DF realiza exames para progressão de pena sem psiquiatras

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O Distrito Federal tem falhado em cumprir uma das exigências cruciais da Lei das Saidinhas ao realizar exames para progressão de pena. Por mais de um ano, a capital do país tem negligenciado a avaliação psiquiátrica obrigatória para a progressão de regime de seus mais de 28 mil detentos, uma imposição legal para a movimentação para os regimes semiaberto e aberto. A legislação que tornou esta avaliação um pré-requisito foi sancionada em 11 de abril de 2024, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabelecendo critérios nacionais para o exame criminológico.

De acordo com a normativa, a comissão encarregada da condução do exame criminológico deve ser composta, no mínimo, por um psiquiatra, um psicólogo, um assistente social e dois chefes de serviço, estes últimos membros do próprio sistema prisional. Contudo, a realidade no Distrito Federal se distancia significativamente dessa diretriz. Em 2024, dados governamentais obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) revelaram a insuficiência de profissionais no sistema prisional da região.

DF realiza exames para progressão de pena sem psiquiatras

Naquele período, apenas três psiquiatras estavam disponíveis para atender a uma população carcerária de 28.552 detentos, o que equivale a um profissional para cada 9.517 presos. A situação dos psicólogos e assistentes sociais também era preocupante, com 17 psicólogos (um para cada 1.679 presos) e 10 assistentes sociais (um para cada 2.855 detentos). O cenário se deteriorou ainda mais, com a Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape-DF) confirmando ao g1 que, atualmente, nenhum psiquiatra integra as equipes responsáveis pela realização dos exames criminológicos ou pela orientação das decisões de progressão de pena. A pasta informou que apenas 12 policiais penais são “capacitados” para assinar esses exames, incluindo seis psicólogos, e nenhum psiquiatra na relação. Considerando a atual população prisional de 28.618 pessoas (sendo 5.261 em regime semiaberto), cada um desses 12 profissionais seria responsável por uma média de 438 avaliações, evidenciando a sobrecarga e o déficit funcional.

Riscos à Segurança e Supercarga Profissional

A escassez de especialistas, mesmo antes da exigência legal do exame, já representava um obstáculo no atendimento clínico dos detentos, muitos dos quais possuem histórico de transtornos mentais, uso de drogas, violência e traumas. A nova determinação adicionou ainda mais encargos às já insuficientes equipes de saúde mental, intensificando a sobrecarga de trabalho e impactando a saúde mental dos próprios servidores. Em 2023, antes da nova legislação, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) já havia alertado sobre a carência de equipes técnicas e o excesso de demanda no sistema penitenciário nacional.

A professora doutora Elisa Walleska Krüger salienta a falta de profissionais como psicólogos e assistentes sociais para atender adequadamente às necessidades. Além disso, a estrutura geral do sistema prisional brasileiro carece de infraestrutura apropriada para conduzir exames criminológicos de qualidade. Relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) indicam superlotação, ausência de condições para avaliações padronizadas e um considerável déficit de infraestrutura, elementos que, conforme Krüger, comprometem a credibilidade e a validade dos exames.

Ações do Governo e Limitações da Assistência

O g1 tentou contato com a Seape-DF para obter explicações sobre a ausência de psiquiatras, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem. Em contrapartida, a Secretaria de Saúde do DF declarou seguir a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), fornecendo cuidados de saúde mental através do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Rede de Atenção Primária. Atualmente, 15 psicólogos e 1 psiquiatra estão alocados nas unidades prisionais para atendimentos de saúde gerais.

A secretaria aponta que a atuação da Psicologia dentro do ambiente prisional enfrenta restrições ético-operacionais, notadamente pela falta de sigilo nas consultas individuais devido à presença constante de escoltas. Por essa razão, a abordagem psicoeducativa em grupo e as ações coletivas e interdisciplinares, focadas na promoção do bem-estar e na prevenção de agravos, são priorizadas. As principais frentes de trabalho da Psicologia incluem grupos terapêuticos e psicoeducativos para manejar ansiedade, prevenir depressão e recaídas no uso de substâncias, além de suporte no processo de encarceramento. Já a Psiquiatria oferece consultas, avaliações para diagnóstico de transtornos graves, manejo medicamentoso e apoio técnico às demais equipes de saúde.

Histórico e Oportunidades do Exame Criminológico

A volta da obrigatoriedade do exame criminológico, a partir de abril de 2024, resgata uma medida que estava em desuso desde 2003, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) apontou a falta de uniformidade na sua aplicação. Previsto originalmente na Lei de Execução Penal (LEP) de 1984, este exame é visto como um direito que possibilita a progressão de pena e a reinserção social dos apenados. No período em que não foi obrigatório (2003-2024), o exame era realizado no DF mediante solicitação judicial da Vara de Execuções Penais e do Ministério Público.

Diante da nova realidade, a Seape-DF afirmou estar buscando alternativas para reforçar sua estrutura técnica e operacional, com estudos de convênios, contratações suplementares e a elaboração de um projeto para concurso público para suprir a demanda por profissionais especializados. A Secretaria Nacional de Políticas Penais monitora o cumprimento das normas da LEP por meio de inspeções regulares de ouvidorias, corregedorias, conselhos locais e outros órgãos de controle.

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Imagem: g1.globo.com

O exame criminológico é conduzido por uma equipe multidisciplinar, que analisa fatores psicológicos, familiares, sociais e comportamentais do preso, a fim de delinear seu potencial de ressocialização ou risco de reincidência. Embora possa oferecer recomendações valiosas para programas de educação, trabalho e saúde mental, especialistas alertam que muitas vezes o exame se desvia de seu propósito ressocializador e se torna um mero instrumento de controle penal. A nota técnica do CFP, de 2023, reforçou que o exame deve ser um suporte à reabilitação, não uma forma de punição.

Entre estudiosos, a proposta de extinção do exame ganhou força devido à falta de padronização científica, risco de violação de direitos humanos e um viés punitivo. Contudo, o CFP defende a reformulação do processo, sugerindo parâmetros nacionais para estrutura, prazos, capacitação de equipes e integração dos resultados a planos de intervenção contínuos. A importância da Lei de Execução Penal é fundamental neste debate, regulamentando os direitos e deveres dos apenados e o papel dos exames para sua ressocialização, como detalhado no site do Planalto.

Desafios e Soluções Futuras para o Sistema Prisional

Novas vertentes da psicologia criminal e da neurociência oferecem oportunidades para aprimorar o exame criminológico. Krüger aponta para ferramentas reconhecidas internacionalmente, como o HCR-20 – um instrumento canadense de avaliação de risco de reincidência baseado em aspectos históricos, clínicos e de gestão – que poderiam ser mais exploradas no Brasil. No entanto, diversos fatores ainda limitam a qualidade técnica e a segurança jurídica dessas avaliações, incluindo sobrecarga de trabalho, ausência de padronização, pressão institucional, falta de treinamento específico, carência de instrumentos validados e dilemas éticos complexos.

O governo do Distrito Federal informou ao g1 que aguarda aprovação de um projeto no Congresso Nacional para viabilizar um concurso público, o que permitiria ampliar o número de psicólogos no sistema prisional. Além disso, a administração planeja contratar clínicas especializadas para apoiar as avaliações. O principal entrave, segundo a Seape-DF, reside na escassez de profissionais especializados nas áreas de Psicologia, Psiquiatria e Serviço Social. Apesar disso, a secretaria afirma que mantém esforços contínuos para expandir sua estrutura e assegurar a execução dos exames criminológicos, considerando-os vitais para a avaliação do perfil dos detentos, a orientação das decisões judiciais e o fortalecimento da segurança pública.

Conforme finaliza Krüger, nenhuma avaliação possui a capacidade de prever o risco de reincidência criminal com 100% de certeza. As ferramentas disponíveis podem oferecer apenas estimativas probabilísticas, com suas respectivas limitações. Pesquisadores alertam que a neurociência ainda não possui marcadores individuais totalmente confiáveis para uso forense. Por essa razão, a academia defende que o exame seja complementado por um acompanhamento psicológico contínuo, o qual seria mais eficaz na promoção da ressocialização do que avaliações pontuais isoladas.

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A situação dos exames para progressão de pena no DF reflete um desafio maior do sistema prisional brasileiro. O não cumprimento da Lei das Saidinhas na sua integralidade levanta questionamentos sobre a segurança pública e a reabilitação dos apenados. Fique atualizado sobre as últimas notícias e análises no cenário jurídico e político brasileiro acompanhando a editoria de Política em nosso blog.

Crédito da imagem: TV Globo/Reprodução

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