A Corte Interamericana de Direitos Humanos está realizando o julgamento do Brasil em um caso emblemático que envolve a morte de dezenas de recém-nascidos. Nesta sexta-feira, 26 de julho, em Assunção, Paraguai, acontece a audiência do processo “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”. A controvérsia central do litígio diz respeito a graves violações de direitos humanos relacionadas ao óbito de, pelo menos, 96 crianças na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), situada em Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro. As tragédias ocorreram ao longo de um período de aproximadamente nove meses, entre junho de 1996 e março de 1997. O início da sessão foi programado para as 8h30, horário de Brasília e também local na capital paraguaia.
Este trágico episódio veio à tona e chocou o país em 1997, quando o jornal O Globo revelou as denúncias, feitas inicialmente por familiares das vítimas ao Ministério Público do Rio de Janeiro. Desde 2024, as famílias são representadas pela ONG Justiça Global, que destaca a relevância histórica do processo: este é o primeiro julgamento de âmbito internacional em que o Estado brasileiro se vê processado por falhas sistêmicas na garantia do direito à saúde de recém-nascidos e seus familiares. As consequências potenciais para o Brasil podem redefinir o futuro das políticas públicas de saúde neonatal.
Corte IDH Julga Brasil Por Mortes de Bebês em Cabo Frio
A organização Justiça Global esclarece que as crianças sucumbiram a infecções hospitalares, resultado direto de condutas assistenciais que se mostravam incompatíveis com os padrões mais elementares de vigilância sanitária. A entidade sustenta que houve uma negligência grave por parte do Estado brasileiro, evidenciada por falhas na prevenção, fiscalização, investigação, responsabilização e na devida reparação às famílias enlutadas. Essa omissão sistêmica será um dos pilares da análise da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Impacto de Uma Potencial Condenação
Caso a Corte Interamericana prolate uma sentença condenatória contra o Brasil, o país será obrigado a cumprir uma série de medidas internacionais. Essas podem incluir o pagamento de indenizações financeiras às famílias afetadas, a oferta de assistência psicológica e social abrangente, a reabertura de investigações para apurar as responsabilidades e, crucialmente, a implementação de ações concretas para evitar que novos óbitos infantis em unidades de terapia intensiva neonatal voltem a acontecer. A própria Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reconhece o poder vinculante das decisões da Corte, afirmando que suas sentenças geram efeitos diretos nas políticas internas do Brasil. Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global, sublinhou a expectativa de que este caso específico atue como um catalisador para fortalecer as políticas de vigilância infectológica e sanitária, aprimorando o cuidado com mães e bebês, e, assim, consolidando o Sistema Único de Saúde (SUS) como um bem precioso da nação brasileira.
Andamento da Audiência e Depoimentos Marcantes
De acordo com informações apuradas pelo jornal O Globo, uma parte substancial dos depoimentos prestados pelas famílias será apresentada de forma escrita. Além disso, os parentes das vítimas optaram por comparecer à audiência vestidos de branco, em um gesto simbólico. A advogada Daniela Fichino, que representa as mães no processo, ressaltou em entrevista ao periódico que o desdobramento deste caso patenteia as severas deficiências na fiscalização de prestadores de serviços de saúde privados que atuam por convênio com o SUS. As expectativas convergem para que a Corte reconheça a responsabilidade internacional do Brasil, impondo ao Estado medidas justas de reparação integral aos danos sofridos.
Um Histórico de Quase Três Décadas de Luta por Justiça
A jornada jurídica deste caso é extensa, datando do ano 2000, quando a denúncia inicial foi formalizada junto ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Em 2008, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) procedeu com a admissibilidade do processo, e, apenas em 2022, divulgou um relatório de mérito. Nele, a CIDH concluiu inequivocamente que o Brasil infringiu direitos fundamentais à vida, à saúde, à proteção judicial, à infância e à igualdade. Em março de 2024, com base nas conclusões deste relatório, a CIDH encaminhou o caso para julgamento pela Corte IDH.
No âmbito do direito interno, investigações conduzidas levaram ao indiciamento do diretor da clínica em 1998 e, posteriormente, de outros oito profissionais médicos em 1999. Contudo, em 2003, todos os acusados foram absolvidos, com a fundamentação de ausência de nexo causal comprovado. À época, não foi possível estabelecer que a conduta dos médicos ou do diretor da Clipel fosse a causa direta e exclusiva das mortes dos bebês. Tal decisão de absolvição foi mantida em instâncias superiores, sendo confirmada em 2005 e ratificada novamente em 2007, encerrando o percurso judicial na esfera brasileira sem condenações.

Imagem: mortes de recém via g1.globo.com
A Posição das Partes Envolvidas no Caso
Em nota veiculada por O Globo, a Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel) manifestou que o pleito de condenação direcionado ao Estado brasileiro não se estende aos sócios da clínica, reiterando a negativa de qualquer negligência. A Clipel destacou, em seu comunicado, que os profissionais médicos envolvidos no episódio foram devidamente absolvidos pela Justiça estadual. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por sua vez, reforçou seu compromisso, declarando que, em um cenário de condenação, o Brasil terá a obrigação de cumprir integralmente a decisão emanada pela Corte, garantindo a articulação entre os diversos órgãos governamentais para assegurar a efetiva reparação às vítimas e suas famílias.
Propostas de Reparação e Novas Políticas para a Saúde Neonatal
A Justiça Global apresenta um conjunto abrangente de demandas para a reparação integral das famílias e para evitar a reincidência de tragédias semelhantes. Entre os pontos cruciais solicitados pela organização estão o reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado pelas mortes, o pagamento de indenizações compensatórias, a implementação de medidas de reabilitação psicológica e social, além da garantia expressa de não repetição dos eventos. Para tanto, a ONG propõe a construção de um memorial em Cabo Frio em homenagem aos bebês falecidos, a elaboração e aplicação de protocolos mais rígidos e eficazes de vigilância sanitária em UTIs neonatais, e o contínuo avanço nas políticas públicas de saúde materna e neonatal em todo o território nacional. Essas medidas visam transformar a dor do passado em ações que garantam um futuro mais seguro para as novas gerações brasileiras.
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A decisão da Corte Interamericana sobre o caso “Mães de Cabo Frio” é aguardada com grande expectativa e tem o potencial de estabelecer um importante precedente para a responsabilização estatal em violações de direitos humanos ligadas à saúde. Acompanhe no portal Hora de Começar os desdobramentos deste julgamento histórico e continue a acompanhar as últimas notícias sobre direitos humanos e saúde pública no Brasil em nossa editoria de Cidades.
Crédito da imagem: Reprodução/TV Globo
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