Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

PUBLICIDADE

Expansão do Comando Vermelho no Amazonas revela desafios e discordâncias na proteção da fronteira

Facebook Twitter Pinterest LinkedInA presença do grupo criminoso Comando Vermelho (CV) na região amazônica tem se intensificado, marcando uma expansão do tráfico de entorpecentes que expõe a complexidade e as divergências entre as forças de segurança responsáveis pela vigilância das extensas fronteiras do estado do Amazonas. O problema se agrava na confluência do rio Javari, … Ler mais

A presença do grupo criminoso Comando Vermelho (CV) na região amazônica tem se intensificado, marcando uma expansão do tráfico de entorpecentes que expõe a complexidade e as divergências entre as forças de segurança responsáveis pela vigilância das extensas fronteiras do estado do Amazonas. O problema se agrava na confluência do rio Javari, que demarca a divisa entre Brasil e Peru, um corredor crucial para as atividades ilegais.

A menos de dez quilômetros de um ponto específico do rio, nas proximidades do lago Sacambu, já em território peruano, a existência de vastas plantações de coca é uma realidade constante. Essa proximidade geográfica é ilustrada por policiais militares do Amazonas, que, em meio ao patrulhamento fluvial entre as cidades de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, indicam a margem vizinha para demonstrar a proximidade da fonte do problema e, simultaneamente, sua limitação jurídica para atuar. Imagens de satélite, corroboradas por informações de inteligência, indicam que esses cultivos ilícitos se alastram pela área que compreende o trecho entre o rio Amazonas — ou Solimões, como é denominado ao adentrar o Brasil — e o rio Javari, culminando na tríplice fronteira com a Colômbia. Este cenário delineia uma zona de intensa produção.

As estimativas mais recentes, registradas em 2020 pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), apontam para uma capacidade produtiva alarmante dessa única região: uma tonelada de cocaína diariamente. A jurisdição da Polícia Militar (PM) e das demais forças de segurança brasileiras não alcança essas lavouras, que se situam fora do país. Contudo, traficantes efetuam a travessia diária da fronteira, iniciando uma rota fluvial que exige um mínimo de dois dias de navegação para alcançar o porto de Manaus, localizado a aproximadamente 1.100 quilômetros da origem dos entorpecentes.

A metodologia utilizada pelos criminosos para transportar os carregamentos é notável pela sua inventividade e pela dificuldade imposta às fiscalizações. A pasta base de cocaína é oculta em locais inusitados, buscando disfarçar a mercadoria ilícita. Dentre os estratagemas empregados, destacam-se a inserção da droga em botijões de gás, no interior de frutas e legumes transportados por embarcações, ou mesmo nos tanques de combustível dessas mesmas embarcações. Outros métodos incluem a camuflagem da droga nas tripas de peixes como o pirarucu, um animal comum na bacia amazônica. Compartimentos de carga utilizados para o transporte de grãos e minérios, bem como o espaço sob o assoalho de inúmeros barcos que circulam pelos rios amazônicos, também são rotas preferenciais para o tráfico.

O esforço de policiamento nos oito municípios que compõem a região do Alto Solimões se dá em uma área vasta, superior a 200 mil quilômetros quadrados, uma extensão que supera em mais do que o dobro a área territorial de Portugal. Nesta imensidão, aproximadamente uma centena de policiais militares é encarregada do patrulhamento. Em contraste, o Exército Brasileiro dispõe de um contingente de cerca de 20 mil homens distribuídos pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima; entretanto, a maior parcela desse efetivo não está empregada na proteção de fronteiras de forma rotineira, limitando sua atuação específica na repressão ao narcotráfico.

Durante o evento anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que ocorreu em Manaus na semana anterior, o coronel Marcus Vinicius de Almeida, secretário de segurança pública do Amazonas, manifestou a necessidade premente de uma atuação mais assertiva. “A gente precisa e não é só o estado do Amazonas, é a nação brasileira que haja uma ação mais incisiva das forças federais, e falo das Forças Armadas mesmo, no combate ao tráfico de drogas”, afirmou o coronel, completando com uma percepção de isolamento: “Sentimos que o Brasil está de costas para nós.”

A estrutura do narcotráfico na região envolve a atuação de cartéis internacionais em colaboração com facções nacionais proeminentes, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Esses grupos criminosos contratam organizações locais para gerenciar o transporte das substâncias ilícitas desde as áreas de fronteira ocidentais até a capital amazonense. De acordo com informações policiais, esses grupos chegam a estabelecer consórcios para angariar os recursos financeiros necessários para viabilizar o deslocamento de grandes carregamentos de drogas.

Uma prática comum observada na identificação dos pacotes de entorpecentes é o uso de adesivos variados. As embalagens frequentemente exibem figuras de personagens de desenhos animados, brasões de times de futebol, logotipos de marcas de refrigerante e outros tipos de códigos visuais. Estes marcadores servem para diferenciar as cargas e, provavelmente, indicar o destinatário ou o grupo comprador específico.

Um exemplo notável da intensidade desses conflitos ocorreu no dia 1º de junho, quando policiais da Companhia de Operações Especiais da PM amazonense se engajaram em um prolongado confronto armado. O tiroteio teve início durante uma tentativa de abordagem a uma lancha que era utilizada para o transporte de narcóticos. Segundo o coronel da reserva César Mello, que atua como secretário-adjunto de Inteligência do Amazonas, os policiais da PM efetuaram mais de 1.300 disparos de fuzil ao longo do combate. Dois suspeitos foram mortos na operação, enquanto outros conseguiram escapar, evadindo-se ao nadar pelas águas do rio.

Na embarcação alvo da operação, que apresentava blindagem improvisada, as forças de segurança apreenderam um significativo arsenal, que incluía nove armas longas — sete fuzis e duas metralhadoras — além de um lançador de granadas. O carregamento de entorpecentes interceptado totalizou 6,5 toneladas, uma apreensão que a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) qualificou como a maior da história do estado. A secretaria ainda reportou que os pacotes de drogas estavam marcados com seis diferentes tipos de adesivos identificadores.

Apesar do envolvimento de diversos grupos narcotraficantes nos fluxos de cocaína que cruzam o estado do Amazonas, as autoridades locais têm identificado uma preponderância do Comando Vermelho (CV) tanto no mercado de varejo da droga no estado quanto nas rotas fluviais que seguem pelo rio Solimões. Conforme explicou o major da PM Diego Magalhães, subsecretário de Operações da SSP, o CV se faz presente “em todos os municípios [do Amazonas], o PCC está em pouquíssimos”. Este domínio teria se acentuado com a desestruturação da facção local Família do Norte (FDN), que foi significativamente enfraquecida por disputas internas e por um embate sangrento com o grupo criminoso fluminense, ocorrido entre os anos de 2018 e 2021.

Tentativas de resistência ou enfrentamento às facções vindas da região Sudeste são coibidas com violência extrema. O major Jonatas Soares, que comanda o batalhão da PM em Tabatinga, relata que desde o ano passado, três líderes de um grupo criminoso local conhecido como “Os Crias”, que operava na fronteira, foram assassinados, um indicativo da repressão a rivais.

Enquanto o Comando Vermelho estabeleceu sua hegemonia nas hidrovias amazônicas, o Primeiro Comando da Capital (PCC) demonstrou uma retomada na utilização do transporte aéreo para suas operações de tráfico. Conforme informações de representantes da SSP-AM, pelo menos três helicópteros que possuíam vínculos com as atividades de tráfico da facção paulista foram apreendidos desde o ano passado. Para driblar os sistemas de detecção, como os radares, essas aeronaves empregam uma tática de voo a baixa altitude, muitas vezes a poucos metros acima da copa das árvores, movendo-se de clareira em clareira na densa floresta amazônica. Esta estratégia demonstra um esforço contínuo para evitar a interceptação pelas forças de segurança.

Expansão do Comando Vermelho no Amazonas revela desafios e discordâncias na proteção da fronteira - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

A volta do uso de helicópteros representa um rompimento com uma tendência consolidada nas últimas duas décadas. Com a implementação da “Lei do Abate” em 2004, uma legislação federal que confere à Força Aérea a prerrogativa de derrubar aeronaves suspeitas que violem o espaço aéreo brasileiro com finalidades ilícitas, os traficantes haviam progressivamente abandonado o transporte aéreo em favor do modal fluvial. A preferência por barcos também se justifica pelo custo mais elevado da logística aérea. Esse período de mudança coincidiu, por outro lado, com um aumento expressivo na produção de coca na Bolívia e no Peru. A intensificação do narcotráfico na região resultou em um acirramento das disputas pelo controle das rotas, levando a um incremento no número de homicídios e, lamentavelmente, à escalada do consumo de drogas nas comunidades ribeirinhas, inclusive dentro de territórios indígenas.

Dados do governo estadual indicam que, a partir de 2023, aproximadamente 75% dos homicídios registrados na cidade de Manaus estão diretamente relacionados às atividades do tráfico de drogas, sublinhando a gravidade da situação de segurança pública na capital amazonense.

A carência de recursos humanos, equipamentos e capital financeiro para sustentar as ações de policiamento no Amazonas agrava o quadro. O estado detém o maior território nacional e, apesar de ser a 16ª economia em termos de Produto Interno Bruto (PIB), enfrenta sérias restrições. Por exemplo, apenas os helicópteros modelo Blackhawk, operados pelo Exército, possuem autonomia de combustível para cobrir as extensas distâncias da Amazônia sem a necessidade de reabastecimento intermediário, pois a infraestrutura de apoio é precária na vastidão da região. As embarcações que navegam pela bacia do Solimões, por sua vez, possuem uma vida útil mais limitada, devido à alta concentração de sedimentos na água, que corrói os motores e o revestimento dos cascos com uma celeridade superior à média.

A busca por apoio junto às forças federais fora das operações conjuntas frequentemente esbarra em entraves burocráticos, complicando a pronta resposta. Relatos de dois membros do governo estadual ilustram essa dificuldade: após a apreensão de mais de quatro toneladas de cocaína em Benjamin Constant, ocorrida em agosto do ano anterior, policiais militares se viram obrigados a transportar os pacotes de droga nas costas. O trajeto, de aproximadamente 20 quilômetros, em meio à densa selva, levou quatro dias para ser percorrido. Somente quando o governo estadual se prontificou a custear o combustível para as aeronaves, o auxílio via helicóptero finalmente chegou, facilitando a remoção da carga.

A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), que inclui a Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-AM), Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) e Polícia Militar do Amazonas (PM-AM), fornece uma parte substancial das informações de inteligência que a PM amazonense emprega para interceptar embarcações suspeitas de transportar drogas. Contudo, integrantes do governo estadual afirmam que essa contribuição, por si só, é insuficiente para conter a amplitude do problema. Atualmente, o governo estadual gerencia cinco bases fluviais espalhadas pelo território amazonense, responsáveis pela fiscalização de embarcações. Nenhuma dessas bases está estrategicamente localizada na região do Alto Solimões, área que registra o maior volume de apreensões de drogas; a mais próxima é a base de Coari, distante cerca de 400 quilômetros da fronteira. A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) prometeu a instalação de mais seis novas bases, buscando preencher essa lacuna estratégica.

No que tange ao financiamento dessas bases, o governo federal arca com 16,5% das despesas totais, dedicando recursos primariamente às diárias para o deslocamento de policiais e outros servidores que geralmente estão alocados em outras áreas do estado. O congelamento de verbas federais, contudo, resultou na redução do número de vagas nessas estruturas. Em 2023, o montante de vagas custeadas pela União atingiu 324; atualmente, apenas 90 funcionários recebem diárias financiadas com recursos federais. Essa diminuição impacta diretamente a capacidade operacional. Adicionalmente, a gestão estadual reporta que a desativação de uma base em Tabatinga, que anteriormente operava em um modelo de cooperação entre as polícias estaduais, a Polícia Federal e as Forças Armadas, causou prejuízos significativos ao esquema de policiamento na fronteira.

O estado do Amazonas também se defronta com desafios internos relacionados à corrupção em seus próprios quadros de segurança. Há dois anos, o então secretário estadual de Segurança, Carlos Alberto Mansur, foi destituído do cargo após ser alvo de uma operação policial que revelou seu envolvimento com o recebimento de propinas de garimpeiros ilegais. Mais recentemente, no decorrer deste ano, policiais militares foram detidos sob acusações graves de sequestro e extorsão, tanto de traficantes quanto de seus familiares. Diante de tais ocorrências, o coronel Vinícius, atual secretário, reiterou o compromisso de não omitir apoio: “A gente não se exime de apoiar e, inclusive, de muitas das vezes colaborar entregando informações quando a gente vê que alguém do nosso próprio sistema está envolvido em algum tipo de crime”.

Em uma iniciativa de contrapartida federal, o Ministério da Justiça, sob a administração do governo Lula (PT), delineou um plano para investir 318 milhões de reais, provenientes do Fundo Amazônia, em segurança pública para toda a vasta região. O governo federal reportou que, no período compreendido entre 2020 e 2024, suas operações conjuntas resultaram na apreensão de 120 toneladas de entorpecentes, 1.792 armas de fogo e mais de 25 mil munições, que foram retiradas de circulação. Adicionalmente, registrou-se a prisão de 3.206 indivíduos, o que teria infligido um prejuízo financeiro estimado em 3,3 bilhões de reais às organizações criminosas. O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, também no fórum anual, destacou a urgência de fortalecer a inteligência, promover a integração entre as forças e adotar tecnologias avançadas no combate ao crime.

Simultaneamente às discussões sobre segurança e os investimentos planejados, tanto Sarrubbo quanto um oficial militar, que concedeu entrevista à reportagem, enfatizaram um ponto divergente nas atribuições das Forças Armadas: o foco principal do Exército não é, nem deveria ser, o combate direto ao tráfico de drogas. Conforme suas avaliações, a missão primordial da instituição militar concentra-se na defesa da integridade territorial nacional contra eventuais invasões estrangeiras, sugerindo que o combate ao crime organizado e ao narcotráfico, em grande parte, deveria ser conduzido por outras esferas de segurança pública, refletindo uma complexa divisão de responsabilidades e estratégias em uma região desafiadora.

Com informações de Folha

Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Leia mais

PUBLICIDADE

Plataforma de Gestão de Consentimento by Real Cookie Banner
Share via
Share via