A proteção eficaz de crianças e adolescentes no ambiente externo, seja na rua ou dentro de um condomínio, está intrinsecamente ligada ao estabelecimento de uma relação de confiança mútua entre pais e filhos. Especialistas alertam que a omissão na supervisão parental pode equivaler à renúncia de um papel mediador fundamental na vida do menor. De igual modo, a expectativa de que crianças se protejam autonomamente frente aos perigos pode ser entendida como uma forma de “adultização”, ou seja, a antecipação de responsabilidades e desafios que a fase de desenvolvimento delas ainda não permite lidar com a devida maturidade e discernimento. Essa prática impõe à criança cargas emocionais e cognitivas inadequadas para sua idade.
Para os adolescentes, que atravessam um período de intensa construção da identidade, das culturas próprias e do desenvolvimento de suas autonomias individuais, o grau de mediação parental tende a ser, naturalmente, reduzido em comparação à infância. No entanto, mesmo nesta fase de busca por independência, a mediação não deve ser abandonada; pelo contrário, precisa ser conduzida, sobretudo, por meio de um diálogo contínuo e construtivo. Este tipo de comunicação franca se revela como um pilar essencial para garantir que o adolescente se sinta seguro e amparado. Estar disponível para esclarecer dúvidas, oferecer acolhimento diante de incertezas e, principalmente, auxiliá-los a identificar e nomear os problemas que enfrentam são práticas indispensáveis para assegurar sua proteção, em particular no que se refere às experiências e vivências que ocorrem longe do lar. Sem essa ponte de diálogo, os pais correm o risco de se tornarem figuras distantes ou mesmo adversárias, inviabilizando a atuação protetiva nos momentos mais críticos da vida do jovem.
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A construção dessa abertura, que permite à criança se sentir à vontade para compartilhar suas preocupações e vivências, é um aspecto crucial na relação familiar. A psicóloga Elisa Altafim, doutora com especialização na área de saúde mental e membro ativo do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), enfatiza a importância dessa conexão emocional. Conforme a especialista, “Quando a criança sentir confiança nos seus cuidadores, ela irá conversar sobre as situações que muitas vezes geram, inclusive, incômodo”. Este processo de escuta ativa e acolhimento cria um ambiente onde a criança não hesita em expor suas vulnerabilidades e medos, ciente de que encontrará suporte e compreensão, em vez de julgamento ou punição. Essa base sólida de confiança não apenas fortalece o vínculo familiar, mas também atua como um escudo protetor para o desenvolvimento saudável e seguro dos filhos, fornecendo aos pais informações vitais sobre o que acontece na vida dos menores fora de seu campo de visão.
Reforçando a visão da Dra. Altafim, a professora de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Juliana Prates, que possui doutorado em estudos da criança, sublinha que o diálogo assume a principal função na edificação da confiança no seio familiar. Em sua análise, a comunicação aberta é mais do que um mero instrumento; ela se estabelece como a fundação sobre a qual se ergue toda a estrutura de segurança da criança. Prates argumenta que a essência da segurança reside no fato de que “o diálogo é fundamental porque o filho pode e vai transgredir regras. E ele precisa entender que a família é seu principal aliado, e os pais não podem ser vistos como inimigos”. Esta perspectiva desmistifica a ideia de que a transgressão deve gerar punição severa ou afastamento, em vez disso, posicionando a família como o refúgio seguro para o qual o filho pode retornar após eventuais deslizes. A meta é garantir que “o adolescente tem que ter certeza de que se tiver um problema, a primeira pessoa que ele vai ligar é a família”. Para Prates, essa compreensão por parte do jovem de que a família será sempre seu porto seguro é “uma estratégia de segurança absolutamente inegociável”, um pilar irremovível que os pais devem edificar e manter, custe o que custar, pois é a garantia de que terão conhecimento e poderão agir diante de qualquer situação de risco.
Importante frisar, contudo, que a promoção do diálogo e do acolhimento não significa a ausência de disciplina ou de estabelecimento de limites. Pelo contrário, a segurança e o desenvolvimento infantil exigem que os filhos compreendam que haverá consequências para suas ações, mesmo dentro de um ambiente protegido, amparado e empático. O ponto chave não é punir com medo, mas ensinar a relação causal entre comportamentos e suas repercussões. Conforme os especialistas, os pais desempenham o papel crucial de demonstrar quais são essas consequências imediatas e proporcionais ao comportamento inadequado. Se uma criança não cumpre um acordo pré-estabelecido, a perda de um privilégio desfrutado anteriormente é uma forma de ensinamento. Exemplos concretos como “Não soube usar o celular, vai perder o celular” ou “Podia sair com os amigos, mas está descumprindo as regras que a gente combinou, não pode mais sair com os amigos” são ilustrações de como as ações precisam ter consequências claras. Este tipo de abordagem pedagógica reforça a importância das regras e da responsabilidade, ensinando os filhos a navegarem em sociedade com consciência, sem minar a confiança construída. A mensagem é que, embora sejam amados e ouvidos, a liberdade vem com responsabilidades, e o descumprimento de combinados tem suas devidas repercussões.
Em contraste direto com a educação baseada no diálogo e nas consequências lógicas, práticas violentas, como gritos e palmadas, são veementemente desencorajadas e não devem fazer parte da dinâmica familiar. A psicóloga Elisa Altafim reforça que esses métodos coercitivos não só são prejudiciais para o desenvolvimento emocional das crianças, mas também geram um profundo medo e coíbem, de forma irreversível, o desenvolvimento da confiança. A exposição contínua à violência física ou verbal, sob qualquer pretexto, é igualmente categorizada como uma forma de “adultização” precoce. Essa adultização, conforme explana Altafim, refere-se à antecipação das fases de vida, submetendo crianças e adolescentes a situações e violências para as quais eles ainda não possuem a maturidade emocional, psicológica ou social necessárias para processar e lidar de forma saudável. Ao invés de proteger, a violência expõe, fragiliza e desestrutura o universo infantil, criando feridas que podem perdurar por toda a vida. A agressão, física ou verbal, quebra o elo de segurança, transformando a figura parental, que deveria ser a principal fonte de proteção, em uma fonte de temor. Esse rompimento dificulta a comunicação de problemas externos e internos, aumentando o isolamento e, paradoxalmente, a vulnerabilidade do menor diante do mundo.
Considerando a complexidade do crescimento infantil, os pais também precisam entender a importância de um apoio coletivo, que transcende o âmbito familiar e se enraíza na comunidade. Essa visão advém da ideia de que “é preciso uma comunidade para cuidar uma criança”, conceito que ressalta a responsabilidade compartilhada no zelo pelo desenvolvimento infantil. Isso também se alinha com a perspectiva de que toda criança é uma cidadã e, como tal, possui o direito inalienável à vivência plena no espaço público. A exclusão ou restrição desse direito impede seu desenvolvimento social e a capacidade de interagir com o mundo ao seu redor de forma autônoma e segura. Esperar que uma criança não usufrua do espaço coletivo, sob pretexto de evitar incômodos, configura uma contradição à própria lógica do comportamento adulto e civilizado que se busca ensinar. Tal comportamento de restrição acaba por promover uma adultização indesejada, onde se exige da criança um silêncio e uma imobilidade que são avessos à sua natureza exploradora e lúdica.
Esse fenômeno é particularmente visível e problemático em ambientes urbanos modernos. A Dra. Altafim, do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), destaca que muitas vezes, em condomínios residenciais, “não é oferecido um espaço adequado para a criança brincar”. Nestes locais, a expectativa predominante é que a criança mantenha-se em silêncio, que não corra e que o brincar, que deveria ser um processo natural de desenvolvimento e descoberta, não se torne um incômodo para os adultos. Essa postura restritiva estende-se também a espaços públicos tradicionais, como ruas, praças e parques, onde a presença e o barulho das crianças são, por vezes, vistos como distúrbio e não como a manifestação saudável de sua energia vital. A consequência é a privação de experiências fundamentais para o crescimento físico, social e emocional dos pequenos, limitando suas oportunidades de aprendizado e interação, e contribuindo para a já mencionada “adultização”, que os afasta de uma infância plena e desimpedida. Esse cenário desafia a sociedade a repensar a configuração de seus espaços e a inclusão das necessidades infantis em seu planejamento e convívio social.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Diante desses desafios, torna-se não apenas desejável, mas imperativo, que a sociedade trabalhe de forma colaborativa para a construção de espaços seguros. Tais ambientes devem ser pensados e estruturados de maneira que a criança se sinta cuidada e protegida por todos os que a cercam, transcendo a mera vigilância dos pais. A professora Juliana Prates, doutora em estudos da criança e especialista na área de Psicologia Infantil, ressalta a urgência de uma mobilização coletiva. Ela enfatiza que “a gente precisa construir essa aldeia segura que protege crianças e adolescentes que não são nossas”. Essa concepção de aldeia segura pressupõe que cada membro da comunidade compreenda e exerça seu papel na proteção e provisão para os menores. Prates alerta que a falha em “adultizar as crianças” significa, fundamentalmente, falhar em reconhecer que “elas precisam ser cuidadas”. Para isso, é essencial assegurar um tripé de direitos fundamentais, conhecido como “provisão, participação e proteção”. Este tripé implica garantir que a criança tenha acesso a recursos necessários, que possa participar ativamente das decisões que afetam sua vida e que esteja, acima de tudo, resguardada de perigos e negligências. Assim, a criação de espaços verdadeiramente acolhedores para crianças e adolescentes não é uma tarefa exclusiva da família, mas uma responsabilidade conjunta de todos os envolvidos na comunidade, requerendo um esforço sincronizado para garantir a segurança e o desenvolvimento integral dos menores.
Um trágico exemplo que sublinha a necessidade de vigilância constante e a formulação de regras claras em espaços comunitários é o caso do menino Miguel. Com apenas 5 anos de idade, Miguel perdeu a vida após cair do nono andar de um edifício residencial localizado no centro do Recife. Essa ocorrência serve como um sombrio lembrete da importância de medidas de segurança em condomínios e da proibição da circulação de crianças sozinhas em elevadores, como uma das regras que devem ser estabelecidas. Cada condomínio, de acordo com sua realidade e estrutura, deve ter suas próprias diretrizes de segurança, visando preservar a integridade física dos menores. O acidente fatal de Miguel destacou as lacunas e os perigos inerentes à falta de supervisão e à inadequação de regras de segurança para crianças em espaços verticais, complexos e, por vezes, negligenciados em seu potencial de risco. A segurança infantil em ambientes como esse não pode ser delegada exclusivamente ao bom senso; ela precisa ser ativamente garantida por um conjunto de normas claras e de responsabilidade coletiva.
A atenção à segurança infantil vai além das normas gerais e precisa incorporar dimensões sociais mais amplas, incluindo questões de raça e gênero, uma vez que estas influenciam diretamente como e quando as crianças são “adultizadas” pela sociedade. A professora Juliana Prates destaca uma observação crítica: “crianças negras e meninas tendem a ser ‘adultizadas’ mais precocemente”. Essa antecipação de papéis e responsabilidades para grupos específicos os expõe a um conjunto diferente e muitas vezes mais árduo de desafios, impactando suas vivências e percepções de segurança e autonomia. Prates utiliza um exemplo para ilustrar a necessidade de preparo em vez de uma proibição impossível: “Eu posso garantir que meu filho não vai ver pornografia? Não, mas eu tenho que ter diálogo”. A impossibilidade de blindar totalmente os filhos de determinados conteúdos ou situações ressalta a importância de muní-los de ferramentas de discernimento e análise crítica. “Então, à medida que meu filho vai crescendo, eu vou instrumentalizando ele para analisar esse conteúdo de forma crítica”, exemplifica a professora. Este processo de instrumentalização e diálogo contínuo capacita a criança e o adolescente a navegarem em um mundo complexo, entendendo e interpretando criticamente as informações e os eventos aos quais são expostos, construindo assim uma proteção mais robusta e autônoma, pautada na inteligência e no bom senso.
Diante dos riscos inerentes à vida em sociedade, o desenvolvimento da autonomia em crianças e adolescentes deve ser um processo gradual, cuidadosamente orquestrado através de “ensaios acompanhados”. Estes ensaios são oportunidades monitoradas para que os menores pratiquem a independência em contextos controlados, sempre com o suporte e a observação de um adulto de confiança. Além disso, é crucial munir as crianças com o conhecimento necessário sobre o que excede seus limites pessoais e o que viola seus direitos fundamentais, proporcionando-lhes a capacidade de identificar situações de risco e abuso. A mediada é constantemente reforçada como a forma mais eficaz de interação com o mundo externo, oferecendo um balanço entre a proteção parental e a liberdade de explorar. Como reitera a Dra. Altafim, essa presença consciente dos pais, seja na rua ou em condomínios, é o fator determinante que transforma a brincadeira em uma valiosa experiência de desenvolvimento infantil, e não em uma fonte de perigo potencial. Dessa forma, a vigilância se converte em mediação ativa, e o medo de riscos é substituído pela construção de um aprendizado seguro. Para os especialistas, o elo de confiança na família não apenas protege, mas capacita o indivíduo em crescimento a desbravar o mundo com segurança e autoconfiança.
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O foco principal é que “o que garante que a família continue com o limite de proteção é ser compreendida pelos filhos como principal fonte de proteção”, como acrescenta a Dra. Prates. Essa percepção dos filhos é a base de uma segurança duradoura e da capacidade dos pais de atuarem preventivamente. Para pais que vivem em condomínios ou cujos filhos frequentam ruas e praças, algumas dicas práticas são vitais para solidificar esse modelo de proteção e desenvolvimento:
- Acompanhe as brincadeiras e permita autonomia compatível com a idade, mantendo sempre a atenção: É essencial que os pais estejam presentes nas atividades lúdicas dos filhos. Esta presença permite monitorar os riscos, oferecer apoio e, ao mesmo tempo, dar espaço para que a criança desenvolva sua independência de acordo com sua maturidade, observando de perto suas interações e desafios.
- Incentive jogos tradicionais como pega-pega, corda, bola e elástico, que ensinam cooperação e negociação: Brincadeiras clássicas são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades sociais. Elas estimulam a interação entre as crianças, a prática da colaboração, o aprendizado sobre o compartilhamento de regras e a negociação em grupo, aspectos cruciais para a convivência em sociedade.
- Oriente a resolver conflitos de forma respeitosa e intervenha quando houver risco de violência física ou exclusão: Os pais devem ser guias para os filhos na gestão de desentendimentos. Ensinar a comunicação não-violenta e o respeito às diferenças é vital. Contudo, é fundamental saber o momento de intervir para evitar brigas físicas, bullying ou qualquer forma de exclusão que possa causar sofrimento.
- Converse com outros pais e moradores para alinhar regras de convivência no espaço compartilhado: A uniformidade nas expectativas e nas regras de comportamento coletivo é crucial. O diálogo com a comunidade garante que todos estejam em sintonia quanto aos limites e responsabilidades, criando um ambiente mais seguro e previsível para todas as crianças.
- Estabeleça um grupo de confiança para supervisão em conjunto, ampliando a rede de cuidado: Criar uma rede de apoio mútua entre pais ou vizinhos confiáveis para monitorar as crianças nos espaços comuns pode aliviar a carga individual e fortalecer a vigilância. Essa prática amplia o “olhar protetor”, beneficiando todas as crianças envolvidas.
- Explique que, se alguém oferecer bebida, drogas ou pedir segredo sobre algo, isso não é seguro. Oriente a procurar imediatamente você ou outro adulto de confiança: É vital que as crianças sejam instruídas sobre os perigos externos. Abordar temas como drogas, bebidas alcoólicas e segredos inapropriados deve ser feito de forma clara e tranquila, reforçando a importância de sempre buscar um adulto de confiança em tais situações.
- Diga sempre: “Se algo te deixar desconfortável, pode me contar sem medo”: Criar um canal de comunicação aberto é a chave. Garantir que a criança sinta que tem liberdade e segurança para compartilhar qualquer desconforto, sem temer repreensões, fortalece a confiança e permite que os pais estejam a par de situações de risco antes que elas se agravem.
- Reforce que a criança não será punida por pedir ajuda ou por ter cometido um erro ao se colocar em risco: O medo da punição é um dos maiores inibidores da busca por ajuda. As crianças precisam ter a certeza de que serão acolhidas e não castigadas quando contarem sobre algo que as colocou em perigo, mesmo que involuntariamente. A prioridade deve ser sempre a segurança e o aprendizado.
- Converse nas assembleias de condomínio sobre a importância do brincar para o desenvolvimento infantil: Os pais devem ser porta-vozes da importância do lazer infantil em reuniões comunitárias. Sensibilizar os vizinhos sobre a necessidade de espaços e tempo para o brincar como direito e parte do desenvolvimento saudável pode gerar maior aceitação e criação de políticas favoráveis às crianças.
- Reserve e organize o uso de áreas seguras para as crianças, como quadras, parquinhos e jardins: É fundamental que os condomínios disponibilizem e organizem o acesso a locais específicos para as crianças brincarem. A delimitação e manutenção desses espaços, como quadras esportivas, parquinhos infantis ou jardins, oferecem um ambiente controlado e seguro, minimizando conflitos e maximizando o desenvolvimento lúdico.
- Defenda horários e locais que garantam que as crianças possam brincar sem atrapalhar nem serem reprimidas: A convivência harmoniosa entre todas as idades requer que se estabeleçam períodos e zonas designadas para o brincar infantil, onde o barulho e a energia natural das crianças sejam bem-vindos. Isso evita conflitos e garante que elas possam se desenvolver livremente, sem se sentir constantemente policiadas ou reprimidas.
Com informações de Folha de S.Paulo
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