O Dossiê Acessibilidade foi lançado em São Paulo nesta terça-feira, 28 de outubro de 2025, pelo Itaú Cultural (IC), com a finalidade de impulsionar a participação plena de pessoas com deficiência nos universos da produção e criação artísticas. Este compilado essencial aborda não apenas os fundamentos legais e estatísticos pertinentes, mas também oferece orientações práticas detalhadas para profissionais do setor cultural. O objetivo primordial é capacitar a preparação de ambientes e conteúdos culturais de maneira a respeitar integralmente o direito de fruição artística para todos.
Um dos pilares que sustentam a defesa dos direitos de pessoas com deficiência é a garantia da autonomia. No entanto, para os mais de 18 milhões de brasileiros que pertencem a esse grupo, esta autonomia frequentemente é cerceada em sua vida diária e também no acesso a manifestações culturais, como a leitura de uma obra literária, a observação de fotografias em exposições ou a contemplação de esculturas em museus, conforme enfatizaram especialistas presentes no evento. As discussões focaram em como o Dossiê Acessibilidade pretende ser um divisor de águas, provocando uma mudança real e estrutural no setor.
Dossiê Acessibilidade: Itaú Cultural Lança em SP Guia Essencial
Comumente, organizações e artistas afirmam possuir um compromisso com a acessibilidade ao expor sua arte, porém, muitas vezes, seus esforços limitam-se à oferta de apenas um ou dois recursos, como a instalação de uma rampa de acesso ou a contratação de um intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras). Tais iniciativas, apesar de válidas, foram severamente criticadas por serem insuficientes para atender à diversidade do público com deficiência, ignorando outras necessidades e singularidades. Essa foi uma das observações cruciais feitas por Claudio Rubino, consultor de acessibilidade, produtor cultural, ilustrador e gestor, durante o evento de lançamento do material, que destaca a superficialidade de algumas ações existentes.
Mariana Oliveira Arantes, pesquisadora atuante na área, complementou a discussão apontando que “nem sempre os recursos são realmente convidativos e disponíveis”. Ela citou como exemplo a instalação de pisos táteis para pessoas cegas ou com baixa visão que, muitas vezes, direcionam a caminhos errôneos ou mesmo a uma parede, invalidando a proposta de acessibilidade. A especialista também frisou a importância de enxergar a acessibilidade não apenas sob uma ótica meramente técnica, mas igualmente como uma questão estética. Esse novo prisma tem sido um catalisador para a expansão de um movimento composto por artistas e ativistas que se autodenominam parte da “cultura def”.
A Compreensão da “Cultura Def”: Valorizando Experiências e Autonomia
O dossiê desenvolvido pelo Itaú Cultural aprofunda a definição de “cultura def”, uma expressão cunhada pela própria instituição. Essa concepção visa dar valor às vivências e à pluralidade de corpos e capacidades das pessoas com deficiência, integrando-as como um componente fundamental no cenário cultural. O relatório, além disso, promove uma revisão e atualização de termos frequentemente usados, como a própria palavra “inclusão”. Rubino esclarece que, ao empregar o termo “inclusão”, subentende-se a existência de um agente que inclui e outro que é incluído, o que pode estabelecer uma relação hierárquica. Tal hierarquia contrasta diretamente com os princípios da “cultura def”, que aspira à promoção da igualdade em todas as esferas, inclusive nas decisões, combatendo a comum designação de pessoas com deficiência para funções operacionais ou de menor complexidade, prática ainda observada na iniciativa privada.
Rubino, cuja expertise foi solidificada também por seu trabalho no Instituto Tomie Ohtake, aconselha os profissionais com deficiência a reconhecerem que não devem empreender sozinhos a luta pela acessibilidade dentro de suas organizações. “É um processo colaborativo e contínuo, em que a gente assume riscos, que podem ser organizados de uma forma que parece muito simples, fácil, mas tem muito empenho, estrutura e organização”, declarou ele, ao discutir a complexidade e as negociações inerentes a iniciativas como o recém-lançado dossiê do IC, ressaltando a necessidade de uma abordagem coletiva e engajada para o sucesso efetivo das ações de inclusão.
Desafios na Implementação e a Urgência da Mudança Cultural
Após uma exaustiva pesquisa que incluiu a análise de cerca de 200 equipamentos culturais na Grande São Paulo, Mariana Oliveira Arantes constatou uma notável necessidade de aprimoramento no vocabulário e no repertório dos agentes culturais. Um dos pontos de maior atenção foi o uso, por parte de oficineiros, de terminologias impróprias e ultrapassadas, como “alunos especiais” ou “alunos com necessidades especiais”, evidenciando um descompasso entre a prática e os princípios de acessibilidade. Além disso, a historiadora, que compartilha suas percepções e avaliações sobre acessibilidade no site “Mundo em Conta”, relata uma crescente ansiedade entre os profissionais da cultura diante das mudanças iminentes. Com editais de fomento que agora tornam obrigatórias ações específicas de acessibilidade ou que atribuem pontos extras a elas, muitos artistas e produtores culturais encontram-se “desesperados, sem saber o que fazer”. Arantes reprova veementemente aqueles que deixam para abordar a questão da acessibilidade apenas nas fases finais de seus projetos, o que frequentemente resulta em uma “acessibilização fajuta” e pouco genuína, ou seja, implementada sem um planejamento aprofundado e com qualidade comprometida.
A participação de Mariana Arantes no 1º Congresso Internacional sobre Deficiência da Universidade de São Paulo (USP), realizado na semana anterior ao lançamento do dossiê, corroborou sua análise. Uma fala de um docente da Escola Politécnica da instituição (Poli-USP) reforçou a ideia de que boa parte das adversidades encontradas na acessibilidade está ligada à falta de interesse e disposição por parte de quem não possui deficiência, resultando em diversos projetos que não saem do papel. O acadêmico compartilhou uma observação preocupante sobre um “armário lotado de projetos empoeirados”, uma realidade que se alinha a um estudo que aponta que a maioria dos projetos destinados a pessoas com deficiência é interrompida logo em sua fase inicial de teste, no primeiro protótipo, jamais sendo finalizados.
“A acessibilidade depende muito mais de mudança de comportamento do que de verba, estrutura”, enfatiza a educadora, reiterando a necessidade de uma transformação de mentalidade antes mesmo de investimentos financeiros e estruturais.
Pioneirismo e Inovação na Acessibilidade Cultural: O Case do Instituto Tomie Ohtake
Divina Prado, ex-colega de Claudio Rubino e atualmente funcionária do Instituto Tomie Ohtake, detalhou um projeto desenvolvido por ambos há uma década, que se tornou um “lanterna no caminho” para suas futuras ações no campo da acessibilidade. Na concepção da “Bolsa de Artista Tomie Ohtake”, eles buscaram criar um material educativo que acolhesse e tratasse com a mesma dignidade crianças com e sem deficiência. O projeto envolveu a criação de um jogo que incentivava tanto a ação coletiva quanto a individual, acompanhado por uma série de materiais essenciais para a proposta pedagógica. Entre os itens, destacam-se cadernos, um livro ilustrado sobre a história da artista, audiodescrição, papel, tintas e pincéis. O embasamento inicial para todo esse trabalho foi a exposição “Tomie Ohtake 100 101”, que esteve em cartaz no instituto homônimo, de abril a junho de 2015.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
Com essa iniciativa pioneira, que funcionou como um piloto e teve grande participação de crianças com deficiência visual, ambos os profissionais assimilaram uma metodologia que é constantemente refinada e adaptada a cada novo objetivo. Prado salienta que a postura anticapacitista incorporada em seus trabalhos abraça a mescla de elementos variados, tais como a introdução de texturas, a descrição minuciosa de ambientes que podem não ser familiares a todos em contato com as obras, e a criação de paisagens sonoras, buscando expandir a experiência perceptiva. Para exemplificar a dedicação e o detalhe envolvido, no caso específico da “Bolsa de Artista”, o CD contendo a paisagem sonora e a serragem para misturar na tinta tiveram exatamente a mesma relevância no processo criativo e educacional, demonstrando um olhar holístico para as ferramentas de acessibilidade.
Prado reflete sobre a evolução tecnológica nesse campo: “Na época, usava-se o CD. Isso também é uma discussão desse campo. A gente tem que estar acompanhando as tecnologias. Hoje a gente usa o QR Code. Daqui a um tempo, isso vai estar obsoleto”. Ela recorda que havia chegado recentemente ao instituto para integrar a equipe de educação, e logo depois iniciou a construção dos materiais educativos, sendo o primeiro deles elaborado com a participação colaborativa de convidados, incluindo professores, educadores e estudantes.
Neste ano, a especialista ainda destaca duas importantes contribuições do Instituto Tomie Ohtake para a área de acessibilidade. A primeira é o “Caderno-ensaio 3: Povo”, para o qual os profissionais se dedicaram a compreender quais sons podem evocar a ideia de “povo”. “É algo que junta criança brincando, gente pisando no chão, água fervendo, algo que é povo qualquer lugar do mundo”, explica. A outra fonte de orgulho para Prado, também uma ferramenta de acessibilidade exemplar, é o “Palavra”. Este projeto foi reconhecido com o Prêmio Jabuti, vencendo na categoria Projeto Gráfico, no Eixo Produção Editorial. Neste caso específico, a equipe optou por utilizar instrumentos de corda, combinando “um pouco de voz, um pouco de canto guarani”, criando uma experiência sonora rica e acessível.
Prado descreve o que chama de “processo de circularidade”, uma estratégia para tornar a experiência de consumo de conteúdo mais prazerosa e acessível a um público diverso. “É uma tentativa de fazer com que isso fique mais agradável para a pessoa ouvir, para a pessoa com deficiência visual, para a pessoa não alfabetizada, para a pessoa que está atravessando a cidade num trem lotado e não quer carregar o livro, mas vai poder ir escutando isso”, pontua. Ela acrescenta que o material editorial também inclui audiodescrição de todas as imagens e é pensado para oferecer uma sensibilidade estética ampliada, considerando outros elementos que ali estão presentes. A concepção é que essa iniciativa seja uma “ferramenta de mediação editorial para todas as pessoas”, convidando “cada pessoa a ler do seu jeito”. “Você pode ouvir, ler, ler ouvindo, ouvir só a paisagem sonora. São muitas entradas possíveis. Isso é um desejo de pensar também num, digamos, hábito contemporâneo de leitura”, finaliza Prado, enfatizando a flexibilidade e a democratização do acesso à cultura.
Para o público em geral e os profissionais da cultura, o Dossiê Acessibilidade estará disponível integralmente no site do Itaú Cultural.
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A publicação do Dossiê Acessibilidade pelo Itaú Cultural configura um passo significativo para a inclusão plena e digna de pessoas com deficiência no cenário artístico e cultural brasileiro. Este guia representa um recurso valioso para profissionais, artistas e instituições que buscam transformar ambientes e obras, garantindo que o acesso à cultura seja um direito efetivo e com sensibilidade estética. Acesse o conteúdo completo e continue a explorar nossa editoria de Análises para mais insights sobre temas relevantes para a sociedade e a cultura.
Crédito da imagem: Wilson Dias/Agência Brasil



