Os Estados Unidos consolidam sua posição como a nação com a maior concentração de infraestrutura de processamento de dados global, abrigando quase 40% de todos os data centers existentes. Um levantamento minucioso do Data Center Map, um projeto de colaboração internacional, aponta que o país norte-americano possui 3.955 dos 10.461 complexos computacionais contabilizados mundialmente.
Em contraste marcante com essa predominância, o Brasil apresenta um cenário de infraestrutura digital significativamente mais limitado. Atualmente, o país sul-americano conta com menos de 200 data centers em seu território, o que corresponde a uma parcela modesta de 1,8% da estrutura global. Essa contagem engloba as instalações operadas por provedores de nuvem, bem como os serviços de armazenamento e processamento de dados terceirizados e as centrais de conectividade essenciais para as empresas de telecomunicação.
A disparidade se acentua ainda mais quando o foco recai sobre data centers equipados com tecnologia de ponta, aqueles capacitados para dar suporte a processos de alta complexidade, como o desenvolvimento e treinamento de sistemas de inteligência artificial avançada. Uma análise divulgada pelo Instituto de Internet da Universidade de Oxford revela que o Brasil dispõe de apenas um provedor de nuvem em sua geografia que oferta os aceleradores tecnológicos cruciais para o treinamento de grandes modelos de linguagem, similares ao ChatGPT. Este único provedor é identificado como o braço de serviço de nuvem da Amazon, a AWS (Amazon Web Services).
Apesar de não ter sido incluído na pesquisa de Oxford por ser um provedor de menor porte, a Oracle, outra gigante do setor de tecnologia, também disponibiliza chips da Nvidia em suas operações brasileiras. No entanto, o cenário americano se destaca significativamente nesse segmento especializado. O artigo acadêmico sublinha que os Estados Unidos contam com 22 polos munidos dessa tecnologia avançada, demonstrando não apenas uma vantagem quantitativa, mas também uma capacidade instalada superior nos complexos voltados para inteligência artificial e outros processos computacionais de alta demanda.
O Impulso Global por Soberania Digital e Suas Implicações
Observa-se um esforço crescente por parte de diversos países para atrair e consolidar provedores de nuvem e data centers em seus respectivos territórios. Esta mobilização é frequentemente justificada pela busca por aquilo que se define como “soberania digital”. O conceito de soberania digital pressupõe que o Estado tenha a capacidade de garantir que o processamento dos dados gerados ou consumidos internamente esteja em plena conformidade com as leis nacionais e sujeito à jurisdição dos tribunais do país.
Entretanto, relatórios como o do Instituto de Internet de Oxford e especialistas entrevistados pela Folha ressaltam que a soberania nacional em âmbito digital abrange elementos adicionais considerados cruciais. Entre eles, destacam-se a origem das empresas que fornecem os serviços de nuvem pública, uma vez que a nacionalidade dessas corporações pode influenciar questões de acesso e controle, e a complexidade da cadeia de produção dos equipamentos utilizados nos data centers, que revela interdependências globais profundas.
A Hegemonia Norte-Americana no Mercado de Nuvem
No setor de computação em nuvem, empresas americanas detêm uma supremacia incontestável. Dados compilados pelo Gartner indicam que companhias dos Estados Unidos concentram 70,6% do mercado global de serviços de nuvem. A Amazon, com sua AWS, é reconhecida como a líder dominante nesse segmento. Paralelamente, empresas como a Microsoft, que possui direitos sobre a produção intelectual da OpenAI, e o Google demonstraram um crescimento notável, impulsionado pela crescente popularização dos modelos de inteligência artificial. Estes provedores de infraestrutura em nuvem, de capacidade e investimento sem precedentes, são globalmente conhecidos como “hyperscalers”.
Na sequência do domínio americano, empresas chinesas surgem como os próximos atores de destaque no cenário global de nuvem. A Alibaba detém 7,2% do mercado, enquanto a Huawei responde por 4,1%. O relatório do Instituto de Internet de Oxford aponta ainda a existência de provedores de nuvem europeus menores, que possuem relevância estratégica para os mercados locais específicos. Contudo, nas regiões da América Latina, África e Oceania, o estudo não identificou a presença de empresas que se destaquem como atores relevantes nesse setor.
A Complexa Teia Global da Produção de Semicondutores
No que tange à cadeia de produção das peças de computador, particularmente os semicondutores — componentes essenciais para o funcionamento dos data centers e demais equipamentos eletrônicos — a Nvidia, empresa com sede nos Estados Unidos, também figura como uma entidade dominante. Sua influência se estende principalmente pelo controle do desenvolvimento intelectual dos chips e pela coordenação estratégica da complexa cadeia produtiva. Contudo, o panorama da fabricação de semicondutores é intrinsecamente globalizado e envolve uma divisão de trabalho entre várias nações.
A fabricação física dos chips, por exemplo, é largamente conduzida pela taiwanesa TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company). Além disso, a produção das máquinas de alta tecnologia que são indispensáveis para o processo de fabricação de semicondutores é liderada pela holandesa ASML. Importante destacar que os próprios hyperscalers americanos também investem e produzem semicondutores de escala reduzida para uso em suas próprias infraestruturas. Esta divisão ilustra uma teia de interdependências técnicas e produtivas que sublinha a complexidade da indústria de tecnologia moderna.
O peso estratégico inerente a esta atividade pode ser exemplificado por ações governamentais de grande escala. Um caso notável é o esforço empreendido pelo ex-presidente americano Donald Trump para nacionalizar a fabricação de semicondutores nos Estados Unidos. Essa iniciativa incluiu a formulação de ameaças de imposição de tarifas a empresas que optassem por não estabelecer suas fábricas em solo americano, sublinhando a percepção de segurança nacional associada à autossuficiência tecnológica neste segmento.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Neste cenário complexo, a China emerge como o único país a demonstrar algum nível de independência em relação às potências tecnológicas americanas. Após as restrições comerciais de semicondutores impostas por Donald Trump visando os mercados chineses, gigantes tecnológicas como Alibaba, Huawei e Tencent responderam intensificando seus investimentos no desenvolvimento de tecnologia própria. A Huawei, por exemplo, firmou uma colaboração estratégica com a também chinesa SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation) para a produção de um chip de 7 nanômetros. Esta iniciativa é particularmente significativa porque tais capacidades estariam tipicamente vetadas pelos controles de exportação impostos pelos Estados Unidos, sinalizando um avanço na autonomia chinesa.
Estratégias de Soberania Digital no Brasil: Uma Nuvem e Seus Desafios
No Brasil, uma estratégia para a soberania digital está atualmente em desenvolvimento, materializada através do investimento na construção de uma “nuvem soberana”. Este modelo envolve a aquisição de servidores de grandes hyperscalers para sua subsequente instalação e operação em empresas públicas brasileiras, tais como o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e a DataPrev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social). Este formato, proposto pelas próprias big techs globais, já encontra eco em outras nações ao redor do mundo.
Contudo, essa abordagem não está isenta de pontos vulneráveis. Segundo Sérgio Amadeu, professor de sociologia da UFABC (Universidade Federal do ABC), a dependência do Brasil na manutenção e atualização dessas máquinas permanece atrelada às empresas americanas e chinesas que as fornecem. Essa persistente dependência, argumenta Amadeu, configura uma “brecha” na concretização da soberania digital brasileira, pois não garante a total autonomia sobre a infraestrutura crítica.
Em um movimento para endereçar as lacunas na infraestrutura digital e mitigar essa dependência, o governo brasileiro discute a potencial publicação de uma medida provisória (MP). Essa legislação visaria oferecer incentivos fiscais e promover uma simplificação normativa com o intuito de atrair mais complexos de processamento de dados para o país. O Ministério da Fazenda revela que uma fatia considerável de 60% dos serviços digitais consumidos no Brasil é faturada por data centers localizados nos Estados Unidos. A meta expressa pelo Ministério é clara: realocar essas operações para dentro das fronteiras brasileiras, fomentando o investimento e a capacidade local.
Jefferson Gomes, diretor de desenvolvimento industrial, tecnologia e inovação da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), salienta um descompasso significativo entre a oferta e a demanda por infraestrutura digital no Brasil. Ele observa que, ao longo dos últimos cinco anos, a capacidade de oferta do setor no país triplicou. No mesmo período, contudo, a demanda por esses serviços multiplicou-se por dez, evidenciando um crescimento desproporcional. Para Gomes, é precisamente essa lacuna entre oferta e demanda que fundamenta a disparidade identificada pelo Ministério da Fazenda, e que motiva a urgência em atrair mais investimentos para o setor.
Debates Sobre Impacto Econômico e Riscos de “Colonialismo Digital”
Embora um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) afirme que não existe um consenso consolidado sobre o real impacto econômico da alta concentração de mercado nos setores de data centers e provedores de nuvem, há teóricos e analistas que levantam alertas importantes sobre os riscos de um sistema de exploração digital emergente. Este sistema, eles argumentam, poderia assemelhar-se a um novo formato de colonialismo.
Rodolfo Avelino, conselheiro do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), vocaliza essa preocupação ao sugerir que uma nova divisão internacional do trabalho está se delineando. Nesta nova configuração, os Estados que são detentores das tecnologias mais avançadas se posicionam para explorar aqueles que estão desprovidos de tal infraestrutura. Avelino elabora que “a extração de dados de populações em países que não conseguem processar essas informações em seus próprios territórios aumenta a dependência das big techs e a submissão econômica e tecnológica aos países ricos.” Essa análise destaca a importância estratégica da capacidade de processamento e armazenamento de dados em território nacional para a autonomia e o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento no cenário digital global.
Com informações de Folha de S.Paulo
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