A discussão em torno do arroz no Japão escalou para o centro do palco político e econômico do país, impactando diretamente a corrida para definir seu próximo primeiro-ministro. Em Hokkaido, Nobuo Kubo, um agricultor de 72 anos e terceira geração a cultivar arroz nos campos da base do Monte Daisetsu, testemunha essa transformação. Herdando sua fazenda quatro décadas atrás, Kubo vive a crescente frustração de produtores locais diante de políticas governamentais que, em sua visão, tornam a atividade agrícola cada vez mais desafiadora e insustentável. As frustrações de Nobuo refletem o sentimento de muitos outros, que veem as medidas atuais como provisórias, carentes de uma visão de longo prazo para o setor.
A tensão intensificou-se drasticamente no último ano, quando os preços do arroz dispararam, chegando a dobrar, e a gestão governamental do fornecimento regulado do cereal se mostrou ineficiente. Essa conjuntura contribuiu decisivamente para a recente derrota do Partido Liberal Democrático (PLD) em julho, culminando na renúncia do então primeiro-ministro Shigeru Ishiba. Além disso, o arroz transformou-se em um ponto delicado nas negociações comerciais com os Estados Unidos, que pleiteavam maior volume de exportações, evidenciando sua importância estratégica tanto no cenário interno quanto nas relações internacionais.
Crise do Arroz no Japão Agita Debate Político e Sucessão
Neste sábado, o PLD definirá seu novo líder, figura que assumirá automaticamente o posto de primeiro-ministro japonês. Com o elevado custo de vida sendo uma preocupação central para a população, a carestia do arroz afetou o cotidiano, promovendo mudanças nos hábitos alimentares e até mesmo levando restaurantes a implementar políticas contra o desperdício. Entre os nomes cogitados para a liderança está o do Ministro da Agricultura, Shinjiro Koizumi, que ganhou projeção após seu predecessor renunciar ao ser criticado por um comentário considerado insensível: alegar que nunca precisou comprar arroz por sempre recebê-lo de presente.
A intervenção estatal no mercado de arroz do Japão é notavelmente distinta se comparada a outras economias, como a dos Estados Unidos. Os órgãos governamentais, tanto central quanto locais, coordenam de perto o setor em conjunto com as cooperativas agrícolas. Essas cooperativas fornecem uma gama essencial de apoios, desde fertilizantes até empréstimos, fundamentais para a subsistência dos pequenos agricultores, que constituem a espinha dorsal da produção. Os reguladores definem as diretrizes de produção, que exercem grande influência sobre os preços, enquanto as cooperativas são parceiras na implementação das políticas governamentais estabelecidas.
Koizumi e outros representantes políticos expressaram a intenção de revisar as normativas de regulação do arroz. Contudo, há ceticismo entre críticos, pois reformas anteriores enfrentaram forte resistência das poderosas cooperativas agrícolas, que detêm considerável influência dentro do PLD. A despeito do papel central do arroz na culinária japonesa, seu consumo tem apresentado um declínio contínuo desde a década de 1960, em um movimento que favorece alimentos como pão e massas. Para mitigar o risco de um excedente, o governo anteriormente reduziu metas de produção e ofereceu subsídios a culturas alternativas. Essa estratégia visava principalmente estabilizar os preços e prevenir picos de superoferta, segundo apontam especialistas no setor.
O ano passado, porém, foi marcado por uma conjunção desafiadora de fatores que desestabilizaram o mercado: uma safra de baixa qualidade somou-se ao aumento do fluxo turístico e a uma onda de compras de pânico, motivada por receios de um grande terremoto no arquipélago. O arroz começou a rarear nas prateleiras dos supermercados, e os preços do que estava disponível dobraram. Diante do cenário crítico, o governo foi compelido a recorrer às suas reservas emergenciais do cereal. Para agricultores como Kubo, essa situação é exasperante. Ele argumenta que a produção poderia ter sido maior se não fossem as decisões errôneas do governo. Kubo, por exemplo, deixou 30% de suas terras ociosas devido às diretrizes de produção vigentes.
Durante a visita de Koizumi a Hokkaido, em maio, Nobuo Kubo e outros dois produtores rurais fizeram um apelo veemente por mudanças na política agrícola. “Eu disse a ele: ‘Venha ao campo. Faça políticas enquanto realmente observa a situação no terreno. Caso contrário, você não entenderá a realidade'”, relatou Kubo. “Ele disse que entendeu, mas não veio de jeito nenhum”. No entanto, o recado parece ter sido assimilado. Em agosto, o governo japonês anunciou uma significativa mudança política: a suspensão do limite de produção de arroz, com um novo incentivo para maiores safras. Previamente, o governo fazia previsões anuais de demanda que funcionavam como um teto implícito para a produção. Para evitar qualquer excedente futuro, está sendo planejada uma destinação maior do arroz para exportação. Apesar das indagações da imprensa, o Ministro Koizumi declinou o pedido de entrevista.
Ansiedade Pelo Futuro das Fazendas Familiares
Ainda que o governo japonês sinalize planos para estimular o aumento da produção, os detalhes permanecem ambíguos, gerando grande incerteza entre os agricultores. O setor já enfrenta desafios significativos, incluindo o envelhecimento da força de trabalho no campo e a crescente migração de gerações mais jovens para oportunidades de emprego nos centros urbanos. Essa tendência resultou em mais de um milhão de acres de terra ociosos. Contudo, exemplos como o de Hiroaki Kawazoe, de 39 anos, oferecem uma visão de esperança. Ele optou por continuar no campo, herdando a fazenda de sua família. Em sua abordagem moderna, Kawazoe incorpora tecnologias como drones, adota a venda direta para restaurantes e investe no marketing digital. “Achei que seria um desperdício deixar todo o trabalho árduo dos meus pais desaparecer”, expressou Hiroaki. A família Kawazoe, no entanto, permanece apreensiva sobre o panorama futuro do setor, que abrange desde negociações tarifárias internacionais até as implementações das novas diretrizes governamentais. Katsuko Kawazoe, mãe de Hiroaki, de 71 anos, compartilha essa preocupação: “Quem sabe o que acontecerá daqui para frente? Estamos ansiosos para saber se conseguiremos administrar.”

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Adicionalmente, o acordo comercial firmado entre Tóquio e Washington estabeleceu que o Japão aceitaria uma maior quota de arroz importado dos Estados Unidos sem tarifas. Em resposta, varejistas japoneses, no início deste ano, buscaram ativamente importações de arroz da Califórnia e da Coreia do Sul como alternativas mais econômicas ao produto cultivado localmente. Apesar disso, os consumidores manifestam uma clara preferência pelo arroz produzido no país e esperam que o governo encontre uma solução que não apenas torne o cereal mais acessível, mas também proteja os agricultores nacionais. “Com o número de produtores de arroz diminuindo, espero que algum tipo de medida seja tomada, embora eu não saiba qual”, comentou Kozue Niiya, de 47 anos, durante suas compras recentes. “Mas eu realmente gostaria que itens alimentares diários, como o arroz, fossem mais baratos”, adicionou, enfatizando a preocupação generalizada com o custo de vida.
Os esforços do PLD para reformar a indústria do arroz encontraram obstáculos devido, em grande parte, à influência da Cooperativa Agrícola Japonesa (JA), uma federação poderosa de associações locais que representa os agricultores e exerce forte pressão política. Além da atividade de lobby, a JA desempenha um papel crucial na mobilização do voto rural, que tem um peso desproporcional no sistema eleitoral japonês, como destacado pela professora Patricia Maclachlan, da Universidade do Texas, que oferece análises profundas sobre as dinâmicas político-econômicas na Ásia em periódicos como a Reuters. O Ministério da Agricultura nega favorecer grupos específicos com suas políticas. Entretanto, a JA evita conceder entrevistas, embora, em suas coletivas, frequentemente pressione por políticas que assegurem a sustentabilidade futura da agricultura japonesa.
Segundo a professora Maclachlan, a abrangência da JA em todas as prefeituras foi um fator determinante para manter o domínio do PLD por quase sete décadas. Ela descreve um acordo claro: a JA garantia os votos rurais, e o PLD, em contrapartida, protegia os interesses dos agricultores. Uma dessas salvaguardas era o limite de produção imposto, que contribuía para manter os preços do arroz artificialmente elevados. Essa política beneficiava especialmente os pequenos agricultores, que cultivam lotes menores e dependem do arroz para complementar sua renda. A característica dessas propriedades reduzidas remonta ao período pós-guerra, quando trabalhadores industriais mantinham pequenas áreas para a subsistência familiar. Muitos campos ainda hoje produzem para consumo próprio e se mantêm viáveis devido ao apoio constante da JA. Shinichi Matsumoto, um agricultor de tempo parcial de 76 anos, expressa a preocupação de que, se a produção se expandir excessivamente e os preços despencarem, muitos outros produtores de pequena escala poderão abandonar a atividade. Para Matsumoto, a chave é um equilíbrio cuidadoso entre a viabilidade das pequenas e grandes fazendas e a necessidade de garantir preços justos para os consumidores. “O arroz é um alimento básico”, salientou Matsumoto. “A comida é a fonte da vida. Existe algo mais importante que isso?”
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Em suma, a situação do arroz no Japão é um complexo cenário que entrelaça cultura, economia e política. À medida que o país busca um novo líder, a abordagem para regulamentar o mercado de arroz e apoiar seus agricultores se tornará crucial para a estabilidade. Os debates atuais destacam a necessidade de políticas de longo prazo que garantam a sustentabilidade agrícola e a acessibilidade dos alimentos essenciais. Para continuar acompanhando as nuances da economia e da política global, explore outras matérias em nossa editoria de Política e fique por dentro dos principais acontecimentos que moldam o cenário internacional.
Crédito da Imagem: Salwan Georges – The Washington Post
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