Em um evento carregado de significado para a justiça histórica, **famílias de Sorocaba recebem certidões de vítimas da ditadura militar retificadas** nesta quarta-feira (8). Os documentos reconhecem formalmente a causa das mortes como “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”, marcando um avanço significativo na busca por verdade e reparação em um dos capítulos mais sombrios do país. Entre os casos emblemáticos, destacam-se dois jovens com raízes em Sorocaba, São Paulo.
Esta nova etapa da retificação documental é particularmente relevante para os familiares de Marco Antônio Dias Baptista e Alexandre Vannucchi Leme, cujas vidas foram tragicamente ceifadas pela repressão política. O reconhecimento oficial surge como um passo fundamental para restabelecer a dignidade das vítimas e suas famílias, oferecendo um registro histórico preciso das atrocidades cometidas pelo Estado. A entrega desses novos documentos solidifica o esforço contínuo para enfrentar o legado da opressão.
Famílias de Sorocaba Recebem Certidões de Vítimas da Ditadura
A cerimônia de entrega dos novos certificados, que acontece no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, contará com a presença de Beatriz Vannucchi Leme, irmã de Alexandre. Em 2014, a família Vannucchi já havia recebido uma primeira versão retificada da certidão, que indicava lesões por tortura como causa da morte. Contudo, a versão atual vai além, responsabilizando explicitamente o Estado brasileiro, conferindo um nível de reconhecimento mais profundo à verdade dos fatos.
“Sempre que acontece alguma homenagem ao meu irmão Alexandre, eu, minhas irmãs e irmão ficamos muito sensibilizados. A morte do Alexandre mudou para sempre a vida de toda a família. Meus pais lutaram por longos anos por verdade e justiça. É mais uma medida de reparação à memória do Alexandre e das outras vítimas”, declarou Beatriz Vannucchi Leme, enfatizando a relevância contínua dessa reparação histórica.
O Legado de Alexandre Vannucchi Leme
Alexandre Vannucchi Leme, estudante de Geologia da USP e figura icônica na luta por liberdade, faleceu aos 22 anos em 17 de março de 1973, nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo. Conhecido por seu amor à terra e apelidado de Minhoca, ele se tornou um símbolo de resistência. Seu tio, Aldo Vannucchi, atualmente com 94 anos, reitera que os documentos fornecidos hoje validam a predeterminação das mortes de dissidentes políticos. “Os defensores da ditadura conseguiram abater Alexandre, mas os documentos de hoje comprovam que tudo foi articulado pela maldade”, disse Aldo, lamentando que a juventude envolvida na resistência fosse classificada de forma errônea pelos defensores do regime.
Beatriz Vannucchi Leme, apesar do avanço das ações do governo federal em oferecer respostas a muitas famílias, reforça a urgência de que os responsáveis pelos crimes da ditadura militar sejam finalmente julgados e punidos. A luta pela memória, verdade e justiça persiste, destacando a complexidade do processo de lidar com as cicatrizes do passado e garantir que tais violações nunca mais se repitam em nome da construção de uma sociedade mais justa.
Marco Antônio Dias Baptista: O Mais Jovem Desaparecido Político
A família de Marco Antônio Dias Baptista, conhecido como o mais jovem desaparecido político do Brasil, também avança na busca por verdade e reconhecimento. Renato Dias Baptista, jornalista e escritor e irmão de Marco, classificou a ocasião da entrega dos documentos como um momento “especial e histórico”. No entanto, lamentou profundamente que sua mãe, Maria de Campos Baptista, não esteja viva para presenciar este reconhecimento oficial. Ela faleceu em 15 de fevereiro de 2006, após uma audiência na Esplanada dos Ministérios que tratava especificamente sobre o desaparecimento de seu filho, um exemplo doloroso da busca incessante de uma mãe.
Renato recorda que a perda de sua mãe foi uma consequência trágica da incansável busca por respostas. Apesar da obtenção do documento retificado, ele salientou que ainda faltam duas questões cruciais: a devolução do corpo de seu irmão pela União e a punição dos responsáveis pelos atos. “São 52 anos de espera”, destacou Renato, sublinhando a dor prolongada de sua família e a imperatividade da justiça transicional para cicatrizar as feridas do passado.

Imagem: policiais na ditadura militar via g1.globo.com
A história de Marco Antônio Dias Baptista começou em Sorocaba. Sua família mudou-se para Goiânia (GO) em agosto de 1960, quando Marco completou sete anos. Aos 15 anos, em 1964, ele desenvolveu sua consciência política dentro da sala de aula do Colégio Ateneu Dom Bosco. A série de assassinatos de secundaristas em todo o país, culminando na morte de Edson Luís Lima Souto em 28 de março de 1968, no Centro do Rio de Janeiro (RJ), impulsionou sua participação em manifestações estudantis, marcando um “caminho sem volta” para sua formação política. A partir de 1969, engajou-se em atividades políticas organizadas, defendendo a luta armada, o que o colocou na mira da repressão, especialmente após a explosão de um jipe do coronel Pitanga Maia. Marco desapareceu em 1970, enquanto cursava o que seria o primeiro ano do ensino médio de hoje e sonhava em cursar Medicina.
Por décadas, a família de Marco Antônio buscou incessantemente por informações. Sua mãe, Maria Dias Baptista, esperou em vão pelo seu retorno entre 1970 e 1980, deixando a porta aberta da casa como um gesto de esperança. De 1980 a 2006, dedicou-se à procura dos restos mortais e de documentos confidenciais de forças armadas e técnicos de óbitos que pudessem elucidar o paradeiro ou as circunstâncias de sua morte, rodando o Brasil atrás de presídios e informações. Em 2006, a família obteve uma audiência com o então vice-presidente e ministro da Defesa da época, José Alencar, em Brasília. Entretanto, no retorno a Goiânia pela BR-153, um trágico acidente ceifou a vida de Maria sem que ela tivesse respostas concretas do Estado, perpetuando o drama familiar.
O Amplo Espectro da Repressão e as Recomendações da Comissão da Verdade
A retificação dessas certidões é uma das 29 recomendações elaboradas pela Comissão Nacional da Verdade, um esforço coletivo para evitar que graves violações de Direitos Humanos e Cidadania ocorram novamente no Brasil. O período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, deixou um rastro doloroso de pelo menos 432 pessoas mortas e desaparecidas, conforme registros históricos. Esta solenidade, fundamental para o processo de justiça transicional, é parte das ações previstas pela Resolução nº 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando corrigir os registros civis de todas as pessoas mortas e desaparecidas em decorrência de perseguições políticas no período.
Além dos casos de Sorocaba, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) também entrega, nesta cerimônia histórica, certidões de óbito retificadas de outras figuras importantes para a memória nacional, como o ex-deputado federal Rubens Paiva e o ativista político Carlos Marighella, cujas histórias ressoam no imaginário cultural brasileiro e foram revisitadas em produções cinematográficas recentes, ampliando o debate. O evento conta com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do CNJ e do Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais, reforçando o compromisso das instituições com o resgate da memória, da verdade e da dignidade de todos os brasileiros vítimas daquele período.
Confira também: crédito imobiliário
Em suma, a entrega das certidões de vítimas da ditadura retificadas em Sorocaba representa um avanço significativo no longo e doloroso caminho por justiça e memória no Brasil. Esses documentos não apenas corrigem a história oficial, mas também servem como um lembrete crucial da necessidade de proteger os direitos humanos e defender a democracia de forma perene. Convidamos você a continuar acompanhando as notícias e análises sobre temas da política brasileira em nossa editoria para se manter informado e participar ativamente da construção de uma sociedade que valoriza sua história.
Crédito da imagem: Arte g1
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados