A desova das tartarugas em Rondônia, particularmente no fértil Vale do Guaporé, registrou atraso pelo segundo ano consecutivo. Este fenômeno, um espetáculo natural aguardado anualmente na fronteira com a Bolívia, preocupa especialistas e defensores da fauna amazônica. A dificuldade enfrentada pelos quelônios para iniciar a postura de seus ovos levanta alertas sobre as condições ambientais da região e o futuro de espécies vitais como a Podocnemis expansa, a maior tartaruga de água doce do continente sul-americano.
Nos últimos anos, a alteração no ciclo reprodutivo desses répteis tem sido evidente. Pela primeira vez em mais de duas décadas, o ano de 2024 testemunhou um retardo no processo de desova. Surpreendentemente, em 2025, a situação se repetiu, agravando as preocupações com a sustentabilidade populacional das tartarugas. Este cenário é atribuído por especialistas a uma confluência de fatores desfavoráveis, que incluem a ocorrência de chuvas em períodos incomuns, a presença de fumaça resultante de queimadas e o aumento dos níveis fluviais. Além disso, a pesca e caça predatórias continuam a representar uma grave ameaça à sobrevivência da espécie.
Desova de Tartarugas em Rondônia Sofre Atraso Pelo Segundo Ano Consecutivo
A Associação Comunitária Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), entidade dedicada ao monitoramento dos quelônios na área, divulga dados alarmantes. Em 2022, a região testemunhou o nascimento de aproximadamente 12 milhões de filhotes. Contudo, em 2023, esse número sofreu uma drástica redução, caindo para 1,4 milhão, o que representa uma diminuição de quase 88%. O ano seguinte, 2024, apresentou um quadro ainda mais sombrio, com apenas 350 mil filhotes conseguindo sobreviver. As projeções para 2025 permanecem pessimistas, indicando uma possível queda ainda maior em comparação com o ano anterior. José Soares Neto, conhecido como Zeca Lula, um dos fundadores da Ecovale, expressou sua apreensão, destacando que a desova deste ano começou de maneira limitada e não contínua, uma dinâmica atípica e muito preocupante.
Alterações Climáticas Impactam o Ciclo Reprodutivo
O período usual para a desova da Podocnemis expansa ocorre entre os meses de agosto e setembro. Entretanto, neste ano de 2025, os quelônios somente puderam iniciar o processo no início de outubro, dois meses após a época habitual. Esse atraso está diretamente ligado à fisiologia desses répteis, que são pecilotérmicos, dependendo do calor ambiental para regular seu metabolismo. As praias fluviais não apenas servem como locais de postura dos ovos, mas também são essenciais para as fêmeas se aquecerem. A termorregulação adequada estimula a ovulação, e este processo é favorecido por temperaturas ambiente elevadas.
O biólogo Deyvid Muller reitera a influência direta das mudanças climáticas e das queimadas no atraso da desova. Segundo ele, a fumaça das queimadas forma uma barreira, impedindo que a luz solar atinja plenamente as praias e, consequentemente, alterando a temperatura da areia. Este é um fator crítico, visto que a temperatura do substrato influencia diretamente o desenvolvimento embrionário e até a determinação do sexo dos filhotes. Para este ano, a estimativa é de que mais de 33 mil ninhos prosperem, mas o número preciso de nascimentos ainda é incerto. Muller alerta que, se este cenário persistir, haverá uma drástica diminuição na quantidade de filhotes, o que representaria uma perda inestimável para a biodiversidade da Amazônia.
Apoio Institucional e Programas de Conservação
Diante do delicado panorama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio de seu Programa Quelônios da Amazônia (PQA) em Rondônia, tem intensificado as ações. Entre as iniciativas, estão o cercamento e o monitoramento das praias de desova, a escavação de ninhos em risco de alagamento para o salvamento de filhotes, o apoio a pesquisas científicas e o desenvolvimento de ações de educação ambiental junto às comunidades ribeirinhas. O objetivo primordial desses esforços é impulsionar a taxa de sobrevivência das tartarugas e seus filhotes. Para mais informações sobre fiscalização e combate ao desmatamento e incêndios, visite o portal oficial do Ibama em gov.br/ibama.
Áquilas Mascarenhas, analista ambiental do Ibama e membro do PQA, corrobora a gravidade da situação no Vale do Guaporé. Ele enfatiza que a continuidade do atraso na desova pode acarretar sérias consequências para o equilíbrio ecológico da região a longo prazo. O ciclo reprodutivo das tartarugas possui um papel intrínseco na manutenção dos ecossistemas aquáticos amazônicos. Esses quelônios são importantes dispersores de nutrientes, auxiliam no controle biológico da vegetação aquática e servem como fonte alimentar para outras espécies. Portanto, qualquer alteração prolongada neste ciclo pode desencadear impactos significativos na cadeia alimentar e na dinâmica ecológica do rio Guaporé.
Vale do Guaporé: Maior Berçário de Quelônios do Brasil
Reconhecido pelo Ibama como um dos maiores berçários de quelônios do mundo e o maior do Brasil, o Vale do Rio Guaporé abriga, em um raio de 30 quilômetros, sete praias essenciais para a reprodução desses animais. Destas, cinco praias estão localizadas em território brasileiro (nas áreas de Costa Marques e São Francisco do Guaporé), e duas estão na Bolívia, na margem oposta do rio. Nesses locais, espécies como as tartarugas da Amazônia, tracajás e outros quelônios nativos depositam seus ovos anualmente, reforçando a importância estratégica da região para a conservação.
A Ecovale, além de suas atividades de monitoramento, empreende esforços de conscientização, incluindo eventos de soltura de filhotes. Tais iniciativas visam engajar a população e aumentar a percepção pública sobre a relevância de preservar as tartarugas amazônicas. Áquilas Mascarenhas reforça que “as tartarugas da Amazônia são símbolos vivos de resistência e equilíbrio ambiental. A conservação dos quelônios é um dever coletivo, que envolve o poder público, as comunidades locais e toda a sociedade. Proteger essas espécies é proteger toda uma rede de vida que depende dos rios e florestas”.

Imagem: g1.globo.com
A Luta Contra as Queimadas em Rondônia
O cenário que ameaça as tartarugas também atingiu duramente os habitantes de Rondônia. O ano de 2024 foi o mais crítico em 14 anos para o estado em termos de queimadas, caracterizado por densas fumaças e inúmeros focos de calor. Durante esse período alarmante, o azul do céu rondoniense foi encoberto pelo cinza, transformando a capital de Rondônia em uma das cidades com a pior qualidade do ar do país. Em contraste, os dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam uma notável melhora no ano de 2025. De janeiro a setembro de 2025, foram registrados 1.387 casos de queimadas, um número drasticamente menor em comparação com os 9.344 focos computados no mesmo período do ano anterior, representando uma redução de aproximadamente 85%.
Esforços Coordenados de Combate e Prevenção
A expressiva redução das queimadas em Rondônia é o resultado de uma estratégia robusta e coordenada por múltiplos órgãos de fiscalização e controle ambiental. Esses órgãos atuam em diversas frentes para intensificar ações preventivas e de combate aos incêndios florestais. Entre eles, destaca-se a atuação do Ministério Público de Rondônia (MP-RO). Frente ao avanço das queimadas e à perda de biodiversidade na Amazônia, o MP-RO estabeleceu uma força-tarefa, envolvendo diferentes entidades ambientais para prevenir a repetição de cenários críticos. A Operação Temporã (fases I e II) foi crucial, dirigindo ações diretas no combate a incêndios florestais em áreas protegidas como o Parque Estadual de Guajará-Mirim e a Estação Ecológica Soldado da Borracha.
Em coletiva realizada em 13 de novembro, o MP-RO apresentou os resultados positivos da operação, que demonstraram uma queda nos focos de queimadas e a responsabilização de infratores ambientais. Valéria Giumelli Canestrini, coordenadora do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (GAEMA), avaliou a força-tarefa como um modelo de atuação moderno e eficiente para enfrentar os desafios ambientais. Ela atribuiu o sucesso aos envolvidos, que não pouparam esforços para garantir o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Dados da Polícia Militar de Rondônia revelam a execução de 87 operações de combate ao desmatamento e às queimadas, que resultaram em 611 atendimentos, 4.746 hectares de áreas embargadas, 13 tratores apreendidos e a prisão de 68 pessoas por crimes ambientais. Além disso, apreensões de armas de fogo, motosserras, veículos e madeira ligadas a atividades ilegais também foram efetuadas.
Pablo Hernandez Viscardi, coordenador do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública (GAESP) e do Núcleo de Combate ao Crime Organizado (NUCAM), enfatizou que esses resultados beneficiam tanto o meio ambiente quanto a saúde da população de Rondônia, permitindo que, em 2025, o ar fosse “mais puro”. Ele salientou o papel preventivo e o planejamento contínuo para o próximo ano, reforçando a importância da preservação das unidades de conservação para um ambiente equilibrado. Outras iniciativas do MP-RO para combater a fumaça no estado incluem a campanha “Não queimar, para preservar” e uma audiência pública focada no planejamento de ações preventivas. O objetivo final é salvaguardar o meio ambiente amazônico e a segurança de seus habitantes, visando restaurar o azul do céu rondoniense, conforme ecoa o hino do estado.
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Este atraso na desova das tartarugas em Rondônia sublinha a urgência de esforços contínuos e integrados para a proteção ambiental da Amazônia. Compreender e mitigar os impactos das mudanças climáticas e das atividades humanas é essencial para garantir a sobrevivência de espécies cruciais e a manutenção do equilíbrio ecológico. Para mais análises sobre questões ambientais e notícias da região, continue acompanhando a editoria de Análises em nosso site.
Foto: Ibama/Divulgação, PrevFogo/Divulgação, Jainni Victória/Rede Amazônica
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