A direita silencia frente a reação positiva de Lula e Trump, em um movimento que sinaliza um cenário de desafios e desalinhamento político. A ausência de manifestações incisivas por parte de importantes nomes da oposição e a contenção de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro evidenciam uma fase desfavorável para o bloco, especialmente após uma série de reveses sofridos nos últimos meses.
A reação do espectro político da direita brasileira ao recente encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente americano Donald Trump tem sido notadamente discreta e contida. Enquanto o evento bilateral gerou uma repercussão predominantemente positiva nas redes sociais e na imprensa, figuras proeminentes da oposição optaram pelo silêncio, revelando um possível despreparo estratégico para lidar com o impacto da aproximação inesperada entre os dois líderes no cenário internacional e doméstico.
Direita Silencia Frente a Reação Positiva de Lula e Trump
Este cenário de retraimento da direita sucede um período de desdobramentos políticos complicados. Após um início de ano mais favorável, embalado pela suposta queda de popularidade do petista relacionada à crise do Pix, o campo bolsonarista enfrentou sucessivas derrotas no segundo semestre. Anteriormente, estratégias como a articulação de tarifas e sanções contra o Brasil pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), residente nos EUA, levaram governadores de direita com ambições presidenciais a tentarem vincular as ações de Trump à postura “antiamericana” de Lula. A intenção era associar o presidente brasileiro a um isolamento diplomático global, buscando capitalizar em um discurso de desprestígio internacional.
No entanto, essa narrativa pré-estabelecida foi seriamente comprometida pelo encontro do último fim de semana. A reunião bilateral não apenas se concretizou, como também resultou em uma interação publicamente cordial e otimista. Donald Trump, por exemplo, fez questão de desejar um “feliz aniversário” a Lula, que completou 80 anos na segunda-feira, 27 de novembro. Lula assumiu o mandato em 2023, com 77 anos, tornando-se o presidente mais idoso da história do Brasil. Os elogios do republicano ao vigor do brasileiro, em um contexto informal e de proximidade, tornaram inviável a sustentação da tese de que o país falhava em sua interlocução com a maior potência global.
Governadores como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Júnior (PR) e Ronaldo Caiado (GO), frequentemente cotados como possíveis presidenciáveis ou nomes fortes da direita, mantiveram um silêncio absoluto após o evento e a divulgação da foto de ambos os presidentes sorridentes. Outra notável ausência de comentário veio de Nikolas Ferreira (PL-MG), reconhecido como o principal comunicador digital do bolsonarismo, que optou por não se manifestar. Esse comportamento coletivo sublinha a dificuldade da direita em se posicionar de forma coesa frente a um evento de repercussão tão positiva para a imagem do governo Lula.
A dimensão do impacto político da imagem de Lula com Trump foi capturada e quantificada pelo mapeamento da Quaest, realizado com a ferramenta QuaestScan, um instituto especializado em monitoramento digital de imagens e áudios na internet. A foto conjunta dos dois líderes acumulou impressionantes 72 milhões de visualizações e 22 milhões de curtidas, considerando as plataformas mais relevantes como Instagram, X (antigo Twitter), TikTok e Facebook. Este feito superou até mesmo a foto de Lula com Janja, de agosto de 2021, que havia registrado 65 milhões de visualizações, demonstrando o grande peso simbólico e o alcance midiático que a imagem obteve na esfera digital.
Para Felipe Nunes, diretor da Quaest, o episódio ressalta o poder intrínseco da “política como imagem”. “A foto publicada e amplamente visualizada é um exemplo claro da política como imagem, que mesmo sem legenda fala sobre o que aconteceu. O sorriso, a postura, o aperto de mão, tudo é simbólico”, pontuou Nunes. Sua análise enfatiza como elementos visuais, desacompanhados de texto explicativo, podem comunicar uma narrativa política forte, direta e de alto impacto junto ao público em geral, transcendo barreiras de linguagem.
A própria família Bolsonaro adotou uma postura visivelmente mais cautelosa e contida em sua reação aos desdobramentos do encontro. Alguns aliados do ex-presidente, no entanto, preferiram valorizar o fato de Trump ter mencionado, quando questionado pela imprensa, que sempre teve apreço por Bolsonaro e que lamentava o que lhe havia acontecido. Em sua publicação nas redes, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a inferir que o tema ‘Bolsonaro’ poderia ter sido tratado à portas fechadas: “Lula encontra Trump e na mesa um assunto que claramente incomoda o ex-presidiário: Bolsonaro. Imagine o que foi tratado a portas fechadas?”. Contudo, não há qualquer indício ou registro oficial de que essa discussão tenha ocorrido durante o encontro bilateral.
Outro ponto levantado pelo clã Bolsonaro, articulado publicamente pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), foi o de que Lula teria retornado da reunião “de mãos abanando”, sem a concretização de um acordo substancial imediato. Fontes do Palácio do Planalto e do Itamaraty, porém, confirmaram que a expectativa para o encontro não incluía o anúncio imediato da revogação de tarifas ou sanções a autoridades específicas. A reunião foi concebida, desde o princípio, como um passo inicial crucial para futuras negociações e o estabelecimento de uma base sólida para o diálogo diplomático entre Brasil e Estados Unidos.
A estratégia anterior de estimular uma intervenção de Trump em assuntos internos do Brasil já havia se mostrado prejudicial à direita, conforme atestam diversas pesquisas de opinião pública realizadas no país. Um levantamento da Genial/Quaest, realizado em agosto, indicou uma deterioração significativa da imagem dos Estados Unidos entre os brasileiros: a percepção desfavorável (48%) sobre o país superou a favorável (44%), patamar que, anteriormente, se aproximava consistentemente dos 60%. Esse dado revela um “tiro no pé” político da oposição ao apostar em uma narrativa de intervenção estrangeira, causando efeito reverso.
Ainda de acordo com a pesquisa Genial/Quaest, quando questionados sobre a responsabilidade no chamado “tarifaço”, uma parcela considerável de 49% dos entrevistados apontou Lula e o Partido dos Trabalhadores como agindo de forma mais correta, contra apenas 27% que citaram Bolsonaro e seus aliados como os que agiam apropriadamente. O índice de rejeição às tarifas alcançou mais de 70%, o que acentuou a impopularidade das ações e discursos da direita sobre o tema econômico, contribuindo para um cenário político ainda mais adverso e complexo.

Imagem: infomoney.com.br
A conjuntura para a direita brasileira se agravou ainda mais com outro incidente interpretado internamente como um “presente” para o governo Lula: a exibição de uma bandeira dos Estados Unidos estendida na Avenida Paulista durante uma manifestação bolsonarista, precisamente no feriado de 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil. Esta imagem, amplamente veiculada, foi prontamente utilizada por apoiadores de Lula para fortalecer o discurso de soberania nacional, em uma clara oposição a uma suposta atitude “entreguista” e nacionalmente desalinhada da direita em pautas geopolíticas.
Apesar desses revezes, o bolsonarismo ainda confiava, em última instância, no suporte inabalável de Donald Trump. Entretanto, até mesmo essa premissa começou a se fragilizar. Após um breve encontro de apenas 39 segundos na sede da ONU, o presidente da maior economia do mundo declarou ter sentido uma “química inesperada” com Lula. Entre este episódio e a reunião na Ásia, uma ligação telefônica entre os dois presidentes serviu para alinhavar os pontos para a conversa presencial, sem que, novamente, o nome de Bolsonaro fosse mencionado em pauta ou nas negociações preliminares.
Em uma esfera distinta da política econômica e diplomática, a direita brasileira também se viu associada a iniciativas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, rejeitada por 63% dos brasileiros na pesquisa Genial/Quaest de outubro, e a impopular pauta da anistia, igualmente amplamente repudiada pela maioria da população. Esses temas controversos motivaram manifestações da esquerda no final de setembro e foram percebidos, conforme as sondagens de opinião pública, como uma clara vitória política para o governo. Essa série de eventos, ao lado do tarifaço e de outras propostas consideradas impopulares, enfraqueceu ainda mais a posição da oposição no debate público.
A cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e autora do livro “Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil”, avalia que o bolsonarismo enfrenta a mais profunda crise desde seu surgimento como fenômeno político, há aproximadamente uma década. “Sem dúvida é o pior momento desde que ele surgiu em 2014, 2015. É um período de crise para o bolsonarismo. Isso não significa que o movimento político morreu, mas é o pior momento”, reitera a pesquisadora, apontando para a intensidade dos desafios enfrentados atualmente.
Além das questões como o tarifaço, das pautas impopulares e da condenação do ex-presidente, Camila Rocha ressalta que a própria mudança na postura do governo Lula, que adotou uma fase mais proativa e propositiva, contribuiu para colocar a oposição em xeque. Pautas como a taxação de bilionários, a regulamentação de casas de apostas (conhecidas como bets) e o fim da escala 6×1, são exemplos de temas que se mostraram muito populares entre a população, mas que a oposição bolsonarista se recusou a apoiar, o que “não ajuda nem um pouco o bolsonarismo a recuperar um espaço maior nessa disputa narrativa”, segundo a cientista política.
Paralelamente a esses desenvolvimentos políticos, o bolsonarismo, ainda dependente da tomada de decisões e da influência do ex-presidente, não conseguiu definir um nome sólido e unificado para disputar contra Lula nas eleições de 2026. Tal ausência de uma figura consolidada leva alguns estrategistas da oposição a argumentar que, uma vez lançado um nome forte e coeso, o embate político se tornará mais equilibrado e competitivo. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) expressou essa visão recentemente nas redes sociais, compartilhando dados de uma pesquisa que indicariam um “teto baixo” para o atual presidente. “Lula voa, mas é um bimotor. Basta surgir um jato da oposição para olhá-lo de cima”, escreveu o ex-ministro de Bolsonaro, articulando a necessidade premente de um candidato que possa rivalizar efetivamente com o atual mandatário.
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Em suma, a notável discreção da direita brasileira diante do encontro de Lula com Trump e seus desdobramentos reflete uma fase complexa para a oposição, marcada por desalinhamento interno, impopularidade em pautas-chave e a ausência de um líder unificador para o pleito de 2026. Acompanhe nossa editoria de Política para se manter atualizado sobre os próximos movimentos e análises aprofundadas desse cenário dinâmico.
Crédito da imagem: Agência Brasil/Tomaz Silva

 
						
