A crise dos millennials, ou Geração Y, entre os 30 e 40 anos, manifesta-se como uma vertigem paradoxal, onde a abundância de escolhas, antes vista como libertadora, agora se torna um fardo. Essa fase, que frequentemente é equiparada a uma “crise de meia-idade”, na verdade se configura como um momento de profunda reavaliação de propósitos e identidade, conforme análise do especialista Waldemar Magaldi Filho.
Magaldi Filho, que atua como analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião, além de ser fundador do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa (IJEP) e autor do livro “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, propõe uma metáfora instigante: a vida como uma vasta viagem de trem. Para as gerações passadas, um roteiro predeterminado era entregue pela cultura, pela família e pelas narrativas tradicionais. Para os millennials, contudo, esse mapa chegou com a promessa de personalização total e uma conexão “Wi-Fi” ilimitada, tornando-os supostamente os arquitetos supremos de seus destinos.
Crise Millennials: Abundância de Escolhas Gira Vertigem Aos 30-40
No entanto, a jornada revelou desafios inesperados. Os caminhos inicialmente exuberantes se depararam com vales áridos, as montanhas do amor exigiram ascensões extenuantes e o fluxo da felicidade por vezes minguou. É neste ponto de inflexão que se manifesta uma névoa de desilusão, mais do que uma crise terminal, um convite para o reajuste da bússola interior.
A contemporaneidade demonstra uma inclinação a enquadrar as manifestações de sofrimento em diagnósticos clínicos, como depressão, TDAH ou burnout. Entretanto, cada expressão de lamento humano possui uma ressonância singular na vasta sinfonia da existência. A presente crise que atinge a Geração Y transcende a mera demarcação de um calendário; representa um mergulho intenso na investigação da própria identidade e no discernimento de seu propósito. Muitos enfrentam a dolorosa constatação de que certos sonhos, por muito acalentados, talvez jamais tenham sido intrinsecamente seus.
Observa-se um padrão cíclico na percepção humana: a vivência presente de cada geração invariavelmente parece opaca quando comparada à fantasia idealizada do passado, rememorada pelos anos de ouro da adolescência. Uma parcela dos indivíduos, em sua recusa em aceitar essa transmutação da realidade, incorre no que se pode designar como a síndrome de “Puer Aeternus”, aprisionando-se em um prolongamento nostálgico da juventude, em uma tentativa fútil de aferrar-se a um passado que, semelhante a um rio, seguiu seu curso irrevogável.
Para os integrantes da Geração Y, essa realidade é potencializada pelo difundido aforismo “você pode ser o que quiser” – uma fusão complexa de idealismo e culpa. O êxito transformou-se em imposição, o trabalho em uma paixão que tudo abarca, e o amor, em uma união perfeita de almas. Adicionalmente, nas plataformas de redes sociais, as existências aparentemente perfeitas de terceiros converteram-se em espelhos distorcidos das nossas próprias. Nestes ambientes digitais, tudo é #abençoado e parece transcorrer eternamente em Bali, enquanto o dia a dia pessoal se revela, em muitos casos, meramente prosaico e comum.
A pletora de opções, que no início se anunciava como uma forma de libertação, culminou em uma sensação de vertigem: a incerteza acerca da rota mais acertada. No transcorrer da meia-idade, a materialidade da existência impõe-se: a trajetória profissional, embora sólida, carece de elementos épicos; o matrimônio solidifica-se como uma parceria, distante dos roteiros de filmes românticos; e o corpo, com o advento de novas limitações, sinaliza a expiração de sua “garantia de fábrica”. Emergem, assim, as frustrações daquele que compreende que o projeto de vida previamente traçado diverge do território de fato encontrado – uma saudade de um futuro que jamais se concretizou.
Contudo, essa frustração não deve ser vista como um impasse insuperável; ela pode ser um catalisador de profundas transformações. As indagações que emergem, como “onde verdadeiramente me posiciono?” e “qual o sentido fundamental da minha existência?”, constituem um intrínseco “recall existencial” orchestrado pela alma. A desilusão tem o potencial, e deve ser, convertida em combustível para a jornada adiante. É neste momento de crise que se revela um sutil chamado, instigando-nos a ingressar e desvendar a segunda metade da vida.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Para certas almas, notadamente entre as mulheres, o panorama é agravado pelo fantasma da invisibilidade. Ultrapassar a barreira dos 40 anos pode equivaler a tornar-se alheia em um tecido cultural que idolatra a juventude e desvaloriza a riqueza da experiência. A imperiosa demanda por “não aparentar a idade cronológica” metamorfoseia o processo natural de envelhecer em uma batalha. Desta forma, envelhecer com dignidade e bem-estar se configura, em tal contexto, como um ato de rebelião e autenticidade. Mais sobre os desafios do mercado de trabalho contemporâneo pode ser conferido em análises sobre saúde mental e empregabilidade, uma questão crescente para as novas gerações, conforme noticiado pela Agência Brasil.
A essência da frustração, no cerne, manifesta um desejo profundo por autenticidade. O verdadeiro desafio não consiste em buscar um retorno ao ponto de partida inicial, mas sim em desenvolver a capacidade de apreender e valorizar a paisagem tal como ela se apresenta, com seus vales desérticos e suas flores que desabrocham inesperadamente. O propósito primordial da travessia existencial nunca residiu exclusivamente no destino, mas, sobretudo, na profunda transformação interna que ocorre ao longo do caminho. Assim como na vindima da alma, as uvas esmagadas pelas vicissitudes da vida transmutam-se no vinho encorpado e maduro da consciência.
É crucial pontuar que essa crise não possui uma manifestação uniforme entre todas as esferas sociais. Para os indivíduos inseridos em cenários de escassez, a interrogação primordial concentra-se em “como assegurar a sobrevivência?”. Na classe média, o questionamento recai em “por que não alcancei o patamar que me era esperado?”. E para os indivíduos abastados, a crise se reveste de sua forma mais inquietante, ressoando em um “é só isso?”, que ecoa em um profundo vazio existencial, partilhando uma mesma sensação de vertigem: a percepção de que o futuro imaginado talvez não se prolongue tanto quanto o antecipado.
A tomada de consciência da finitude iminente instiga uma angústia existencial singular. A solução para essa problemática complexa deve, por necessidade intrínseca, ser multifacetada. É imperativo redefinir a concepção de êxito, não mais restrita a acumulação de riqueza e reconhecimento social, mas sim enraizada na coerência e na capacidade de contribuir. Demanda-se, ademais, uma pedagogia orientada para a vida, que fomente o trabalho colaborativo, o pensamento sistêmico, uma ética ambiental sólida e a maestria na arte de gerenciar as incertezas inerentes à existência. Finalmente, a necessidade de “terceiros lugares”, ou seja, espaços públicos que possibilitem a diluição da solidão gerada pelo individualismo, é crucial para o florescimento e fortalecimento da comunidade.
A magnitude da crise existencial que assola a juventude contemporânea é assustadora, mas também é um terreno fértil para o crescimento. Para emprestar a beleza de uma imagem poética, é exatamente nas rachaduras profundas que surgem no percurso que a luz, por mais tênue que seja, encontra a oportunidade de penetrar, iluminando novos caminhos.
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Crédito da imagem: Catarina Pignato/Folhapress
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