Estratégias de Comunicação: Orçamento e Liderança Alinhados

Economia

As estratégias de comunicação corporativa para otimização de orçamentos e alinhamento de lideranças foram o foco de um recente debate promovido pelo Valor Econômico em parceria com a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). O evento reuniu diretores de comunicação de algumas das maiores companhias do país para discutir os desafios de gerenciar recursos em um cenário econômico dinâmico e o crescente reconhecimento da área como essencial para o sucesso dos negócios.

Profissionais da área de comunicação frequentemente enfrentam a tarefa de planejar orçamentos anuais complexos, que precisam cobrir despesas fixas como equipes, fornecedores de serviços e ações contínuas, além de reservar verba para campanhas pontuais e imprevistas. O desafio é assegurar que o financiamento não se esgote prematuramente, exigindo táticas como a formação de parcerias internas para projetos específicos e, no caso de multinacionais, até mesmo o suporte financeiro das matrizes. Essas ações precisam estar em sincronia com a saúde financeira geral da empresa, pois obter verbas adicionais torna-se mais difícil quando a companhia enfrenta problemas de liquidez. Essencialmente, a área de comunicação precisa operar de forma eficaz, mesmo com recursos limitados, para promover e destacar as atividades cruciais da empresa, tanto para o público interno quanto para o externo.

Estratégias de Comunicação: Orçamento e Liderança Alinhados

Conforme dados do “Boletim Panorama Econômico/Orçamento da Comunicação Empresarial no Brasil 2024-2025” e da “Pesquisa de Tendências da Comunicação Interna 2025”, ambos divulgados pela Aberje, o volume total dos orçamentos destinados à comunicação corporativa no Brasil registrou uma queda significativa. O valor declinou de R$ 35,5 bilhões em 2023 para R$ 31,8 bilhões em 2024, representando uma diminuição de 10,4%. Para o ano de 2025, a previsão indica uma recuperação marginal, com o montante estimado em R$ 32 bilhões. Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), enfatiza a relevância da comunicação, descrevendo-a como “um radar que identifica e antecipa os sinais do ambiente”.

Apesar da retração orçamentária, o cenário oferece uma perspectiva positiva: o reconhecimento da comunicação como uma área estratégica e fundamental para os negócios tem se fortalecido, aliviando a disputa por investimentos. Os estudos da Aberje indicam que 68% das corporações projetam um aumento no papel estratégico da comunicação para o ano de 2025. Esta visão promissora foi o pano de fundo para a mesa-redonda do Valor e da Aberje, um evento que já é uma tradição, celebrando 18 anos de parceria. O encontro buscou explorar as novas demandas de competência para a liderança em comunicação, a integração da inteligência artificial nas operações, e as abordagens necessárias para o diálogo em um período marcado pela propagação de notícias falsas e a polarização política, que, por vezes, impõe desafios a iniciativas de diversidade e sustentabilidade.

Desafios Orçamentários e a Conquista de Recursos

A pauta central do debate abordou a crescente relevância estratégica da comunicação corporativa — sua proximidade com a alta gestão, participação em decisões críticas e impacto direto na reputação — em contrapartida a equipes muitas vezes enxutas, orçamentos restritos e pressões macroeconômicas. Pâmela Vaiano, diretora de comunicação do Itaú Unibanco, destacou que as limitações orçamentárias não são novidade na área. Segundo ela, embora a comunicação tenha conquistado um papel estratégico, impulsionada pela necessidade de gerenciar marcas e interações nas redes sociais, isso não se traduziu automaticamente em orçamentos ou estruturas ampliadas. Vaiano sugere que a comunicação seja vista como uma área de negócio, disputando `share of wallet` (participação na carteira de investimentos) anualmente.

Para obter recursos, a estratégia não reside em apresentar ideias repentinas, mas sim em se inserir nas prioridades de negócio da empresa e, com antecedência, planejar ações que requeiram investimento. Vaiano relatou que cerca de um terço de seu orçamento anual é captado de outras áreas de negócio, em projetos alinhados aos objetivos da organização. Claudia Góes, diretora de comunicação da Microsoft no Brasil, corroborou essa visão, afirmando que, embora o orçamento venha de fontes globais e a comunicação se posicione como uma unidade de negócio, recursos adicionais surgem quando há iniciativas estratégicas alinhadas aos propósitos da empresa. Ela exemplificou com o lançamento de uma campanha interna totalmente financiada pela equipe global devido à sua relevância local no Brasil. Para ela, a chave está em advogar pela causa, posicionar-se bem e identificar aliados estratégicos dentro da empresa, além de compreender o momento certo para solicitar verbas. Ela defendeu a ideia de que o dinheiro sempre existe; a questão é saber a qual porta bater.

Juliana Marra, diretora de comunicação, assuntos corporativos e sustentabilidade da Unilever, acrescentou a perspectiva de uma empresa B2C com um vasto portfólio de marcas. Ela ressaltou que a maior parte do orçamento da Unilever é direcionada às marcas específicas (Dove, Omo, Hellmann’s), e a comunicação institucional se beneficia da capacidade de extrair e coordenar as inúmeras narrativas existentes dentro da companhia. A habilidade de construir relacionamentos internos eficazes pode gerar patrocínios de outras áreas, exemplificado por programas de estágio e trainees desenvolvidos em parceria com o RH, utilizando orçamentos de comunicação conjuntos.

Clau Duarte, diretora de comunicação do Santander Brasil, complementou a discussão apontando que, internamente, o banco promove projetos de cocriação com funcionários, harmonizando a comunicação institucional e de negócios com inteligência artificial para unificar os pontos de contato. Externamente, o consumidor influencia o direcionamento das campanhas e o posicionamento da marca. Para Duarte, o dinheiro está disponível, mas é crucial demonstrar o valor da comunicação para a empresa. Danilo Vicente, diretor de comunicação externa, interna e de marketing institucional do Grupo Carrefour Brasil, compartilhou a experiência de lidar com cortes orçamentários, o que o levou a buscar recursos em diferentes departamentos, comprovando que, se o projeto se alinha com o objetivo estratégico da companhia, o apoio financeiro é conseguido.

Comunicação como Radar Estratégico e a Visão B2P

A conversa se aprofundou na visão de Paulo Nassar, que questionou se a comunicação poderia ser sustentada apenas pela perspectiva de negócios B2B (empresa para empresa). Pedro Torres, diretor de comunicação e relações institucionais da Gerdau, ampliou a discussão, argumentando que, seja em contextos B2B ou B2C, todas as decisões de negócios são tomadas por pessoas. A comunicação, portanto, sempre ocorre “de pessoas para pessoas”. Ele enfatizou que os profissionais da área são estrategistas de posicionamento e reputação para suas empresas, mas frequentemente negligenciam esse papel para a própria área. O principal desafio é focar no que agrega valor à organização, identificando e abordando os problemas cruciais da empresa. A comunicação atua como uma “caixa de ressonância” interna, transformando os comunicadores em conselheiros para questões abrangentes. Na Gerdau, Torres reporta-se diretamente ao CEO global, concedendo à área grande “empowerment” e uma visão estratégica de nível superior, permitindo um planejamento orçamentário que evita variações extremas entre anos bons e ruins.

Lydia Damian, diretora de comunicação da Hydro, uma empresa norueguesa com forte presença no bioma amazônico, destacou o desafio de atuar em uma área sensível e desmistificar a percepção de que um negócio B2B não precisa de grande exposição pública. A necessidade de a reputação e a informação correta prevalecerem em uma era onde as redes sociais dão voz a todos impulsionou a comunicação externa da Hydro além da simples defesa contra a desinformação. Atualmente, a comunicação se reporta ao CEO da companhia, refletindo seu papel vital. Pâmela Vaiano, do Itaú, sublinhou a capacidade da comunicação de adotar uma visão `multistakeholder`, o que permite construir posicionamentos externos genuínos. Ela frisou que a transparência é o que gera maior conexão e confiança com as marcas em um mundo onde consumidores não se iludem com propósitos vazios, exigindo clareza sobre logística, insumos e equidade salarial. A comunicação tem o poder de fornecer dados para medir o alinhamento das ações com os públicos de interesse.

O Papel Essencial do Líder de Comunicação Moderno

A mesa-redonda também explorou as características cruciais para um líder de comunicação contemporâneo, que deve equilibrar orçamentos e prioridades. Danilo Vicente, do Grupo Carrefour Brasil, ressaltou o desafio de gerenciar diversas gerações em um único ambiente de trabalho, o que exige um bom gestor para integrar diferentes perfis. Pedro Torres, da Gerdau, enfatizou a importância da curiosidade, do entendimento do mundo e da capacidade de trazer visões contrastantes, expandindo a perspectiva da companhia. Ele destacou que seus acionistas se interessam mais por discussões estratégicas globais do que por métricas de engajamento em redes sociais. Em uma empresa com 70% de suas operações fora do Brasil, é fundamental que o líder de comunicação saiba discutir estratégias internacionais com equipes locais sem se sobrepor ao conhecimento deles, focando em entender profundamente a empresa.

Marcela Porto, diretora de comunicação e marca da Suzano, reforçou a ideia da curiosidade e da transversalidade, citando a ascensão do “generalista criativo” capaz de fazer uma leitura abrangente do mundo, conectar pontos e oferecer contribuições valiosas. Ela destacou a prática da escuta como essencial para encontrar conexões dentro do próprio negócio, assumindo um papel de governança e articulação. Clau Duarte, do Santander Brasil, complementou, mencionando o desenvolvimento de um olhar preditivo na equipe, sempre buscando o que “não se está vendo” e promovendo a escuta ativa para construir conexões internas. Juliana Marra, da Unilever, adicionou “coragem” à lista de competências, sublinhando a importância de saber dizer não a projetos quando necessário, transformando a área de comunicação em um parceiro estratégico que cria junto, e não apenas dá suporte, além de ser assertivo nos momentos desafiadores para evitar “enrascadas”. Lydia Damian, da Hydro, apontou a coragem e a escuta como pilares para uma comunicação eficaz, especialmente em contextos sensíveis como a Amazônia, onde ouvir públicos diversos (quilombolas, indígenas) é crucial para uma comunicação autêntica e respeitosa.

Estratégias de Comunicação: Orçamento e Liderança Alinhados - Imagem do artigo original

Imagem: valor.globo.com

Claudia Góes, da Microsoft, sintetizou a ideia, dizendo que o líder deve ter a humildade de reconhecer que nunca para de aprender e que os métodos de comunicação de décadas atrás já não se aplicam. Além disso, a capacidade de aconselhar os colegas sobre a melhor abordagem comunicacional é igualmente vital.

A Arte de Contar Histórias e o Poder da Transparência

Paulo Nassar instigou os diretores a refletirem sobre a singularidade da profissão, o que apenas eles, como comunicadores, conseguem realizar dentro da organização. Lydia Damian, da Hydro, respondeu enfaticamente: a “arte de contar histórias”. Para ela, a comunicação reside nas mãos desses profissionais para escutar e narrar as histórias essenciais, reduzindo a desinformação e esclarecendo dúvidas, uma expertise que se torna cada vez mais indispensável. Pâmela Vaiano, do Itaú, acrescentou a capacidade de desenvolver uma “visão multistakeholder”, crucial para estabelecer posicionamentos externos autênticos em um mundo onde a transparência é a base da confiança e conexão com as marcas. O consumidor moderno exige clareza sobre processos, desde a logística reversa e a origem dos insumos até a equidade salarial, e a área de comunicação tem a capacidade de fornecer dados para medir o impacto e o alinhamento das ações com esses públicos.

Combate à Desinformação e a Ascensão da Inteligência Artificial

No cenário atual de redes sociais e “fake news”, os diretores compartilharam como administram a comunicação, decidindo o momento certo de falar e de ouvir. Marcela Porto, da Suzano, mencionou uma pesquisa de reputação bienal com mais de três mil pessoas de dez grupos de stakeholders, que serve para nortear as estratégias. A análise busca identificar o tipo de comunicação eficaz e os atributos desejados pelo público, verificando se há consistência e coerência entre o que é dito e o que é, de fato, praticado pela empresa. Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje, introduziu o tema da inteligência artificial (IA), questionando se ela já representa uma solução para otimizar orçamentos, ou ainda apenas um investimento.

Claudia Góes, da Microsoft, declarou que a IA é totalmente integrada às operações da empresa e não é vista como custo, mas como uma ferramenta estratégica. A empresa está investindo em treinamentos para aplicar “agentes” de IA, automatizando processos que tradicionalmente são caros, complexos ou burocráticos. Ela explicou que o “Copilot”, IA da Microsoft, é um copiloto, um suporte que não substituirá o trabalho humano nem a capacidade de “sentir a temperatura de uma reunião” ou “o engajamento com a imprensa”, sendo apenas mais uma ferramenta evolutiva. Juliana Marra, da Unilever, confirmou o uso intenso de IA, economizando tempo para que as equipes possam focar em atividades de maior valor, como o relacionamento com outras áreas. Ela salientou que, embora não seja possível mensurar uma economia orçamentária direta, a IA permite uma otimização da equipe, liberando pessoas para tarefas estratégicas. Pâmela Vaiano, do Itaú Unibanco, destacou que o banco trabalha com diversas “big techs” e utiliza um “coquetel de IAs” (incluindo Copilot, ChatGPT, OpenAI, AWS) para diferentes desafios. Há testes para usar IA na conexão de grandes volumes de dados externos, como auditorias do LinkedIn, análises de mídia e discursos em redes sociais, buscando uma visão `end to end` dos resultados e uma classificação mais eficaz de milhões de matérias anuais.

Pedro Torres, da Gerdau, compartilhou que a empresa utiliza a IA para analisar cerca de 400 relatórios de analistas de bancos trimestralmente para a divulgação de resultados, auxiliando na assertividade do conteúdo. Embora a IA não produza o texto final, ela gera insights sobre os temas de interesse do mercado, liberando o tempo dos colaboradores para outras atividades e maximizando o orçamento. Danilo Vicente, do Grupo Carrefour Brasil, ressaltou que a IA foi empregada para otimizar o trabalho da comunicação interna. Ele redefiniu as funções dos profissionais focados em design, transferindo-os para ações de relacionamento, enquanto a IA assumiu as tarefas de design, realocando recursos e otimizando a equipe.

Polarização Global e a Adaptação de Agendas de Diversidade e ESG

Uma última questão levantada na mesa-redonda focou nas tensões geopolíticas, na polarização e na influência de discursos anti-ESG e anti-diversidade, como o impulsionado pelo ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos, e seus impactos nas empresas brasileiras. Danilo Vicente, do Grupo Carrefour Brasil, encarou o movimento anti-woke como uma oportunidade. Diante das discussões, ele buscou o CEO para reafirmar o compromisso do Carrefour com a diversidade, com a premissa de que a empresa deve seguir suas crenças, mantendo-se atenta ao cenário global. Juliana Marra, da Unilever, reforçou a filosofia do `walk the talk`, defendendo que a sustentabilidade não é uma estratégia separada, mas parte integrante do negócio. Ela exemplificou com metas alcançadas antes do prazo, como o `aterro zero` nas fábricas e o aumento do uso de plástico reciclado, indicando que a sustentabilidade é um caminho sem volta para a empresa. Marcela Porto, da Suzano, viu na situação uma oportunidade de diferenciação para as empresas com cultura forte de ESG. Ela observou que empresas nos EUA não mudaram seus programas internos, mas adaptaram a linguagem em seus canais de comunicação para evitar retaliações, pois governos começam a monitorar palavras-chave específicas. Pedro Torres, da Gerdau, trouxe um exemplo concreto. Cerca de 60% da operação da Gerdau está nos Estados Unidos, onde a empresa é fornecedora para os setores de energia e defesa do governo americano. A companhia foi notificada formalmente pela embaixada americana de que, se não removesse as metas de mulheres em posição de liderança vinculadas a bônus executivos — prática que se aplica no Brasil e outros países — perderia contratos.

Torres explicou que a Gerdau precisou remover essa meta nos EUA, embora mantendo o objetivo de crescimento de mulheres na liderança, sem a vinculação salarial. Até mesmo ações simbólicas, como a mudança do logotipo no Dia do Orgulho LGBT, foram suspensas nos Estados Unidos, enquanto persistiram em outros países. Ele enfatizou que a empresa compreende o cenário de negócios e seus desafios, adaptando-se sem mudar sua essência. O maior desafio nesse contexto, segundo ele, foi o impacto no público interno. A gestão da comunicação desse momento crítico foi feita com transparência pelo CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, que explicou nas `CEO Talks` trimestrais a necessidade de adaptar-se temporariamente para garantir a continuidade da operação nos EUA, reiterando que a crença da Gerdau em diversidade e inclusão não havia mudado em outras regiões.

Confira também: Imoveis em Rio das Ostras

As discussões ressaltaram que, mesmo diante de um cenário de orçamentos mais ajustados e tensões globais, o papel estratégico da comunicação se consolida, exigindo dos líderes competências como curiosidade, coragem, escuta ativa e a capacidade de ser um radar para as mudanças do ambiente. A inteligência artificial, em vez de ser uma ameaça, emerge como uma ferramenta de otimização e eficiência, liberando profissionais para tarefas de maior impacto. Para aprofundar-se em análises sobre economia e gestão empresarial, continue acompanhando as notícias e artigos em nossa editoria de Economia.

Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Deixe um comentário