A sexta-feira foi palco de uma profunda reflexão sobre a desinformação política e seus impactos, conforme elucidado pela ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade, em um debate na USP Pensa Brasil. Durante o evento com tema “Ciência Sob Ataque”, realizado na quinta-feira, Trindade encerrou sua intervenção citando um trecho emblemático de Walter Benjamin. A filósofa fez alusão à obra de Paul Klee, intitulada “Angelus Novus”, retratando um anjo com olhar fixo no passado, aparentemente tentando se afastar de algo aterrador.
De acordo com a tradução de Sérgio Paulo Rouanet, Benjamin descreve que, onde nós percebemos uma sequência de eventos, o anjo testemunha uma catástrofe singular e incessante, empilhando ruínas sobre ruínas. Esse anjo, em sua visão, anseia por parar para reanimar os mortos e reconstruir os fragmentos do passado.
Desinformação Política: Líderes e as Ruínas do Futuro
No entanto, uma força implacável o arrasta. Benjamin metaforiza essa força como uma tempestade vinda do paraíso, tão potente que se prende às asas do anjo, impedindo-o de fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o porvir, ao qual ele vira as costas, enquanto a acumulação de escombros atinge o céu. Tal tempestade, paradoxalmente, é o que se intitula progresso. A discussão em torno dessas ideias levou ao centro do debate a questão das notícias falsas e a vasta proliferação de opiniões públicas manipuladas, impulsionadas pelo ecossistema das redes sociais.
Nísia Trindade, apoiando-se nas elucidações da socióloga Simone Kroft, da Fiocruz, ressaltou que a desinformação não é meramente um fenômeno espontâneo, mas sim um “projeto” estruturado por grupos com propósitos velados. Esse cenário complexo explica a corrosão da credibilidade em temas cruciais, como a confiança em campanhas de vacinação, que sofrem abalos significativos.
Ainda que interesses econômicos sejam uma interpretação plausível para motivar tais ataques, ela se mostra insuficiente para justificar a magnitude de certas ações. É fato que fabricantes de medicamentos como cloroquina e ivermectina se beneficiaram financeiramente ao promover narrativas falsas sobre essas substâncias como curas para a Covid-19. Contudo, torna-se mais difícil compreender por que líderes políticos de peso, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, iriam tão longe a ponto de endossar práticas que podem ser caracterizadas como delitos contra a humanidade, resultando em centenas de milhares de óbitos adicionais, sem um ganho pecuniário direto para eles.
Existe um ímpeto que transcende o mero lucro financeiro. Para figuras como Trump e Bolsonaro, a difusão de inverdades — seja sobre desinfetantes que eliminariam o coronavírus ou vacinas de mRNA que causariam Aids — não era motivada por ganho pecuniário. O que lhes importava era a capacidade de angariar mais visibilidade, “likes” em redes sociais, notas de repúdio (que ironicamente aumentam a repercussão), e, sobretudo, votos.
Eles plantavam desinformação para colher apoio, semeando suas próprias tempestades, distintas daquelas concebidas por Benjamin, que sopram do paraíso. Tanto Trump quanto Bolsonaro personificam forças sombrias no espectro político. São líderes que parecem ter os olhos fixos não em um futuro a ser construído, mas nas “ruínas do futuro” que ativamente se esforçam para derrubar.
Para eles, a morte, seja de vítimas da pandemia, de conflitos bélicos como o entre russos e ucranianos, ou do genocídio em Gaza, é reduzida a meras estatísticas. Sufocados, bombardeados, sepultados sob destroços ou famintos devido à desumanidade – esses números abstratos se repetem em telas, muitas vezes como “candidatos” fracassados a memes, desprovidos de impacto emocional real para tais lideranças.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Essa desumanização numérica remete ao pensamento de outro filósofo, Byung-Chul Han. Em sua obra “Louvor da Terra”, Han argumenta que a cultura digital fundamenta-se na capacidade de numerar e quantificar, ao passo que a história é uma narrativa. A história, em sua essência, não se ocupa de numerar; a numerização é, para ele, uma categoria pós-histórica.
A era digital contemporânea exacerba a busca por totalizar o aditivo, o numerável. Até mesmo as emoções e o afeto são contabilizados e expressos sob a forma de “likes”. Nesse contexto, qualquer coisa que não possa ser numerada ou quantificada parece, de certo modo, perder sua existência e relevância. A consequência direta é a erosão da profundidade e do significado em detrimento da superficialidade digital.
Confira também: crédito imobiliário
O impacto da desinformação política e a instrumentalização de narrativas enganosas por parte de líderes têm sido objeto de crescente preocupação e análise em diversas esferas. A intersecção entre tecnologia, psicologia de massas e objetivos políticos delineia um cenário complexo para a saúde da democracia e do debate público. Para aprofundar a compreensão sobre os impactos da desinformação política no cenário contemporâneo, explore outras análises da nossa seção de Política e mantenha-se informado sobre os desdobramentos desses temas cruciais.
Crédito da imagem: Brendan Smialowski / AFP
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados