A disputa orçamentária federal, conforme analisa Lara Mesquita, professora e pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP), transcende o foco exclusivo nas emendas parlamentares, revelando uma complexa teia de vinculações e interesses que moldam o uso dos recursos públicos no Brasil. A proposta governamental para a Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, apresentada no final de agosto, delineia uma arrecadação estimada em mais de R$ 6,5 trilhões, dos quais R$ 4,3 trilhões são designados para o orçamento fiscal, excluindo despesas com seguridade social e investimentos de empresas estatais. Esta estrutura de alocação de verbas é o palco principal das negociações e embates entre os poderes e grupos de pressão, impactando diretamente a capacidade de gestão do Executivo.
Uma análise das despesas previstas pelo Ministério do Planejamento na PLOA para o próximo ano destaca uma predominância significativa de compromissos fixos. Cerca de 92,4% das despesas primárias, que englobam serviços essenciais à população e os investimentos públicos necessários ao desenvolvimento do país, são categorizadas como despesas obrigatórias. Isso significa que uma parcela maciça do orçamento está legalmente comprometida, limitando substancialmente a flexibilidade do governo para alocar recursos de forma discricionária. Essa realidade é um dos pontos centrais que alimentam as tensões em torno da administração dos recursos federais e do papel de cada esfera de poder na definição das prioridades nacionais.
Disputa Orçamentária Federal Vai Além das Emendas Parlamentares
Os debates em torno da questão orçamentária e fiscal refletem a ânsia de diversos grupos de interesse em assegurar que uma fatia do Orçamento da União seja blindada contra cortes, contingenciamentos ou redirecionamentos motivados por prioridades políticas divergentes. As despesas obrigatórias compreendem não apenas o pagamento da dívida pública e os salários dos servidores, mas também obrigações constitucionais como o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais, além de repasses mandatórios a estados e municípios. Adicionalmente, marcos legais específicos como a Emenda Constitucional 86 de 2015 estabeleceram que 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) deve ser destinada à saúde, enquanto a Emenda Constitucional 108 de 2020, que instituiu o novo Fundeb, assegura 18% da Receita Líquida de Impostos para a Educação, percentual que se elevará para 23% no orçamento de 2027.
A gestão dos recursos públicos e a natureza de sua alocação são, em qualquer sistema democrático, um dos epicentros da disputa política. Ao contrário de autocracias, onde a definição é arbitrária e sujeita à conveniência do chefe de governo e ao uso da repressão, em regimes democráticos essa disputa é legitimada por um complexo sistema de representação e negociação. Não surpreende, portanto, que o Poder Legislativo, assim como outros segmentos da sociedade organizada, tenha procurado e conseguido vincular as emendas parlamentares ao Orçamento à Receita Corrente Líquida. Atualmente, 2% da RCL são obrigatoriamente destinados às emendas individuais, e 1% é direcionado às emendas de bancadas estaduais e setoriais. Em anos de eleição, uma parcela dos recursos destas últimas é convertida para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), ampliando a influência legislativa sobre o ciclo político.
A progressiva redução dos recursos de alocação livre e dos investimentos discricionários, consequência direta das vinculações orçamentárias e das rigorosas regras de responsabilidade fiscal, tem um impacto significativo: aumenta o protagonismo do Legislativo na elaboração e execução do Orçamento. É crucial lembrar que os investimentos realizados hoje podem gerar um incremento das despesas de custeio no futuro. Como exemplo prático, a construção de um novo hospital público, um investimento significativo, demandará, posteriormente, a contratação de médicos, enfermeiros, equipes de apoio e gerará custos fixos como contas de água, energia elétrica e manutenção, elevando as despesas correntes do Executivo nos anos seguintes.
Nesse panorama, cada novo projeto aprovado que aumenta as despesas do Executivo, seja pela manutenção de subsídios a determinados setores da economia ou pela criação de novos auxílios sociais, inevitavelmente resulta na diminuição da margem de manobra do governo sobre o orçamento. Isso, por sua vez, amplia a relevância e a busca pelas emendas parlamentares como um mecanismo de acesso a recursos não carimbados. Esta dinâmica se acentua particularmente quando a estratégia política prioriza a não elevação da receita, como ilustrado pela tentativa de derrubar o decreto que visava alterar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
É inegável que as emendas se tornam o caminho mais acessível para deputados e senadores acessarem verbas que ainda não possuem destinação específica. Entretanto, Lara Mesquita pontua que não se deve demonizar a participação do Poder Legislativo no processo orçamentário, pois esta é uma parte intrínseca do jogo político democrático. O essencial, nesse contexto, reside na imperiosa necessidade de se estabelecerem diretrizes explícitas, um controle eficaz e uma transparência inquestionável na utilização desses recursos. A atuação de órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e do Supremo Tribunal Federal (STF), nesse sentido, mostra-se vital para assegurar a integridade e a boa aplicação do dinheiro público. Informações adicionais sobre o ciclo orçamentário federal podem ser consultadas em fontes governamentais confiáveis, como o site do Tesouro Nacional (https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/o-que-e-o-orcamento/36), que detalha o conceito e a legislação aplicável ao orçamento público.
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A compreensão da disputa em torno do Orçamento revela que ela é muito mais ampla do que as emendas parlamentares isoladamente, sendo um reflexo das complexas dinâmicas de poder e das prioridades nacionais. É um cenário constante de negociação, pressão e fiscalização, onde a responsabilidade fiscal e a busca pela eficiência na gestão pública devem andar de mãos dadas. Para se aprofundar nas nuances da política fiscal e orçamentária do país, continue acompanhando a editoria de Economia e Política de nosso portal. Mantenha-se informado sobre os desdobramentos das decisões que impactam diretamente a vida dos brasileiros em https://horadecomecar.com.br/politica.
Crédito da imagem: Gabriela Bilo – 18.set.25 /Folhapress
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