A crescente atuação de facções criminosas em terras indígenas no sul da Bahia tem provocado um alarmante aumento da violência, transformando esses territórios em rotas estratégicas para o tráfico de drogas, segundo autoridades e lideranças locais. Nos últimos dois meses, foram apreendidos 26 fuzis em áreas indígenas da região, um dado que sublinha a gravidade da situação. Essa incursão de grupos organizados visa estabelecer canais para a distribuição de entorpecentes em centros turísticos do litoral brasileiro, como Porto Seguro, Trancoso e Caraíva, gerando um cenário de intensa preocupação.
As comunidades e os agentes da Polícia Federal, que conversaram sob condição de anonimato com a Folha, relatam uma escalada da tensão em uma região já marcada por um histórico de conflitos e violência contra os povos originários. Desde maio, a Força Nacional foi deslocada para a área, com a missão de apoiar as ações de enfrentamento a essas organizações criminosas. As operações buscam coibir a ação dos grupos, mas a complexidade da situação exige uma abordagem multifacetada e contínua.
Facções Criminosas Aumentam Violência em Terras Indígenas na Bahia
Ainda existe a suspeita de que as facções estejam cooptando membros indígenas para integrar suas redes de tráfico, utilizando-os para facilitar suas operações. Investigações preliminares apontam o Comando Vermelho como a principal organização por trás dessas movimentações na área. Procurados para comentar, o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e o governo da Bahia não se pronunciaram sobre as informações até o momento da publicação desta reportagem.
A região do sul da Bahia é há décadas um epicentro de conflitos fundiários no Brasil, tornando-se ainda mais vulnerável à penetração criminosa. Os povos Pataxós e Pataxós Hã-Hã-Hãe, principais etnias da área, há anos reivindicam a demarcação de suas terras ancestrais, processo que é frequentemente interrompido e intensificado por disputas territoriais.
Este contexto de vulnerabilidade foi tragicamante exposto no início de 2024, quando a líder indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, foi brutalmente assassinada perto de seu território. No mesmo episódio, seu irmão, o cacique Nailton Muniz, também foi alvejado. O crime ocorreu durante uma ofensiva do grupo “Invasão Zero”, movimento fundado por fazendeiros em 2023, que se opõe vigorosamente às reivindicações dos povos indígenas e cuja atuação é comparada, por autoridades, à de grupos paramilitares. Estes se organizam por meio de aplicativos de mensagens e realizam ações contra as comunidades sem respaldo judicial.
Durante a investida que resultou na morte de Nega Pataxó, a polícia prendeu dois indivíduos: um jovem de 19 anos, filho de fazendeiros, e um policial militar reformado de 60 anos, ambos em posse de pistolas. À época, o coordenador nacional do Invasão Zero, Luiz Uaquim, declarou que as ações do grupo estavam dentro da legalidade e qualificou o falecimento de Nega Pataxó como uma fatalidade, embora a perícia tenha posteriormente confirmado que o disparo fatal partiu de uma das pistolas apreendidas, uma calibre .38.
O armamento apreendido na ocasião contrasta significativamente com o que tem sido encontrado pelas forças de segurança nos últimos meses, indicando um upgrade no poder bélico das facções. Fuzis como o 556 e o 762, por exemplo, que custam entre R$ 55 mil e R$ 85 mil, respectivamente, são armas de alto poder de fogo. O fuzil 762, especialmente, é conhecido por ser projetado para confrontos de alta intensidade e é frequentemente associado ao Comando Vermelho, segundo informações publicadas pelo UOL. Além dos fuzis, as autoridades têm confiscado grandes volumes de munições, granadas e coletes à prova de balas.
A presença das organizações criminosas tem catalisado a tensão, criando conflitos não apenas entre indígenas e criminosos, mas também gerando desconfiança entre os indígenas e as forças de segurança. Em julho, o cacique Suruí Pataxó, da Terra Indígena Barra Velha e residente do Conselho de Caciques local, foi detido pela Polícia Federal em uma operação conjunta com a Força Nacional, sob acusação de envolvimento com facções. A polícia alegou ter encontrado o cacique e mais três pessoas em posse de duas pistolas e dezenas de munições.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
As comunidades indígenas negam qualquer vínculo do cacique Suruí com o tráfico, argumentando que sua prisão representa uma tentativa de reprimir a luta pela demarcação territorial na região. Protestos e bloqueios de estradas foram organizados em resposta à sua detenção. A Terra Indígena Barra Velha, delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2008 com uma área de 57 mil hectares, ainda aguarda a conclusão do seu processo de demarcação, que não avançou desde então.
Após 70 dias, o cacique Suruí Pataxó foi liberado no início de setembro. O juiz William Bossaneli Araújo, da 1ª Vara Criminal de Porto Seguro, determinou que “não subsistem elementos concretos que vinculem o réu à organização criminosa”. A prisão preventiva foi convertida em medidas cautelares, incluindo a proibição de contato com os outros envolvidos no flagrante e recolhimento domiciliar noturno. A atuação da Polícia Federal no combate a organizações criminosas no Brasil pode ser melhor compreendida por meio de suas notícias oficiais e relatórios institucionais.
Para o cacique Naô Xohã Pataxó, da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal e vice-presidente do conselho, a atual conjuntura de violência enfrentada pelas comunidades é um prolongamento de mais de duas décadas de ataques e abusos. Ele desmente veementemente a ligação do cacique Suruí com o tráfico, afirmando: “Não há nenhuma verdade [na ligação com o tráfico]. O cacique Suruí, junto com os demais, vem toda a vida denunciando, não incentivando, nem apoiando. Por ele denunciar, sofreu vários ataques, tanto do agronegócio quanto do tráfico”.
O cacique Naô Xohã Pataxó salienta que os povos da região enfrentam a violência de fazendeiros por anos. Apesar de picos e reduções de tensão, a situação tem, em geral, piorado, culminando na formação de milícias e, agora, na chegada das organizações criminosas. “O tráfico tem entrado no território com muita violência também, e a gente tem perdido vários jovens, uma das ações que vêm matando o nosso povo. A gente tem muito receio, não pode falar isso ao público, porque a gente pode ser atacado a qualquer momento”, lamenta.
Ele conclui, evidenciando as múltiplas frentes de combate: “É uma forma de eles tentarem fazer nós, indígenas, recuarmos do avanço pela demarcação do território. Então, sofremos ataques de várias formas, de todos os jeitos, tanto do tráfico, do agronegócio e de milicianos”.
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A violência crescente imposta pelas facções criminosas nas terras indígenas do sul da Bahia é um desafio complexo, que se entrelaça com questões históricas de demarcação territorial e a luta dos povos originários. O reforço policial é essencial, mas a proteção integral e o respeito aos direitos desses povos dependem de uma ação mais abrangente e articulada. Continue acompanhando as atualizações sobre os direitos e as políticas públicas no Brasil em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Divulgação – 19.set.2025/Polícia Federal
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