Estudo Revela Mecanismo Imunológico Vital na Amamentação e as incríveis propriedades do leite materno foram destacados em uma nova pesquisa. Cientistas estão cada vez mais próximos de compreender a complexidade desse fluido vivo, que não apenas nutre, mas também transfere bactérias benéficas e células de defesa altamente específicas, cruciais para a proteção do bebê contra vírus e microrganismos presentes no ambiente familiar.
Uma pesquisa significativa, conduzida no renomado Instituto Salk de Estudos Biológicos, localizado nos Estados Unidos, e publicada em julho de 2025 na prestigiada revista científica Nature Immunology, trouxe à luz um mecanismo inédito. O estudo desvendou como células fundamentais do sistema imunológico da mãe realizam uma migração estratégica de seu intestino até as glândulas mamárias durante o período da amamentação.
Estudo Revela Mecanismo Imunológico Vital na Amamentação
Essa descoberta profunda significa que o leite materno funciona como um veículo para anticorpos feitos sob medida, direcionados especificamente contra os vírus e bactérias que compõem o ambiente da família, conforme explicado por Natalia Turano. A enfermeira, especialista em amamentação no Hospital Israelita Albert Einstein, salienta a importância prática dessa constatação, comparando-a a uma “proteção personalizada e imediata”, uma característica inigualável por qualquer fórmula láctea.
Historicamente, a maior parte das investigações sobre o aleitamento materno focava na correlação entre o volume de leite produzido e o estado de saúde do lactente. O estudo pioneiro do Instituto Salk, contudo, traçou um caminho diferente ao aprofundar-se no entendimento do processo de migração celular. Ao examinarem as células em detalhes, os pesquisadores observaram não apenas um incremento na concentração de linfócitos T nos tecidos mamários durante a lactação, mas também uma revelação sem precedentes: uma parcela significativa dessas células tinha sua origem no intestino materno.
Desvendando a Rota das Células de Defesa no Leite Materreo
Para chegar a essas conclusões robustas, a equipe de pesquisadores observou e analisou meticulosamente tecidos da glândula mamária de camundongos em distintas fases fisiológicas, cobrindo o período que antecede a lactação, o estágio lactacional propriamente dito e a fase pós-lactação. Eles identificaram um aumento expressivo no número de três subtipos específicos de células T: CD4+, CD8αα+ e CD8αβ+, todos esses durante o processo de amamentação.
Essas células de defesa são naturalmente encontradas em tecidos mucosos, como os intestinos e os pulmões, áreas que por sua natureza são mais expostas e vulneráveis ao contato com microrganismos externos. A descoberta mais surpreendente foi notar que os linfócitos em questão revestiam o epitélio mamário de maneira idêntica à que fariam no ambiente intestinal. Mais do que isso, exibiam “impressões digitais” típicas, que são características de células residentes no trato gastrointestinal, confirmando sua origem intestinal.
A colaboração estratégica com o Instituto do Leite Humano da Universidade da Califórnia em San Diego permitiu que os pesquisadores analisassem amostras de tecidos humanos e leite materno. Essa análise interespécie confirmou a presença de equivalentes celulares idênticos aos observados nos camundongos. Sequencialmente, a equipe demonstrou que a presença de microrganismos tinha um papel direto na modulação da produção dessas células: camundongos que foram criados em ambientes estéreis, livres de germes, apresentavam um número reduzido de linfócitos intraepiteliais nas glândulas mamárias, em comparação com aqueles que foram expostos a microrganismos variados.
As evidências científicas apontam, portanto, que durante a fase da lactação, a glândula mamária passa por uma transformação notável, adquirindo características de um tecido mucoso. Esse estado permite que ela interaja ativamente com o ambiente e, assim, transfira ao bebê uma barreira imunológica robusta, fortemente influenciada pela microbiota materna. Tal adaptação do organismo reforça inquestionavelmente o papel multifacetado do aleitamento materno como um elo biológico crucial entre o sistema imunológico e o desenvolvimento tanto da mãe quanto do filho.
Natalia Turano, em complemento, ressalta a profundidade do estudo. “Além disso, reforça a importância do aleitamento materno exclusivo, do contato pele a pele e da manutenção da amamentação mesmo diante de desafios”, enfatiza. A especialista vai além, indicando que “práticas como o uso racional de antibióticos e o incentivo a dietas balanceadas na mãe podem impactar positivamente a microbiota e, consequentemente, a saúde do bebê”, sublinhando a conexão integral entre o bem-estar materno e infantil.
Benefícios Abrangentes da Amamentação Sustentam Recomendações de Saúde
Essa conclusão científica sólida confere um reforço substancial às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). A OMS preconiza que, caso todos os recém-nascidos fossem amamentados exclusivamente até os seis meses de idade, seria possível prevenir aproximadamente 820 mil mortes infantis a cada ano em todo o mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde alinha-se a essa diretriz, recomendando que o leite materno seja o único alimento nos primeiros seis meses de vida da criança e que a amamentação continue, em conjunto com a introdução de outros alimentos, até que o bebê complete dois anos ou mais.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Os benefícios amplos do aleitamento materno são reiteradamente confirmados por diversos estudos e transcende a esfera do sistema imunológico. Conforme dados da OMS e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), bebês que recebem aleitamento exclusivo por um período de seis meses experimentam uma diminuição significativa na ocorrência de episódios de diarreia e infecções respiratórias. Ademais, apresentam um risco reduzido de síndrome da morte súbita infantil, bem como de desenvolver obesidade e diabetes tipo 2 ao longo da vida, demonstrando um impacto duradouro na saúde.
A proteção conferida pela amamentação não se limita apenas à infância. Análises de longo prazo, incluindo um estudo de coorte brasileiro que acompanhou indivíduos por três décadas, revelaram que adultos que foram amamentados por períodos mais extensos na infância demonstram um Quociente de Inteligência (QI) mais elevado, maior nível de escolaridade e, consequentemente, melhores rendimentos econômicos ao longo da vida profissional. “A ciência demonstra que a amamentação traz inúmeros benefícios: fortalece o sistema imunológico do bebê, reduz riscos de infecções, obesidade e doenças crônicas, além de favorecer o desenvolvimento cognitivo e emocional. Para a mãe, diminui o risco de câncer de mama e ovário, auxilia na recuperação pós-parto e promove vínculo afetivo”, sintetiza a enfermeira do Einstein, realçando o ciclo virtuoso da prática.
Para a especialista em lactação, a pesquisa recém-publicada pavimenta o caminho para uma série de novos questionamentos. Entender com maior profundidade a regulação desse trânsito celular, identificar os tipos específicos de células que chegam à glândula mamária e como esses conhecimentos podem ser aplicados no desenvolvimento de vacinas ou tratamentos de precisão, são desafios que se impõem. “Os mecanismos exatos de proteção contra algumas doenças crônicas ao longo da vida e como fatores sociais, psicológicos e ambientais influenciam a manutenção do aleitamento materno” representam áreas que ainda demandam investigação, conforme aponta Turano.
O Brasil na Vanguarda do Apoio à Amamentação
Sob a perspectiva de Natalia Turano, a compreensão aprimorada dos mecanismos complexos da amamentação impulsiona dois importantes debates sociais. O primeiro refere-se ao suporte direto às famílias, com a urgente necessidade de expandir o acesso a consultoras de amamentação, otimizar a rede de bancos de leite humano e aprimorar os serviços de acompanhamento multiprofissional, reconhecendo a individualidade das necessidades de cada mãe e bebê.
O segundo ponto crucial incide no campo das políticas públicas, com a priorização do investimento em campanhas de incentivo à amamentação fundamentadas em evidências científicas. Isso inclui o fortalecimento da rede de salas de apoio e dos bancos de leite, a ampliação do período de licença-maternidade e o desenvolvimento de estratégias educacionais em saúde que atuem como contraponto à proliferação de informações contraditórias encontradas nas redes sociais. Essas medidas são essenciais para uma amamentação bem-sucedida.
Nesse cenário global de incentivo à amamentação, o Brasil ostenta uma posição de notável vantagem e reconhecimento internacional. O país é celebrado pela sua vasta e eficiente rede de bancos de leite humano, a maior do mundo em termos de abrangência e capacidade operacional. Adicionalmente, o Brasil é um pioneiro na implementação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, um programa que foi lançado na década de 1990 em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Esse engajamento é vital, como também aponta a Organização Mundial da Saúde sobre o papel da amamentação.
Essas políticas públicas eficazes foram instrumentais para um aumento significativo nas taxas de aleitamento exclusivo até os seis meses de vida do bebê, que saltaram de um patamar de 2% na década de 1980 para impressionantes 45,8% em 2019, segundo dados fornecidos pelo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI). Notavelmente, diferentemente de países como os Estados Unidos, onde apenas um quarto dos bebês atinge a marca dos seis meses sob aleitamento exclusivo, a prática no Brasil se encontra notavelmente próxima da meta global estabelecida pela OMS.
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Concluindo, Natalia Turano afirma que “no contexto brasileiro, essas descobertas ganham ainda mais relevância. O país já é referência mundial. Incorporar os avanços da ciência a essas políticas pode consolidar o Brasil como modelo de apoio à amamentação, garantindo equidade, diversidade e acesso universal”. Essa visão destaca a oportunidade de fortalecer as iniciativas existentes e continuar a promover a amamentação, uma prática fundamental para a saúde pública. Para aprofundar a compreensão sobre outras análises de grande impacto, continue acompanhando nossa editoria de Análises.
Estudo comprova que o leite materno carrega anticorpos sob medida contra vírus e bactérias – MurielleB/Adobe Stock
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