Um levantamento recente revelou que a capital fluminense registrou 290 ocorrências de **crimes sexuais virtuais no Rio de Janeiro** no primeiro trimestre de 2025, com uma esmagadora maioria de 95% das vítimas sendo mulheres. Desse montante total, 43 incidentes envolveram menores de idade, destacando uma preocupante parcela de 15 casos tendo como alvo crianças com menos de 14 anos.
Essas estatísticas alarmantes foram coletadas e disponibilizadas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), através de uma solicitação via Lei de Acesso à Informação pelo g1. Os dados ressaltam a urgência em abordar a crescente violência sexual no ambiente digital.
Crimes sexuais virtuais no RJ: 290 casos em 3 meses
Entre os episódios investigados, um dos mais chocantes se refere a um homem detido em janeiro deste ano, cuja posse de imagens pornográficas da então namorada, com 14 anos, gerou um inquérito. Segundo apurações policiais, as gravações teriam começado quando a vítima tinha apenas 12 anos de idade. A Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav) investiga ativamente se o acusado monetizava o conteúdo íntimo em plataformas de mensagens.
Aumento Preocupante e a Dissimulação do Agressor Digital
Os números apresentados corroboram uma tendência de alta já percebida anteriormente. Em agosto, o portal g1 havia veiculado matérias indicando um vertiginoso aumento de 1.200% nos incidentes desse tipo no Rio de Janeiro, em um recorte que abrangeu os anos de 2018 a 2024. Naquele período, porém, o ISP não discriminava as vítimas por faixa etária.
O delegado Cristiano Maia, que chefia a Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), adverte para os perigos subestimados do ciberespaço. Embora não pretenda instaurar um pânico generalizado, Maia ressalta que “Aquele autor do mundo digital, ele não tem rosto. Ele nunca vai aparecer como pedófilo. Ele vai se transverter, ele vai se fantasiar de uma criança da mesma idade.” Segundo o delegado, frequentemente, o universo virtual se revela “muito mais perigoso do que o mundo real”, uma dimensão pouco discutida pela sociedade.
Em linha com as observações do delegado, a inspetora Tatiana de Azevedo Lopes, líder do setor de depoimento especial da DCAV, encarregada de acolher as declarações de adolescentes, enfatiza a relevância do silêncio como um possível indicador de sofrimento. “Muitos pais vêm aqui e falam assim: Como eu não pude observar isso? Ela (a vítima) não falou nada, mas disse algo, de alguma forma, através do silêncio dela”, explica Lopes, salientando a importância da percepção de mudanças comportamentais.
Perfil das Vítimas e o Papel de Plataformas Online
A predominância feminina entre as vítimas é nítida. Conforme os dados do ISP, das 43 vítimas que eram menores de idade, 41 eram meninas, representando um preocupante percentual de 95% dos casos. A delegada Maria Luiza Machado, assistente na Delegacia da Criança e Adolescente Vítima, observou que um grande número de ocorrências em 2024 e no início de 2025 tiveram como cenário principal os servidores da plataforma Discord.
Machado descreveu o funcionamento desses esquemas, onde em ambientes que facilitavam a prática e o incentivo de crimes variados, também ocorria a difusão de material íntimo envolvendo menores, majoritariamente meninas adolescentes, para outros membros do servidor. Essa modalidade criminosa foi identificada durante as investigações que desvendaram um complô para assassinar uma pessoa em situação de rua. A delegada explicou o método utilizado: “Conseguimos verificar dentro da nossa investigação que ele realizava a chantagem emocional com as meninas, até o momento em que elas praticavam algum ato libidinoso que era registrado, momento no qual ele passava a chantagear essas meninas a realizarem outros atos com base nas imagens já registrada desse ato anterior.”
Atuação da DCAV e a Resposta Multidimensional ao Crime
A DCAV é reconhecida como uma referência nacional no combate a crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes. Fato é que, com frequência, a delegacia identifica a propagação e compartilhamento de conteúdos íntimos de menores através do auxílio de mecanismos de cooperação internacional. A delegada Maria Luiza Machado detalha: “A delegacia tem acesso a arquivos em que determinados autores que são individualizados a partir do seu dispositivo eletrônico.” Nesses contextos, muitas vezes a identificação da vítima não é crucial, uma vez que o principal objetivo é a responsabilização do autor do delito. Em outras conjunturas, a notícia dos crimes chega à delegacia por meio de atendimentos diretos, normalmente quando um familiar tem acesso ao dispositivo eletrônico da vítima. Machado elucida: “Esse parente consegue verificar dentro desse dispositivo eletrônico que aquela criança ou adolescente em específico se tornou vítima de um da produção desse conteúdo em que ela atua como protagonista.”
Nessas circunstâncias, as vítimas menores de idade são submetidas a um depoimento especial, com protocolos desenhados especificamente para seu atendimento, a fim de minimizar traumas. “Para evitar revitimização, a gente precisa evitar que essa criança seja ouvida mais uma vez. Então, ela precisa ser ouvida uma única vez. Além disso, evitar que a vítima tenha acesso ao autor do fato”, esclareceu a inspetora Tatiana Azevedo. Maria Luiza Machado reitera a criminalidade inerente ao consumo e à partilha de imagens e vídeos pornográficos envolvendo menores de idade. “Todas as condutas relacionadas ao aliciamento, a produção, ao armazenamento, à venda, a compra, todas essas condutas elas são tipificadas”, pontuou a delegada.

Imagem: g1.globo.com
Entendendo a ‘Sextorsão’ e o Estupro Virtual
As autoridades entrevistadas na reportagem emitiram um alerta sobre o recrudescimento de casos de “sextorsão” e estupro virtual. O crime de sextorsão se configura pela coerção de uma vítima a realizar ações sob ameaça de divulgação de informações, fotografias ou vídeos de natureza sexual. O Código Penal brasileiro tipifica o estupro virtual como a indução de atos libidinosos através de coerção psicológica, mesmo sem interação física direta.
O delegado Cristiano Maia explicou uma das modalidades de estupro virtual: “O autor consegue, a partir de uma invasão de dispositivo, uma imagem íntima de uma adolescente. E ele passa a exigir que ela pratique atos libidinosos nela mesma, através da inserção de objetos ou qualquer ato libidinoso nela mesmo. Isso é um estupro virtual”. A DCAV registrou numerosos casos dessa natureza nos últimos dois anos, concentrados em plataformas como Discord e Telegram. A delegada Maria Luiza Machado narrou a constatação de “inúmeras videochamadas com atos criminosos, envolvendo adolescentes que caracterizaram o estupro virtual, além do induzimento a automutilação, praticamente todos também envolvendo meninas”. Camila Guerin, juíza que já atuou na Vara Especializada em julgar crimes contra crianças e adolescentes no Tribunal de Justiça do Rio, alertou para “promessas financeiras de PIX, às vezes por pessoas desconhecidas” em grupos de Telegram que tornam adolescentes “reféns”.
Para mais informações sobre a segurança de crianças e adolescentes na internet, entidades como a SaferNet Brasil oferecem materiais educativos importantes, alertando para os perigos do mundo digital.
Impactos Emocionais e a Essência da Prevenção
A violência e o abuso sexual infantil acarretam profundos efeitos emocionais, com sentimentos de culpa, vergonha, medo e insegurança sendo prevalentes entre as vítimas mais jovens. A inspetora Tatiana de Azevedo Lopes destaca a variabilidade dos impactos de acordo com a idade. “Crianças que às vezes já estavam falando, podem regredir. Crianças que já estavam sem a chupeta e a mamadeira, podem voltar a ter essa vontade de ter a chupeta e a mamadeira ou de usar para aplacar uma ansiedade”, exemplificou.
Para os adolescentes, as consequências podem ser ainda mais devastadoras. “Muitas vezes eles se recolhem, porque socialmente existe todo um julgamento como se eles tivessem permitido que aquilo acontecesse”, acrescentou a inspetora. Tatiana narrou o depoimento especial de uma jovem que permitiu a um parceiro filmar um momento íntimo, mas se sentiu profundamente lesada com a subsequente divulgação das imagens. O episódio, reportado à DCAV, evidenciou que “Ela não gostou porque ela se sentiu traída, envergonhada e exposta perante ao meio que ela pertence, ao colégio que ela estuda”.
O delegado Cristiano Maia, por fim, reforçou a imperativa atenção dos responsáveis. “Quando a Dcav age, é porque o crime já ocorreu. O trauma já está ali. A dor da vítima já está ali. Então, é muito importante que cada responsável, que cada pai, tenha essa noção, essa ideia da responsabilidade, de cuidado, de atenção, de carinho com suas crianças e com os seus adolescentes”, concluiu o delegado, enfatizando a relevância da prevenção.
Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista
Os alarmantes dados dos crimes sexuais virtuais no Rio de Janeiro reforçam a urgência de vigilância e diálogo constante sobre segurança digital, especialmente com crianças e adolescentes. Para manter-se informado sobre este e outros temas críticos da sociedade, acompanhe nossas reportagens na editoria de Cidades, que trazem análises e informações atualizadas sobre a segurança pública e os desafios do mundo digital na capital fluminense e região.
Crédito da imagem: Arte g1 Foto: Dhara Assis/Arte g1
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