A Demissão por Idade, uma prática frequentemente referida como etarismo, configura uma conduta discriminatória na visão da Justiça do Trabalho brasileira, culminando em penalidades severas para as organizações. Decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) ilustram esse cenário, com casos que impuseram a empresas pagamentos próximos de R$ 500 mil em punições, demonstrando a intransigência judicial contra essa forma de preconceito no ambiente corporativo.
Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não empregar o termo “etarismo” de forma explícita, um robusto arcabouço legal brasileiro serve de proteção para os trabalhadores. Esse sistema jurídico compreende leis específicas, normas infralegais, entendimentos consolidados pela jurisprudência, acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e as garantias da própria Constituição Federal, todos voltados para salvaguardar os profissionais contra dispensa por idade e outras modalidades de discriminação.
Demissão por Idade é Ilegal e Gera Altas Multas a Empresas
Entre os instrumentos legais mais relevantes está a Lei 9.029, datada de 1995, que explicitamente coíbe ações discriminatórias tanto na fase de admissão quanto na manutenção do vínculo empregatício, incluindo restrições baseadas na faixa etária. O Estatuto do Idoso também oferece um sólido amparo, defendendo o cidadão mais velho de discriminações, e a Constituição Federal reitera o direito fundamental à igualdade, proibindo veementemente qualquer forma de preconceito.
A Interpretação Jurídica e Suas Consequências
Conforme explica a advogada Maria Eduarda Gomes, do escritório Mauro Menezes & Advogados, o Artigo 1º da Lei de 1995 estabelece uma proibição clara à adoção de qualquer critério discriminatório para o acesso ao trabalho. Indo além, o Artigo 4º da mesma lei garante ao profissional demitido em razão de discriminação o direito à reintegração ao cargo ou, alternativamente, uma indenização equivalente ao dobro do valor salarial referente ao período de afastamento indevido. Esta dualidade de direitos assegura uma reparação justa ao indivíduo prejudicado.
Um caso recente julgado na Terceira Turma do TST exemplifica essa aplicação. Liderada pela advogada Maria Eduarda Gomes, a ação envolveu uma engenheira do Sul do Brasil que foi desligada de uma companhia onde trabalhava desde 1982. A demissão ocorreu em março de 2016, quando a profissional estava próxima de completar 60 anos de idade (precisamente aos 59), inserida em uma lista de demissão em massa. O critério implícito de escolha foi justamente a proximidade da aposentadoria, mascarando uma evidente demissão por idade.
A engenheira alegou em sua ação que, apesar dos esforços da empresa em justificar as demissões, o padrão revelava um direcionamento para profissionais que já haviam alcançado determinada faixa etária. A companhia, por sua vez, argumentou que a medida visava minimizar o impacto social, focando em colaboradores que estariam aptos a pleitear a aposentadoria junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de citar “necessidade de adequação estrutural técnico-financeira às novas diretrizes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”. Contudo, a premissa de “terem outra fonte de renda” acabou reforçando o viés etário.
Após ter o pleito negado em primeira instância e a decisão mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), a trabalhadora obteve ganho de causa no TST. O ministro relator, Alberto Balazeiro, proferiu entendimento de que a dispensa, mesmo que indiretamente, foi de caráter discriminatório por idade. Em sua análise, o critério adotado violou de forma expressa o princípio fundamental da igualdade.
Como Provar a Demissão Discriminatória por Idade
A advogada Priscila Kirchhoff, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, destaca que um dos grandes entraves é a fase de comprovação do etarismo. Segundo ela, as atitudes discriminatórias muitas vezes se manifestam de maneira velada e sutil, através de comentários inadequados, exclusão deliberada de reuniões ou projetos importantes, falta de oportunidades de crescimento, ou insinuações sobre a capacidade ou produtividade de um trabalhador em função de sua idade avançada.
Para que o assédio moral ou a discriminação por idade seja de fato configurado juridicamente, Priscila ressalta a importância da continuidade e da repetição das condutas. Por essa razão, a reunião de evidências é primordial. Essa coleta pode englobar depoimentos de testemunhas, trocas de e-mails, registros de conversas (prints) e outros documentos que sirvam de prova material. No contexto da Justiça do Trabalho, o testemunho presencial tem um peso significativo. Em situações específicas, até mesmo políticas internas de uma organização que imponham restrições a contratações ou desligamentos baseadas na idade podem ser utilizadas como fortes indícios de discriminação etária. Nesse cenário, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), órgão máximo da Justiça do Trabalho, reafirma em suas decisões a ilegalidade da demissão baseada em critérios etários.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Priscila acrescenta que, em geral, o ônus da prova recai sobre o trabalhador, a quem cabe a responsabilidade de demonstrar que houve um tratamento diferenciado e desfavorável impulsionado pela sua idade. Maria Eduarda Gomes reitera que, no julgamento do TST que condenou a empresa no caso da engenheira, o critério de desligamento de 186 trabalhadores foi claramente a proximidade da aposentadoria, configurando um critério etário. Nesses casos, a jurisprudência consolidada do TST interpreta que a dispensa vinculada ao tempo de serviço possui inerente caráter discriminatório, visto a inegável relação diretamente proporcional entre a idade e o tempo de contribuição ao INSS.
Impacto da Reforma Trabalhista nos Valores Indenizatórios
A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, trouxe alterações nos parâmetros para o cálculo de indenizações por dano moral, que são frequentemente requisitadas em ações de demissão por idade. A legislação estabeleceu critérios de classificação das ofensas (leves, médias, graves ou gravíssimas), baseando o cálculo em uma multiplicação do salário do empregado.
Contudo, a advogada Priscila Kirchhoff indica que, na prática, essa regra tem sido objeto de flexibilização pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Indenizações em casos de ofensas pontuais, por exemplo, geralmente ficam na faixa de R$ 10 mil a R$ 20 mil. Em ocorrências mais sérias, os valores variam entre R$ 20 mil e R$ 100 mil. Já em ações coletivas ou em casos de grande repercussão, as indenizações podem facilmente superar a marca dos R$ 200 mil. Um exemplo prático citado por ela é o de cortes de benefícios duradouros, como planos de saúde de empregados mais antigos, que, mesmo sob a alegação de erro administrativo por parte da empresa, podem ser interpretados como atitudes discriminatórias. No caso que culminou na indenização de R$ 440 mil pelo TST, o Judiciário entendeu que o próprio argumento da defesa já explicitava um viés etário na decisão de dispensa.
Panorama Legal de Proteção Contra o Etarismo
Diversas leis e normas formam a base legal para coibir o etarismo no mercado de trabalho brasileiro:
- Lei 9.029/1995: Proíbe discriminações na admissão e manutenção do emprego por idade. O Artigo 1º impede critérios discriminatórios no acesso ao trabalho, e o Artigo 4º garante ao trabalhador demitido discriminatoriamente o direito à reintegração ou indenização em dobro do período de afastamento.
- Constituição Federal:
- Artigo 3º, inciso 5: Estabelece como objetivo da República combater toda forma de discriminação, incluindo a por idade.
- Artigo 7º, incisos 30 e 31: Veda a diferenciação salarial ou de critérios de admissão baseados em idade, sexo, cor ou estado civil.
- CLT (Consolidação das Leis do Trabalho):
- Artigo 373-A: Proíbe a publicação de vagas com restrições etárias (exceto em casos devidamente justificados) e a dispensa motivada por este critério.
- Artigo 461: Assegura a igualdade salarial para funções equivalentes, independentemente da idade.
Além da legislação nacional, o Brasil é signatário de diversos tratados e convenções internacionais que solidificam a proteção contra práticas discriminatórias no trabalho:
- Convenção nº 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho): Define discriminação como qualquer distinção, exclusão ou preferência que afete a igualdade de oportunidades e tratamento no emprego, incluindo aquelas baseadas em idade.
- Protocolo de San Salvador e a Declaração Universal dos Direitos Humanos: Ambos reforçam o direito universal à igualdade e à não discriminação no trabalho, bem como o acesso pleno aos direitos fundamentais de todos os indivíduos.
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As condenações judiciais por demissão por idade, que alcançam valores expressivos, reforçam a mensagem de que a legislação trabalhista no Brasil é robusta no combate ao etarismo. Empresas que ignoram as normativas se expõem a sérios riscos legais e financeiros. É essencial que empregadores estejam cientes de suas responsabilidades e que trabalhadores conheçam seus direitos. Para mais insights sobre o mundo do trabalho, finanças e política, continue acompanhando as análises e notícias em nosso portal, onde aprofundamos nos temas que impactam a sua vida e a economia do país.
Gabriela Bilo – 4.ago.25/Folhapress
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