A Vida Cotidiana Sob a Lente da Violência e Críticas à Ação Policial
Os habitantes do bairro, infelizmente, se veem aprisionados entre o crime organizado e as ostensivas operações policiais. Uma moradora da Penha, que optou por não ter seu nome divulgado, desabafou sobre a incessante falta de tranquilidade. “A gente não tem sossego. Afeta, claro que afeta, principalmente porque você está encurralada”, disse, expondo a dura realidade enfrentada por quem tenta levar uma vida normal. A dificuldade de locomoção, o receio de andar pelas ruas e até a cobrança ilegal de “pedágios” pelo crime organizado são entraves constantes. “Atrapalha até as ruas, as pessoas não podem passar. Ficam cobrando até pedágio. Isso não existe, gente! É tranquilidade que eu cobro. A minha cobrança é essa. Porque a gente não tem mais paz, não tem sossego. Você vai pedir um Uber, o Uber não quer entrar aqui porque está na Penha. Olha que absurdo”, desabafou a moradora.

Imagem: Tânia Rêgo via agenciabrasil.ebc.com.br
A “Operação Contenção” gerou críticas severas tanto de organizações nacionais quanto internacionais, incluindo o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), devido a fortes indícios de abuso de poder por parte das forças policiais. Relatos de famílias de vítimas apontam marcas de tortura em corpos e a alegação de que muitos tentaram se render. O governo estadual, por sua vez, contradiz essas afirmações, assegurando que aqueles que se renderam foram presos, e que os mortos entraram em confronto com os agentes de segurança. Apesar das controvérsias, para outro residente da área, que também preferiu não ser identificado, a operação, de certa forma, “acaba trazendo uma sensação de que estão fazendo algo”. “O Rio de Janeiro todo está meio largado em questão de segurança. […] Porque são dois lados. Ninguém é bonzinho”, ponderou. Contudo, uma moradora que estava no Complexo da Penha durante a ação descreveu o dia como “de horror” e duvidou da eficácia a longo prazo: “Foi muito ruim para nós, porque impactou a vida de muita gente, dos moradores, das crianças, foi muito tiroteio. E isso é ruim para quem não tem envolvimento com nada, pra gente que é morador, pessoas de bem”. Questionada sobre a possibilidade de mudanças pós-operação, ela foi categórica: “Nada.”
A busca por serenidade em meio à turbulência reforça a importância de instituições como a Paróquia Bom Jesus da Penha. A Secretaria Municipal de Assistência Social realizou um plantão de atendimento às famílias do Alemão e Vila Cruzeiro na paróquia, oferecendo suporte a quem sofre as consequências da violência que, repetidamente, assola a Zona Norte do Rio de Janeiro.
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A constante onda de violência e suas consequências para os moradores da Penha revelam um cenário de persistente desafio social e de segurança pública. A fé e a união comunitária são, para muitos, as únicas fontes de amparo diante da adversidade. Para mais informações e análises sobre questões urbanas e sociais, continue acompanhando as atualizações da editoria Cidades em nosso site.
Crédito da imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

